O vinho doce-fortificado é um clássico de Portugal, apreciado por reis desde o século 14 – incluindo os da França e Inglaterra
Arnaldo Grizzo Publicado em 09/01/2022, às 12h00 - Atualizado em 16/07/2024, às 14h00
Em obras do início do século passado, o crítico francês Léon Douarche chegou a escrever que o Moscatel de Setúbal era “o sol em garrafa”. A região da Península de Setúbal, no sul de Portugal, que cobre toda a parte do estuário do Tejo, é uma das mais tradicionais do vinho português, com história vinícola que remonta às primeiras vinhas plantadas na península ibérica e, apesar de não estar restrita aos Moscatéis, deve muito de sua fama a eles.
Não se sabe exatamente quando as primeiras uvas Moscatel foram cultivadas na região, mas acredita-se que já era um vinho celebrado no século XIV, quando Ricardo II, da Inglaterra, o prestigiava, assim como o rei Luís XIV, da França. O Moscatel de Setúbal esteve também nas navegações, tornando-se um clássico entre os tradicionais vinhos que embarcavam com destino às Índias e depois retornavam, os famosos “Retur des Andes”.
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No entanto, a região – que possui cerca de 9,5 mil hectares de vinhas – não se restringe ao Moscatel de Setúbal, denominação de origem reconhecida em 1907, a segunda mais antiga de Portugal, atrás somente do Vinho do Porto. Ela se estende por serras (abarcando a floresta de Arrábida) e planícies, além de compreender as bacias dos rios Tejo e Sado, com influência oceânica pela proximidade do Atlântico.
O clima, obviamente, é quente e seco no verão e um pouco mais ameno no inverno. Os solos tendem a ter composição mais arenosa nas planícies. Tudo isso influencia decisivamente no estilo dos vinhos locais, que se encerram em duas denominações de origem complementares, além de uma indicação geográfica.
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A denominação Palmela cobre a mesma área que a DO Setúbal, mas exclui a produção de Moscatel de Setúbal. Ela abrange as áreas de Setúbal, Palmela, Montijo e Castelo, esta última no concelho de Sesimbra. Aqui podem ser produzidos tintos, brancos, rosados, espumantes e licorosos – que não levam a denominação Moscatel de Setúbal.
Os tintos devem conter a casta Castelão, conhecida tradicionalmente por Periquita, em pelo menos 67% da sua produção. Mas podem contar ainda com Touriga Nacional, Aragonez, Syrah, Trincadeira, Cabernet-Sauvignon, Alicante Bouschet, Touriga Franca, Merlot, Alfrocheiro, Tinta Barroca, Tinta Miúda, Tannat, Tinto Cão, Petit Verdot, Pinot Noir, Bastardo, Tinta-Caiada, Baga e Moreto. Os brancos também podem conter uma diversidade de castas, mas geralmente predominam a Fernão Pires, Moscatel de Setúbal e Arinto.
A diferença para a denominação de Palmela é que aqui os vinhos são exclusivamente licorosos, exigindo-se, pelo menos, 67% da variedade Moscatel de Setúbal (ou Moscatel de Alexandria) na composição. Já os que levam ao menos 85% da casta Moscatel de Setúbal ou Moscatel Roxo (variedade que chegou a ficar reduzida a apenas 1 hectare no final do século passado) podem ser denominados Moscatel Roxo de Setúbal, tido como a “Quintessência dos Moscatéis”.
Os Moscatéis de Setúbal diferenciam-se pelo seu tempo de estágio, sendo que só podem ser lançados no mercado a partir de um ano e meio de idade, podendo ostentar na rotulagem o ano de colheita ou as indicações de idade como “5 anos”, “10 anos”, “20 anos” etc. Há ainda quatro classificações.
As uvas para estes vinhos doces fortificados, seja tinto ou branco, são fermentadas com as suas cascas e, em seguida, adiciona-se aguardente vínica que interrompe a fermentação. As peles são deixadas para macerar durante mais alguns meses, intensificando sabores e aromas.
Em seguida, o vinho é drenado para ser envelhecido durante um período mínimo de 18 meses em carvalho. Nesta fase, o Moscatel de Setúbal é amarelo, docemente floral e cítrico. Apenas pequenas quantidades são envelhecidas para tornarem-se, depois de 10, 20, 30 anos, um verdadeiro néctar.
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