Dicas de harmonização para 10 especiarias tradicionais da culinária brasileira
Maria Bolonhese Publicado em 10/08/2022, às 07h40 - Atualizado às 11h00
Uma proposta ousada. Sugerir harmonizações levando em conta alguns dos mais tradicionais temperos usados na culinária brasileira. Um desafio saboroso, ainda que heterodoxo, e um tanto fora dos padrões acadêmicos.
O Brasil possui uma gastronomia multicultural. Com frescor e ousadia, sua cozinha une, sem medo, aspectos clássicos e refinados de ascendência europeia, tesouros mediterrâneos, pitadas asiáticas e vigorosos sabores africanos, além de mergulhar nos costumes dos vizinhos da América do Sul, flertar com a América Central e fortalecer cada vez mais o diálogo com a América do Norte. O resultado é uma mesa tão miscigenada quanto sua população.
As especiarias têm um papel decisivo nessa identidade gastronômica do Brasil. Elas exalam aromas, exaltam sabores e permitem grandiosas harmonizações. Com auxílio do chef Carlos Ribeiro, professor e proprietário do restaurante e escola Na Cozinha, em São Paulo, elencamos alguns dos mais representativos temperos utilizados no país, nativos ou por influência internacional, celebrados em cozinhas repletas de memórias afetivas de cada família assim como em badalados restaurantes das grandes capitais.
Definidos 10 condimentos, chega o momento de ouvir quem lida diariamente com esse tipo de demanda, o sommelier. Marcelu DuVin, do restaurante Nino Cucina, aceitou o desafio de sugerir harmonizações para cada um dos ingredientes. Segundo ele, a mágica por trás das harmonizações com ervas e especiarias começa na distinção dos compostos aromáticos encontrados tanto nos ingredientes como nos vinhos – muitas vezes, compartilhados. Um exemplo clássico é o equilíbrio entre a pimenta do reino e o Syrah. Os dois possuem um composto picante e levemente floral, chamado rotundona. Por isso, ao serem combinados, os sabores de ambos se ampliam. Seria uma harmonização por concordância ou similaridade.
Evidentemente, na prática, ninguém consome especiarias de forma isolada. “Portanto, para uma harmonização consistente, é preciso considerar os principais elementos do prato onde os temperos configuram complementarmente”, alerta José Luiz Borges, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). “Ou seja, os temperos têm a função de enaltecer a composição”.
Ressalvas feitas, vamos às harmonizações. Distinguir minuciosamente particularidades nos vinhos simplifica o processo de combinar a bebida com alimentos. Porém, não é preciso um aprofundamento mais científico para encontrar resultados interessantes e surpreendentes. Nesta lista, como enfatiza o sommelier Marcelu DuVin, a ideia é fornecer elementos gerais que podem servir como ponto de partida para sua próxima harmonização.
Com notas amadeiradas é uma erva de sabor marcante. Como o louro, seu sabor é intensificado no cozimento e acompanha todos os tipos de carnes. É frequente também seu uso na aromatização de azeites e vinagres.
Harmonização: A Chardonnay, dependendo do seu tipo de vinificação, pode resultar em um vinho muito untuoso em boca, ideal para acompanhar pratos que contenham molho branco e manteiga, preparos mais extensos e gordurosos, como aqueles em que normalmente o alecrim está presente. Um Chardonnay de Casablanca no Chile, com leve passagem em madeira, é o ideal para peixes mais densos temperados com alecrim.
Presença garantida desde as cozinhas das avós à mais refinada gastronomia. Com aroma forte e sabor acre, tem a versatilidade de ser usado cru, refogado, assado, frito e em diversos formatos. Apesar de ser coadjuvante nas receitas na maioria das vezes, em algumas é destaque em carnes e molhos.
Harmonização: A Pinot Gris é uma das cinco uvas nobres da região da Alsácia, conhecida também como Pinot Grigio na Itália. Com ela, produz-se um vinho seco com pitadas de mel e especiarias, pouco floral, com leve pêssego branco e damasco, ainda com acidez incrível que deixa a boca salivando, sempre pedindo mais. É a harmonização perfeita para equilibrar a força do alho em preparos em que ele é a estrela.
Comercializada em pau, lascas ou em pó, é uma especiaria extraída de uma árvore típica do sul da Índia. Com sabor picante e terroso, acrescenta um aroma marcante a compotas, bolos, tortas e também assados de porco.
