Os primeiros vinhos da Côte-Rôtie datam do século VI e seus vinhos são cultivados em encostas extremamente inclinadas, às vezes com mais de 60 graus
Arnaldo Grizzo Publicado em 17/10/2022, às 08h00
Diz-se que os vinhos da Côte-Rôtie, a mais setentrional das denominações do Vale do Rhône, já eram famosos na antiguidade. Autores antigos como Plínio, o Velho, e Plutarco, já conheceriam as bebidas locais como “vinho de Vienne” – em referência à cidade mais ano norte e uma das mais importantes da região do vale do Rhône, na França.
Mas os primeiros documentos escritos sobre Ampuis e a Côte-Rôtie propriamente datam do século VI. O vinho era apreciado pelas cortes da Inglaterra, Rússia, Prússia e França obviamente. No entanto, nunca foi uma viticultura fácil. Na margem direita do Rhône, os vinhedos de Côte-Rôtie estão cultivados em encostas extremamente inclinadas, às vezes com mais de 60 graus. As fileiras, muito estreitas, são plantadas em socalcos com apenas algumas dezenas de vinhas. Certas parcelas exigem que os viticultores carreguem sua colheita por quase um quilômetro, através de trilhas de cabras.
Foi por isso que, durante a I Guerra Mundial, boa parte foi abandonada por falta de mão-de-obra. Em 1960, restavam apenas cerca de 60 hectares em produção. Mas, nos anos 1980, houve um renascimento, especialmente após os vinhos caírem no gosto do influente crítico Robert Parker.
Em 1996, o sindicato dos viticultores da Côte-Rôtie criou a “Centurie de Probus” (devido aos cerca de cem viticultores que trabalham nas vinhas), dedicada à promoção dos vinhos locais. O nome é de inspiração galo-romana e lembra que Probus, imperador romano, conseguiu reunir várias tribos gaulesas em torno de um desejo comum: a paixão pela Côte-Rôtie e o desenvolvimento do vinhedo.
Vale apontar que Côte-Rôtie é o único cru tinto (e somente tintos podem ser produzidos) das denominações do norte de Côtes du Rhône que pode combinar a casta branca Viognier (até 20%) com Syrah. São as duas únicas variedades permitidas. Apesar disso, a cepa branca costuma ser muito pouco utilizada.
Os vinhedos de Côte-Rôtie (cujo nome pode ser traduzido por “colina assada”) estão localizados nas encostas da margem direita do rio Rhône (Ródano) e abrangem três comunas: Saint-Cyr-sur-Rhône, Ampuis e Tupin-Semons. As vinhas ficam entre 180 e 325 metros acima do nível do mar e há 73 lieux-dits.
A Côte-Rôtie se beneficia de um clima dito “Lyonnais”: os invernos são amenos, os verões quentes e as chuvas relativamente regulares. A denominação tem exposição majoritariamente sul. Assim, as encostas são relativamente protegidas do vento frio do norte e expostas ao vento quente do sul. Este vento tem um efeito de secagem, que ajuda a proteger a vinha contra as doenças e acelera o processo de amadurecimento.
A denominação Côte-Rôtie situa-se sobre rochas metamórficas. Ao norte, há solos de cor castanha sobre um leito de xistos de Mica e, ao sul, solos de cor mais amarelada sobre um leito de gnaisse e migmatitos. O leito rochoso tem muitas fraturas que permitem que as raízes das videiras extraiam água e seus nutrientes.
Os vinhedos se localizam no extremo oriental do maciço central. Este maciço formou-se durante a orogenia hercínica, há aproximadamente 300 a 350 milhões de anos. As principais rochas são as formações cristalinas, ou seja, rochas magmático-plutônicas (granitos) e rochas metamórficas (xistos, gnaisses, migmatitos). Após a formação do maciço central, o vale foi formado pelo colapso ao longo de grandes falhas de tendência Norte-Sul.
Esquematicamente, quase todas as videiras da AOC Côte-Rôtie são plantadas em rochas metamórficas: Xistos de mica nos setores de Saint-Cyr-sur-le-Rhône, norte e centro de Ampuis; Leucognaisse nos setores sul de Ampuis e nos setores norte e central de Tupin; e migmatitas no setor sul de Tupin.
As encostas de Côte-Rôtie geralmente são conhecidas como “Côte Brune” (encosta morena) e “Côte Blonde” (encosta loira). Diz-se que Lord Maugiron, dono da Côte-Rôtie no século XVI, dividiu sua propriedade entre suas duas filhas para que elas conseguissem um bom marido. Uma tinha cabelos dourados como os campos de trigo e a outra tinha cabelos castanho-escuros.
A diferença entre a Côte Brune e a Côte Blonde deve-se à origem geológica do leito rochoso. Ao sul da denominação, as parcelas de Côte Blonde repousam sobre um substrato composto principalmente de gnaisse. A erosão criou solos siliciosos, de cor clara, muitas vezes com aumento da calcificação devido ao revestimento de loess do platô. Na Côte Blonde, e em locais semelhantes, o solo argiloso ou “arzel” que resulta da erosão deste substrato é extremamente quebradiço e instável. Eles não podem ser cultivados sem serem mantidos no lugar por uma série de paredes de pedra seca conhecidas localmente como “cheys”.
A norte da denominação, as parcelas da Côte Brune situam-se sobre um substrato composto por mica-xisto. Quando estas rochas se degradam, formam solos menos siliciosos, com maior teor de argila, mais ricos em ferro e de cor escura. Nas encostas da Côte Brune ou áreas semelhantes, há mais argila e, portanto, maior estabilidade. A encosta é esculpida em terraços estreitos, ou “chaillées”, formando uma espécie de escada que segura as vinhas em seus degraus relativamente planos. Mas a composição química dessas rochas todas é bastante semelhante. E, por fim, as parcelas plantadas encontram-se mais frequentemente na Côte Blonde do que na Côte Brune.
Marcados pela forte presença da Syrah (apesar de poder acrescentar Viognier, a maioria tende a ser 100% Syrah), os vinhos de Côte-Rôtie geralmente são bastante profundos, apresentam nariz complexo e elegante, que pode variar de frutas vermelhas (framboesa, cereja, morango) a frutas negras (groselha, mirtilo, amora) passando por notas florais (violeta) e especiadas (pimenta, canela, alcaçuz), mas também tons amadeirados (baunilha, torrada, etc.), às vezes com herbáceos, couro e bacon, ou ainda notas empireumáticas e tostadas (fumaça, tabaco, café, cacau). Costumam ser bastante tânicos e frutados quando jovens e, por isso, diz-se que merecem anos de adega.
Muito da fama da denominação deve-se ao trabalho de Guigal, produtor que chamou a atenção de Robert Parker, e criou os famosos vinhos “La-La-La”, ou seja, seus La Mouline, La Landonne e La Turque. Outros produtores de renome da Côte Rôtie são Vidal-Fleury, Ogier, Rostaing, Gilles Barge, Bernard Burgaud, Clusel-Roch, Levet, Jamet, Jean-Michel Stéphan etc.