Arnaldo Grizzo Publicado em 14/07/2020, às 15h00
O Château d'Ampuis é um dos mais luxuosos Châteaux do vale do Rhône, foi construído entre os séculos XII e XIV. Desde 1995, quando Guigal o comprou, profundas restaurações foram feitas pois o lugar havia se deteriorado com o tempo
Quando seu pai morreu, Etienne Guigal, aos 14 anos, foi obrigado a trabalhar. O garoto ingressou no poderoso négociant de vinhos Vidal-Fleury em 1924. Nos anos de labor, conheceu Marcelle, que trabalhava para uma nobre família francesa que habitava o portentoso Château d'Ampuis, e se casou. Etienne trilhou seu caminho para se tornar chef-de-cave, um dos postos mais altos de uma empresa vitivinícola, e, em 1946, decidiu desbravar novas oportunidades.
Ele saiu da Vidal-Fleury e abriu seu próprio negócio na cidadela berço da denominação Côte-Rôtie, Ampuis. Era o começo da reviravolta em sua trajetória, que, no fundo, assemelha-se com o conto de fadas da Cinderela. De "mero" trabalhador em uma grande companhia, Etienne começou a alinhavar um pequeno império que seu filho, Marcel, iria expandir e transformar hoje provavelmente no principal nome dos vinhos do Rhône.
Marcel, nascido em 1943, teve que assumir a direção do Domaine precocemente, em 1961, pois seu pai ficou completamente cego. Coube a ele "ir ao baile e encantar o príncipe". Em 1966, o jovem enólogo criou seus "sapatinhos de cristal", lançando o rótulo Côte-Rôtie La Mouline, um single vineyard de um hectare de vinhas plantadas em um anfiteatro natural na Côte Blonde. Pouco depois, lançou outro rótulo de um pequeno vinhedo, La Landonne.
Logo, o "príncipe" Robert Parker descobriu seus vinhos e se maravilhou, concedendo-lhes as mais altas pontuações. Até o fim dos anos 1970, começo dos 80, os vinhos da Côte-Rôtie, baseados em Syrah e Viognier, viveram no segundo escalão do Rhône. A denominação mais ao norte do vale nunca foi a mais famosa da região. Hermitage e Châteauneuf-du-Pape sempre estiveram à frente dela e de outras vizinhas. Porém, quando Parker afirmou que eles eram os melhores vinhos que já havia provado, tudo mudou, a Côte-Rôtie entrou no mapa, assim como o Rhône novamente.
Por meio de Guigal, os vinhos do Rhône atingiram o mesmo patamar de regiões francesas mais prestigiadas até então, como Bordeauxe Borgonha. O estilo de vinhos de Guigal, muito concentrado, repleto de fruta, viscoso, quase doce e ainda extremamente longevo - que casava exatamente com o gosto do mais famoso crítico norte-americano -, tornou-se um padrão. O Rhône, além dos clássicos Hermitage e Châteauneuf, tinha muito mais a oferecer.
Etienne e Marcelle faleceram em 1988 e não puderam vivenciar em sua totalidade a completa "virada" da família Guigal, de assalariados a empresários de sucesso, conduzida por seu filho. Com seus dois single vineyard caindo nas graças de Parker, recebendo os tão almejados 100 pontos em diversas safras, os preços de Guigal foram às alturas - já que a produção é ínfima - e a fama fez com que outros de seus produtos também fossem cobiçados pelos enófilos. O sucesso levou Marcel a, em 1984, comprar Vidal-Fleury, onde seu pai havia começado a carreira.
No ano seguinte, Marcel isolou o vinhedo de La Turque, de vinhas de menos de um hectare que antes pertenciam à Vidal-Fleury, no centro da Côte Brune, e completou o que ficaria conhecido como o trio "La-la-la" - os vinhos mais cobiçados do Rhône. Em 1995, Marcel foi ainda mais longe e adquiriu o renomado Château d'Ampuis, no qual sua mãe havia trabalhado como doméstica.
Em seguida, o filho de Marcel, Philippe, nascido em 1975, juntou-se à empresa como o enólogo da casa. Pai e filho juntos não pararam com a expansão do "império" Guigal e continuaram adquirindo propriedades no vale do Rhône. Hoje, eles produzem vinhos nas mais diversas denominações da região, inclusive nas clássicas Hermitage e Châteauneuf-du-Pape.
Indubitavelmente, os principais vinhos de Guigal são seus single vineyard de Côte-Rôtie, os célebres La Mouline, La Landonne e La Turque. O vinhedo de La Mouline, na Côte Blonde, tem vinhas antiquíssimas e já era famoso antes mesmo de Guigal assumi-lo. As plantas (89% Syrah e 11% Viognier) têm quase 100 anos e, assim como todos os vinhos do trio, as parcelas são vinificadas separadamente, além de ficar amadurecendo por 40 meses em barricas de carvalho novas. No fim, cerca de 450 caixas são feitas por safra.
