A história de um dos grandes produtores de Pinot Noir da história
Arnaldo Grizzo Publicado em 23/11/2021, às 09h00
O culto a Henri Jayer é tamanho que, mesmo seus vinhos “mais simples” são considerados raridades inestimáveis
Há um nome que costuma ser sussurrado nas “rodas” de enófilos fãs de Pinot Noir: Henri Jayer. Citar esse lendário produtor é como falar de uma relíquia sacra, sempre com circunspecção, com deferência, com extremo zelo.
E não é para menos, pois as raras garrafas de Henri Jayer (falecido em 2006) são preciosidades que, durante muitos anos, chegaram a suplantaram – em preço – os mais famosos domaines da Borgonha, inclusive o mítico Romanée-Conti.
O culto a Henri Jayer é tamanho que, mesmo seus vinhos “mais simples”, de vinhedos Premier Cru ou Village (sempre feitos em tiragens minúsculas), são considerados raridades inestimáveis. Ou seja, possuir uma garrafa é um privilégio para poucos. Depois de sua morte, aos 84 anos, devido a um câncer, seus rótulos se tornaram ainda mais disputados. Em 2018, quando as filhas, Lydie e Dominique, decidiram vender as últimas garrafas da coleção particular do pai – cerca de mil garrafas –, o valor alcançado foi de US$ 35 milhões.
Como Henri Jayer cultivou esse mito em torno de seu nome? A história começou durante a II Guerra Mundial. Quando seus irmãos Lucien e Georges foram enviados para o campo de batalha, coube a Henri cuidar de cerca de 3 hectares da propriedade de seu pai, Eugène, em Vosne-Romanée. “Nosso pai se envolveu com a viticultura durante a II Guerra. Além dos conhecimentos teóricos adquiridos durante o Diplôme National d’Œenologue, ele era um observador atento da natureza e trabalhava muito com o empirismo. Ele experimentou enormemente e foi assim que, ao longo dos anos, conseguiu aumentar a qualidade dos seus vinhos, vindima após vindima”, contaram as filhas em entrevista para o site da casa de leilões Baghera – responsável pela venda de suas garrafas em 2018. A primeira safra de Jayer foi em 1945, no fim da guerra.
Em 1945, Henri assinou um contrato de 10 anos com a família Noirot-Camuzet, dona de vários vinhedos famosos em Vosne-Romanée. Ele geria as vinhas e fazia os vinhos em troca de metade das uvas. Com o tempo, comprou pequenas porções de um vinhedo – completamente abandonado e destruído – que mais tarde se tornaria um grande ícone. Após a guerra, o Premier Cru Cros Parantoux, de 1,01 hectares, na fronteira com o Grand Cru Richebourg e o Premier Cru Petits Monts, estava devastado. Henri começou um trabalho lento de restauração, que incluiu dinamitar pedaços de rocha no solo.
Mapa mostra o vinhedo Cros Parantoux
Ele se tornou o maior proprietário do vinhedo somente depois que a família Noirot-Camuzet lhe vendeu 0,72 hectares em 1957. Durante muito tempo, ele vendeu esses vinhos como Village. Somente em 1978 enfim comercializou Cros Parantoux com seu próprio rótulo. Foi esse vinho – cujas safras alcançavam pouco mais de 3 mil garrafas – que o tornou famoso mundialmente. “Ele era particularmente orgulhoso desta parcela de vinhas e do seu vinho. Foram tantos anos a criar este vinhedo, a cultivar as vinhas e depois a vinificar estas uvas, ano após ano…”, lembraram as filhas.
Mas seu “monopólio” Cros Parantoux não foi a única estrela de seu diminuto catálogo. Henri Jayer tinha parcelas no Grand Cru de Echézeaux e também em Richebourg, em um lote conhecido como Les Verroilles. Entre seus celebrados Premier Crus estão Les Brûles e Beaumonts, em Vosne-Romanée, e Les Meugers, em Nuits-Saint-Georges. Mas a qualidade excepcional de seus vinhos já é sentida desde seus Villages de Vosne-Romanée.
“Nosso pai era um perfeccionista e não tolerava ‘aproximações’. As pessoas que colhiam as uvas no domaine lembram-se dele por isso: cada um dos cestos de colheita era escrupulosamente inspecionado pelo nosso pai na vinha, antes mesmo de as uvas serem levadas para a mesa de seleção. Nenhuma baga imperfeita (seca ou podre) tinha o direito de entrar na adega!”, recordam as filhas.
Henri Jayer foi uma lenda capaz de criar grandes vinhos independentemente da classificação do vinhedo
Diz-se que Henri foi um dos primeiros a rejeitar fertilizantes e reduzir a produtividade dos seus vinhedos. Ele nunca recorreu a produtos químicos, apenas ao seu cavalo. Ele desengaçava totalmente as uvas e mantinha quatro ou cinco dias de maceração a frio a 15°C antes da fermentação. Ele usava apenas leveduras naturais e se absteve de filtrar.
Segundo o próprio Jayer, a safra de 1978, a primeira de seu Cros Parantoux, foi “uma das mais bonitas que vinifiquei. Sem dúvida, uma das melhores do século”. A sua última safra foi em 2001. Desde 1995, contudo, ele havia entregado o negócio a um sobrinho, Emmanuel Rouget – um ex-mecânico de automóveis que foi levado para a vinicultura e treinado por seu tio. Ele agora gere os vinhedos de Lucien e Georges, bem como dos de Henri.
Desde que Henri começou a se afastar da produção, a busca por seus vinhos tornou-se ainda mais intensa. Quando faleceu em 20 de setembro de 2006, cada garrafa se transformou em uma relíquia. No dia 17 de junho de 2018, no leilão promovido pelas filhas, o Domaine Henri Jayer teoricamente virou sua última página. “Foram 50 anos de trabalho meticuloso e apaixonado durante os quais os nossos pais – Marcelle e Henri – deram incansavelmente o melhor de si no vinhedo e na adega”, afirmaram as filhas após colocarem à venda os últimos exemplares das “obras-primas” feitas pelo pai durante 56 safras ao todo. Henri Jayer, no entanto, será um nome eternizado, perdurando muito depois de a última garrafa de um vinho seu ser aberta.
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