Com duas podas, muda-se o ciclo da videira, alterando a data de colheita
Arnaldo Grizzo Publicado em 10/03/2022, às 10h00
Hoje, muitos dos vinhos do Sudeste se beneficiam da inversão do ciclo da videira
Já diziam os antigos que, sem poda, não há uva. Como sabemos, a videira tem um ciclo anual cujo “ápice” encerra-se entre a primavera e o verão, quando as uvas estão maduras e prontas para serem colhidas.
Pouco antes, a vinha é podada, logo após outono e inverno, que são períodos de dormência. A vitivinicultura obedece esse passo no mundo todo. Assim, no hemisfério norte, as uvas geralmente são colhidas em meados do segundo semestre e, no hemisfério sul, em meados do primeiro.
Um dos grandes dilemas dos produtores durante a colheita são as chuvas (que, entre outras coisas, pode diluir o vinho) e também pragas decorrentes da umidade em um período crítico. Então, por essa razão, regiões em que a pluviometria é muito intensa no verão, a produção de uvas para vinho não é muito bem vista.
No entanto, é possível enganar a videira e “inverter” o seu ciclo normal com a técnica da dupla poda. Em vez de uma única poda (de produção, como geralmente é chamada) no inverno, são feitas duas. A primeira no inverno, para a formação de ramos, e a segunda no começo do verão, o que fará com que a produção seja deslocada para o outono e inverno.
Assim, com essa mudança de data de colheita, regiões em que o inverno é mais seco, como o sudeste brasileiro, conseguem produzir melhores uvas e vinhos do que se o ciclo fosse o convencional. Essa “troca” é ainda mais interessante nesses locais, pois, durante outono e inverno, a diferença de temperatura entre dias e noites também são mais intensas, o que favorece uma melhor maturação das uvas.
Não se pode dizer que a técnica da dupla poda seja uma novidade. Na verdade, há bastante tempo que o homem sabe que, dependendo da época da poda, a planta produzirá em uma determinada data. Durante muito tempo, produtores de uva de mesa usaram a técnica para se adaptar às demandas de mercado, especialmente em regiões mais quentes.
Todavia, foi depois de um estudo aprofundado de um grupo de pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), que a vitivinicultura de diversos estados do Sudeste floresceu.
E não à toa, uma das castas de maior destaque tem sido a Syrah, que foi objeto de pesquisa dos cientistas da Epamig durante dois anos no sul mineiro. Na época da publicação do estudo, o grupo armava que a região do sul de Minas Gerais, mais especificamente a cidade de Três Corações – onde o estudo foi conduzido – tinha potencial para se tornar uma nova região de produção de vinho de qualidade e que a técnica da dupla poda poderia ajudar locais com climas similares. Hoje, quase todos, senão todos os vinhos do Sudeste se beneficiam da inversão do ciclo da videira.
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