La Landonne por sua vez é um 100% Syrah de vinhas com 35 anos de idade em média, plantadas em solo argilo-calcário repleto de óxido de ferro no total de 2,1 hectares. Assim, a produção é maior que La Mouline, alcançando, por vezes, 1000 caixas. Por fim, La Turque, o menor vinhedo, de vinhas de 25 anos em média e solo sílico-calcário na Côte Brune, tem 93% de Syrah e 7% de Viognier e produz pouco mais de 400 caixas por ano.
Os vinhedos de Guigal são bastante antigos. La Mouline, na Côte Blonde, por exemplo, tem vinhas de quase 100 anos. Por esse e outros motivos, as produções são muito limitadas
Todos eles são extremamente opulentos, uma das marcas registradas de Guigal. Além disso, são longevos e, mais do que isso, os críticos afirmam que sua maturidade se dá com quase 30 anos de guarda. Apesar de bastante similares quando jovens, as nuances aparecem melhor quando mais velhos. La Landonne, como é feito somente com Syrah, costuma ser mais denso e menos extravagante que os outros dois que são misturados com Viognier. La Mouline tende a ser mais perfumado, com tons florais surgindo na taça, enquanto La Turque, também elegante apesar de potente, tende mais para as frutas.
Entre os vinhos "perfeitos" de Parker estão: La Landonne 1978, 1985, 1988, 1990, 1998, 1999, 2003, 2005 e 2009; La Mouline 1969, 1976, 1978, 1983, 1985, 1988, 1991, 1999, 2003, 2005 e 2009; La Turque 1985, 1988 e 1995, 1999, 2003, 2005 e 2009.
VINHOS AVALIADOS
AD 91 PONTOS
E. GUIGAL GIGONDAS 2009
E. Guigal, Rhône, França. Tinto elaborado a partir de 50% Grenache, 30% Mourvèdre e 20% Syrah advindas de vinhedos de 40 anos de idade, com estágio de 24 meses em foudres de carvalho, sendo 50% novos. Apresenta intensa cor vermelho-rubi de reflexos violáceos, bem como aromas cativantes de frutas negras e vermelhas mais frescas envoltos por uma agradável nota floral, além de toques especiados, minerais, herbáceos e terrosos. Em boca, confirma esse estilo mais fresco e vibrante, é estruturado, redondo, tem taninos finos, ótima acidez e final persistente, suculento e agradável. Gostoso de beber, chama atenção pela elegância. Álcool 14,5%. EM
AD 89 PONTOS
E. GUIGAL TAVEL 2011
E. Guigal, Rhône, França. Rosado composto de uvas 50% Grenache, 30% Cinsault, 10% Clairette, 5% Syrah e 5% de outras variedades, advindas de vinhedos por volta de 25 anos, com estágio de seis meses em tanques de aço inoxidável. Apresenta linda cor rosa-cereja e aromas de frutas vermelhas frescas como framboesas e morangos, bem como notas florais e minerais, além de toques herbáceos. No palato, surpreende pela estrutura, é frutado, tem acidez vibrante, bom volume de boca e final médio e fresco, confirmando esse lado herbáceo. Pelo seu estilo mais encorpado e intenso, é versátil em termos gastronômicos, podendo harmonizar com frutos do mar grelhados e pratos da culinária árabe em geral. Álcool 13,5%. EM
AD 90 PONTOS
E. GUIGAL CÔTES-DU-RHÔNE BLANC 2011
E. Guigal, Rhône. Branco composto de uvas 55% Viognier, 20% Roussanne, 10% Marsanne, 5% Bourboulenc e 5% Grenache Blanc advindas de vinhedos com idade média de 25 anos, sem passagem por madeira. Apresenta cor amarelo-citrino de reflexos esverdeados, aromas de frutas brancas e de caroço, bem como notas florais, minerais e de frutos secos. No palato, confirma essa fruta mais fresca, é estruturado, redondo, untuoso, tem acidez vibrante, bom volume de boca e final médio/longo, fresco e agradável, que pede a companhia de peixes brancos grelhados ou frutos do mar em geral. Álcool 13,5%. EM
A família Guigal trabalha com os maiores nomes do vale do Rhône com muita perseverança em seu terreno íngreme formado pelo rio Rhône
O Château d'Ampuis é um dos mais suntuosos Châteaux do vale do Rhône, tendo sido construído entre os séculos XII e XIV. Depois de reformado por Pierre d'Ampuy, a família Maugiron - que habitou o lugar de 1512 a 1755, tendo recebido diversos reis franceses durante esse período - é que vai lhe conceder nobreza. Durante o século XX, contudo, seu estado de conservação se deteriorou, assim como as vinhas ao redor, e, desde 1995, quando Guigal o comprou, profundas restaurações foram feitas para reviver a antiga glória do edifício e da propriedade.
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