A colheita decide o trabalho de muitos meses em torno da vinha. Se for bem conduzida, e as condições climáticas ajudarem, o melhor vinho que a natureza pode criar estará ao alcance do viticultor
João Afonso Publicado em 31/05/2019, às 15h00
É tempo de vindima, ou colheita das uvas. É tempo de festa e alegria por todo o mundo, repetidamente ao longo de quase todos os meses do ano (dependendo do vinho e da região produtora). Em Portugal, a época das vindimas estende-se de agosto, nas regiões mais ao sul, até início de novembro, nas regiões mais ao norte, e nas montanhosas. É um período de cerca de três meses que vai da metade do verão até meados do outono.
A colheita, pelo menos em teoria, deve ocorrer quando a maturação da fruta atinge os parâmetros dos açúcares e ácidos necessários para determinado vinho. Numa vinha moderna de uma empresa rigorosa, as diferentes castas, são acompanhadas por análises periódicas dos frutos. A periodicidade encurta na medida em que a maturação se aproxima. Este controle é fundamental para o êxito final da safra. Em parcelas homogêneas (solo, exposição e castas) recolhe-se um número pré-determinado de bagos de uva, encaminhados para o laboratório, ou para adega, no intuito de serem pesados e esmagados. Após isso, os níveis de acúcares e ácidos do sumo são analisados. Estes bagos devem ser colhidos às cegas - para evitar que se colham os mais maduros -, e escolhidos por apalpação em diferentes zonas do cacho. À medida que a maturação avança ocorre uma perda gradual dos ácidos (málico e tartárico) e uma concentração dos açúcares. Em termos gráficos, cada curva, descendente e ascendente, corresponde a um momento ideal de colheita, variando de acordo com o tipo de vinho desejado.
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A colheita é a época de maior preocupação para viticultores e enólogos de todas as regiões do mundo. No Alentejo, e em grande parte do Vale do Douro, as altas temperaturas do verão e a presença de grande número de noites tropicais fazem com que as videiras percam, durante a respiração, parte significativa dos seus ácidos e ganhem valores de açúcar, por vezes, acima do desejado. Na parte final da maturação, este fenômeno pode ser repentino. Algumas vezes, nem o controle rigoroso das uvas prevê, com segurança, esta mudança. No entanto, o fenômeno faz do Douro uma região apta à produção de vinhos generosos. Além disso, torna o teor de ácidos, nas regiões quentes, o parâmetro de equilíbrio mais importante, uma vez que o nível de açúcares é sempre atingido. A acidificação é uma das operações enológicas mais usuais na reposição do equilíbrio do mosto. Por outro lado, nas zonas litorais e montanhosas do centro e norte do país, a presença de neblinas matinais, o tempo úmido, a queda de chuva e, em alguns casos, as geadas precoces impõem outra preocupação: a necessidade de precipitar a colheita antes da maturação efetiva das uvas ter sido atingida. A concentração dos açúcares passa a ser o principal objetivo do viticultor enquanto a acidez é secundária. O enriquecimento do mosto com mosto concentrado é, nestes casos, a operação mais comum.
Mas não é só o índice de maturação das uvas que determina o êxito da vindima. O processo é mais complicado, pois há diversas outras variáveis envolvidas, como a quantidade de produção, condições climáticas, maior ou menor extensão da propriedade, colheita mecânica ou manual, neste último caso, quantidade e qualidade de trabalhadores, estilo de vinho desejado, etc.
A situação ideal seria uma vinha de tamanho compatível com a força de trabalho existente, com castas de diferentes períodos de maturação, plantadas por parcelas homogêneas, prontas para a colheita com tempo ameno e seco. A situação indesejável seria uma vinha com dimensão que exceda a capacidade da força de trabalho disponível, muito heterogênea em termos de solo, com castas misturadas, possibilitando pouco controle de maturação, e tempo chuvoso na época da vindima. Mas a situação é tão complexa que ambos os exemplos podem produzir tanto bons quanto maus vinhos. A qualidade da vinha, a maturação atingida no momento em que o cacho de uvas é cortado, a qualidade das castas e o tempo climático de colheita são os fatores que determinam, em última instância, o nível de êxito.
As uvas são colhidas manual ou mecanicamente. A crescente falta de mão-de-obra levou, em 1960, a criação de colheitadeiras mecânicas. Atualmente, sua maior vantagem é econômica. Dependendo do terreno e da condução da vinha, pode-se utilizar até 10 homens dia/hectare em uma vindima, ao passo que a colheita mecânica faz o trabalho de 5 homens hora/hectare. Do ponto de vista qualitativo a colheita mecânica depende de vários fatores como a qualidade da máquina e do operador, a distância da vinha à adega, o grau de proteção das uvas colhidas, etc Normalmente, a colheita mecânica é aplicada às uvas tintas e, segundo os defensores do método, não há qualquer desvantagem qualitativa. No entanto, os resultados práticos mostram que estão enganados. A colheita manual oferece maior qualidade, pois possibilita a seleção manual de videiras, cachos, ou mesmo bagos, como no caso dos vinhos doces botritizados. A desvantagem é que o método manual é mais lento e imprevisível e tem sua rentabilidade atrelada a fatores como número de cachos por galho, número de golhos por videira, altura dos cachos, compasso da vinha, inclinação do terreno e competência dos vindimadores. Se os frutos estiverem em uma altura confortável e a produção for grande, um vindimador competente pode colher até 2 toneladas/dia. Nas vinhas portuguesas, e com uma produção razoável, um bom trabalhador colhe cerca da metade.
Os vinhos feitos com uvas atacadas pela podridão nobre (Botrytis cinerea), ou uvas geladas (eiswein), exigem as vindimas mais difíceis e caras de todo o planeta. No primeiro caso, o fungo ataca gradualmente a colheita, e, portanto, a vindima deve ser realizada em várias passagens para apanhar apenas as uvas, ou parte delas, atingidas pelo fungo. No Chateau d'Yquem, o exemplo mais conhecido neste estilo de vinho, é comum haver três vindimas numa colheita, mas em anos anormais as passagens podem passam de cinco. No caso do eiswein (vinho de gelo), um tipo de vinho alemão relativamente recente, as uvas são deixadas na vinha até novembro, ou mesmo no início do ano seguinte (normalmente parte da colheita não atacada pela podridão). Como as temperaturas mínimas necessárias rondam os 8º C negativos, a colheita pode ser realizada durante a noite. Uma vez na adega, as uvas são prensadas imediatamente. Os cristais de gelo permanecem na prensa e o mosto doce, com uma temperatura de congelamento mais baixa, corre para dentro da cuba de fermentação.