Harmonização: A Gewürztraminer é sempre muita delicada, rica em açúcar e baixa acidez, tem notas que lembram lichia, frutas tropicas e rosas, e acompanha perfeitamente as cozinhas asiática, chinesa e indiana, que tradicionalmente utilizam com constância a canela. O que pouca gente sabe é que, quando a Gewürztraminer é botrytizada, consegue harmonizar muito bem sobremesas com frutas, como uma torta crocante de maçã com canela e uvas passas brancas.
Talvez o mais popular tempero no Brasil, é a união da salsa com a cebolinha. Podem ser usadas frescas ou desidratadas. É utilizado em carnes, massas, leguminosas e para a finalização de molhos e sopas.
Harmonização: Devido ao seu sabor herbáceo e alto frescor em boca, resultante de sua elevada acidez, o Sauvignon Blanc casa perfeitamente com pratos que contenham em sua preparação ervas verdes e frescas como cebolinha e salsinha. No Brasil, por exemplo, é perfeito para acompanhar um clássico popular: salpicão de frango com ervas frescas.
Presente em quase todas as regiões brasileiras, com destaque para o Nordeste e o Sudeste, é uma especiaria da categoria “ame ou odeie”, por seu sabor forte e cítrico, e aroma intenso. É possível utilizar as folhas frescas ou o grão, sempre ao final do preparo, uma vez que o calor interfere por completo no seu sabor. Pode ser usado no preparo de sopas, aves e cozidos. Contudo, no Brasil, é ingrediente constante em pratos de peixes assados e moquecas.
Harmonização: A sugestão é o Viognier, que possui notas complexas de frutas de caroço, hortelã e erva doce, combinadas com notas florais, e que fazem deste vinho uma opção muito elegante para as carnes brancas temperadas com coentro.
Semente originária do Oriente Médio e da África, foi incorporada com facilidade aos hábitos culinários brasileiros. Mais comum em sua versão em pó, possui um sabor levemente picante. É comumente utilizado em leguminosas, como feijão e lentilha, em carnes vermelhas, molhos e legumes.
Harmonização: Um bom Malbec argentino com sua cor granada profunda e intensamente aromatizado com frutas, acabamento aveludado quente e taninos marcantes. É uma harmonização muito agradável para a picância do cominho.
Ao unir um sabor doce, quente e uma suava picância, ganhou espaço em doces típicos do Brasil, como o arroz-doce, também em pães, bolos de carne e assados de porco.
Harmonização: A Sangiovese é de origem italiana, e é para o Chianti o que as uvas Nebbiolo são para Piemonte. Muito cultivada em climas quentes, secos, ela produz vinhos frutados com acidez média para alta e corpo médio com notas de frutas vermelhas, anis e pimenta, é leve o suficiente para não sobrepor-se ao sabor do cravo. Ideal para acompanhar uma ave ao forno temperada com cravos.
Normalmente utilizada seca, a folha libera um óleo de textura leve e aroma delicado. É ideal para cozimentos longos, como o tradicional feijão brasileiro, carnes assadas, ensopados e também marinadas e legumes cozidos.
Harmonização: Quando o sabor do louro prevalece no cozimento, um ótimo acompanhamento é o Zinfandel, ou Primitivo, como a uva é conhecida na Itália. É um vinho bastante encorpado, com alto teor alcoólico, possui notas de pimenta do reino, morango, couro e cereja, que equilibram e agregam no suave aroma do louro. Esta é uma harmonização muito saborosa para um dos pratos mais comuns da cozinha tradicional brasileira, a carne de panela.
Frescor e vitalidade traduzem o aroma e sabor dessas folhas, também de berço indiano, e muito utilizada na culinária italiana. Podem ser manipuladas frescas ou secas em molhos, massas, pratos com queijos, e as mais variadas carnes.
Harmonização: Quando acompanhando carnes vermelhas, uma boa harmonização pode ser o Merlot, com notas abertas, suaves, frutas vermelhas e ervas, equilibrado pela sua acidez. O Merlot tem presença suficiente para acompanhar pratos aromáticos, bem estruturados como os preparados com manjericão.
Inteira ou em pó, é uma das especiarias mais utilizadas do mundo. Em três versões (a verde, ainda fresca, é bem suave; a preta, já madura e com forte sabor; e a branca, no mesmo estágio da preta, porém sem casca), são quase obrigatórias na finalização de pratos com aves, carnes vermelhas, cremes salgados, massas, molhos e refogados.
Harmonização: Pratos quentes com toques levemente picantes proporcionados pela pimenta do reino pedem um corte de Merlot, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon. Um blend deste tipo resulta em um vinho expressivo em nariz, extremamente frutado com notas de frutas vermelhas maduras e muita especiaria, e que parece ter sido feito especialmente para brilhar com pitadas de pimenta do reino.