Conheça a fermentação malolática, trunfo dos enólogos que muda o rumo dos vinhos

Redação Publicado em 16/04/2020, às 09h29 - Atualizado em 15/08/2020, às 15h33

 

 O ácido málico é  pungente, trazendo por vezes uma sensação azeda, e ocorre naturalmente nas uvas. Já o ácido málico é mais suave e 'arredonda' o vinho, deixando certa sensação amanteigada na boca

O mosto só se torna vinho com a fermentação alcoólica, quando as leveduras transformam açúcar em álcool. Aqui está a essência do vinho. No entanto, na vitivinicultura, é muito comum ouvirmos falar de um outro tipo de fermentação, a malolática, que, para alguns, pode parecer tão essencial quanto a alcoólica – também conhecida como primária.

Mas o que seria e para que serve a fermentação malolática? Resumindo, ela é a transformação do ácido málico em ácido lático. O ácido málico tende a ser bastante pungente, trazendo por vezes aquela sensação de algo azedo, e ocorre naturalmente nas uvas. Sua presença e quantidade podem ser mais ou menos desejável em um vinho dependendo do que o enólogo pretende. Já o ácido málico é muito mais suave, deixando aquela sensação amanteigada na boca. Para transformar o málico em lático, é usada a bactéria Oenococcus oeni, além de outras da família dos lactobacilos. O resultado fi­nal é uma redução da acidez geral do vinho em torno de 0,1 a 0,3%. 

LEIA MAIS:

» Saiba como o vinho é produzido

» O álcool e a acidez dos vinhos

 

Isso faz com que o vinho se torne menos áspero ao paladar, ganhando cremosidade, toques aveludados e oleosos. Muitos vinhos passam por esse processo e nem nos damos conta, pois é algo, de certa forma, natural. Sim, muitas vezes, a malolática ocorre de forma espontânea nos vinhos, em outras, porém, ela é induzida. Boa parte dos tintos fazem malolática, assim como alguns brancos em que o enólogo pretende ganhar corpo e textura, abrindo mão de um pouco do frescor das frutas.

Mudança Recente

Ou seja, a fermentação malolática é uma grande ferramenta enológica, contudo, ela só foi completamente entendida há pouco tempo. Até meados da década de 1950, por exemplo, muitos produtores se deparavam com vinhos que não faziam a tão esperada e desejada fermentação malolática e não conseguiam entender o porquê disso. Na época, havia uma crescente preocupação sobre a importância da malolática nos tintos de alta gama. Mas os enólogos ainda não entendiam o processo. Sabiam apenas que ele poderia começar espontaneamente ou não, que poderia ser simples e rápido, ou durar muito tempo, ser interrompido e voltar posteriormente.

A primeira menção à fermentação malolática é de 1837, do químico alemão Freiherr von Babo. Ele descreveu uma segunda fermentação ocorrida em alguns vinhos durante a primavera, quando as temperaturas começaram a subir, resultando em liberação de CO2 e coloração turva no vinho. Quando em 1866 Louis Pasteur isolou as bactérias do vinho pela primeira vez, ele considerou todas como organismos degradantes. Um dos primeiros a propor que a redução da acidez de um vinho poderia ser por atividade bacteriana foi Hermann Müller-Thurgau (que deu nome à casta Müller-Thurgau), em 1891. Até então, acreditava-se que o processo fosse devido à precipitação do ácido tartárico. No começo do século XX, Thurgau e um colega suíço chamado Osterwalder explicaram a degradação bacteriana do ácido málico em ácido lático e CO2 de acordo com uma fórmula e chamaram esse fenômeno de “desacidi­ficação biológica” ou “fermentação malolática”.

Mas um dos primeiros a escrever sobre a importância do ácido málico nos vinhos foi o célebre Émile Peynaud, em 1939. Na época, ele ressaltou que a ausência de malolática era um fator limitante na qualidade dos vinhos: “Não só a composição ácida do vinho mudou completamente, mas a malolática tem um impacto no aroma desses vinhos e até diminui a intensidade da cor e muda seus tons. Não é exagerado dizer que sem fermentação malolática, di­ficilmente haveria ótimos tintos de Bordeaux”.

 

A fermentação malolática é a transformação do ácido málico em ácido lático. O ácido málico tende a ser bastante pungente, trazendo por vezes aquela sensação de algo azedo, e ocorre naturalmente nas uvas

 

Para imitar a Borgonha

Mas foi somente durante a década de 1950 que os pesquisadores se debruçaram verdadeiramente sobre o tema para tentar controlar de­ definitivamente a fermentação malolática. Um dos precursores foi Brad Webb, enólogo norte-americano, que, juntamente com John Ingraham, pesquisador da UC Davis, conseguiu induzir a malolática em seus vinhos em 1959.

Três anos antes, ele começou a trabalhar na vinícola Hanzell, fundada por James D. Zellerbach, embaixador dos Estados Unidos na Itália, que queria produzir Pinot Noir e Chardonnay de estilo borgonhês na Califórnia. No entanto, Webb logo percebeu que seu Pinot não estava passando por fermentação malolática, deixando os vinhos mais ácidos do que ele gostaria. Diante do problema, ele tentou de tudo. Inoculou bactérias, introduziu vinho que já estava passando por malolática junto aos seus, mas nada deu resultado.

Com ajuda de Ingraham, que estudou as bactérias de ácido lático no suco de tomate, eles isolaram uma, que chamaram de ML34, e inocularam no vinho de Hanzell, conseguindo que a malolática fosse induzida, tornando-se um dos primeiros na história a conseguir tal feito. Mas vale lembrar que outros estavam aprimorando o processo na mesma época, como o próprio Émile Peynaud. Foi nessa época, enfim, que a malolática passou a verdadeiramente contribuir com os enólogos.

» Receba as notícias da ADEGA diretamente no Telegram clicando aqui