A região de Terlan, no Alto Adige, produz alguns dos vinhos brancos mais minerais e longevos do mundo
Alexandra Corvo Publicado em 11/02/2019, às 13h00
Enquanto o ônibus serpenteia na estreita estrada que sobe em direção a Terlan, é inevitável a sensação de sermos minúsculos. Conduzindo-nos em direção ao norte, paredes de até mil metros se levantam e fazem sombra sobre o apertado vale, tornando difícil de ver o sol, mesmo ao meio-dia. O tempo aqui está evidente em todas as partes. As rochas tão altas evidenciam o esmagamento ocorrido há 140 milhões de anos, quando a placa tectônica africana arrastou a europeia, fazendo subir a massa rochosa que conhecemos como Alpes. E somos esmagados também pela sensação sufocante de poder ver o resultado de milhões de anos de movimento da terra impressos em rochas bem diante dos olhos. Um movimento que não cessa: os Alpes sobem de 10 a 12 milímetros por ano.
A vista se alterna entre a rocha nua, às vezes os picos dos Andes, densas florestas e fazendas de montanha que formam ilhotas verdes numa paisagem lentamente moldada pela presença humana que gerou uma estética ambiental peculiar. Uma estética delicada porque se perde no império mineral. Teimosa porque insiste em estar ali apesar das dificuldades do presença humana que gerou uma estética ambiental peculiar. Uma estética delicada porque se perde no império mineral. Teimosa porque insiste em estar ali apesar das dificuldades do cultivo da vinha em encostas íngremes e solo rochoso. O trabalho da vinha aqui leva de duas a três vezes mais tempo do que em outras regiões: enquanto o normal é de 300 a 400 homem-hora de trabalho por ano, em Terlan, pelo menos 700 são exigidos.
Cultivo da vinha na região é complicado devido às encostas íngremes e solos rochosos
A presença humana de cultura agrária na região pode ser traçada até 5 mil anos a.C. e objetos encontrados (como recipientes de bronze e alicates de poda) em escavações evidenciam o cultivo da vinha certamente desde o quarto e quinto ano antes da era Cristã. Os romanos, assim como em toda a Europa, tiveram papel vital no desenvolvimento vitivinícola da região, que ficou abandonada com a queda do império e só voltou a ser habitada por volta do ano 1.000. A região prosperou com a viticultura na Idade Média e com minas de prata e bronze.
A Cantina Terlan, principal atuante na região, foi fundada em 1893, numa época em que alguns poucos donos de extensos pedaços de terra dominavam a vital e delicada economia agrícola. Para se libertarem do domínio, alguns viticultores criaram a vinícola. Desde o começo, ela trabalhou como cooperativa, e os vários fornecedores-colaboradores sempre se empenharam em melhorar o cultivo com constante pesquisa, ajudados pelo instituto agrícola de San Michele e por outros produtores da região. Hoje a cantina conta com 235 membros que cultivam 240 hectares de vinhas.
O Terlaner é um corte típico da região, usado há mais de 100 anos pelos viticultores, com Pinot Bianco, Chardonnay e Sauvignon Blanc
Os solos da região – que se estendem aos pés das ruí-nas de Neuhaus, um castelo construído no século XII – são basicamente quartzos porfíricos de Bolzano. Este termo refere-se uma sucessão de lavas alcalinas e produtos de erupções vulcânicas com camadas intermediárias sedimentárias. A rocha vermelha porfírica tem origem no fogo das profundidades da Terra, lançada para a superfície em erupções vulcânicas. Ou seja, os solos, de extraordinária porcentagem mineral, são compostos de altas concentrações de minerais como os quartzos e feldspatos numa matriz de grãos finos e vítreos. Essas peculiaridades da presença mineral são exploradas ao máximo pelos produtores de Terlan, que fazem questão de expressar essa mineralidade em seus vinhos.
Os solos da região são basicamente quartzos porfíricos de Bolzano
A descrição dos solos não é uma simples formalidade para ilustrar aspectos da região. Tudo em Terlan está baseado na mineralidade. O discurso dos viticultores, a arquitetura, o orgulho das características minerais dos vinhos com seus aromas de pedras quentes, pedras úmidas, terra, giz, cal. Qualquer livro sobre a região trará muito mais imagens de pedras, solos, rochas do que qualquer outro aspecto viticultural local. E não é apenas nos aromas que a mineralidade fica evidenciada: a acidez altíssima confere aos vinhos, nos melhores casos, uma longevidade inigualável (em visita à vinícola Terlan, pudemos degustar vinhos com mais de 50 anos em pleno auge). Para tirar o melhor do solo, a seleção de uvas é essencial. Cada região, com características diferentes de porcentagem mineral, tem variedades diferentes plantadas. Todos os vinhedos têm exposições sul, sudeste, em posições e altitudes variadas. Determinante para o clima, tão alto, quase alpino, são as montanhas que formam um ensolarado terraço voltado para o sul, protegendo essa região do rigor dos ventos frios do norte.
Terlan produz basicamente vinhos brancos. Os Pinot Bianco são aromáticos, cheios de frutas, como pêssego branco e notas de mel. Quanto mais antigos os vinhos, mais a mineralidade sai à tona. Ao degustar um vinho de 1959, ele tinha aromas de pé de moleque, casca de queijo e notas de pedras quentes. Na boca, é cremoso, com notas de mel com própolis, castanhas caramelizadas, grande estrutura de volume, acidez e sabor. Ficou horas evoluindo para notas mais minerais, meladas e tostadas.
Os Chardonnays não se parecem quase em nada ao que estamos normalmente acostumados. Chegam a ter incomuns notas florais na juventude, além das frutas. Assim como as outras variedades plantadas, também deixa evidente a mineralidade ao longo dos anos, mantendo sempre a acidez tensa, que vai se fundindo com a cremosidade conforme os anos passam. Nos mais jovens, percebese bem a tipicidade da uva quando em solos muito minerais: grama cortada, aspargo, cal, pedra de isqueiro e uma acidez inigualável. Os mais antigos já deixam evidentes o lado mais típico, cremoso, da Chardonnay. De novo, os anos vão mostrando que os lados mais pontiagudos desses vinhos minerais vão se arredondando.
Tudo em Terlan está baseado na mineralidade. E não é apenas nos aromas que a ela fica evidenciada: a acidez altíssima confere aos vinhos uma grande longevidade
O Terlaner é um corte típico da região, usado há mais de 100 anos pelos viticultores locais, com uma base em média de 60% de Pinot Bianco, 30% de Chardonnay e o resto de Sauvignon Blanc. Os vinhos da vinícola Terlan, por exemplo, descansam em tanques de 500 litros sobre as leveduras mais finas por pelo menos 12 meses.