Rendimentos mais baixos sempre significam vinhos melhores?

Muitos acreditam que videiras com rendimentos mais baixos é sinônimo de vinhos melhores, mas isso não é exatamente uma verdade

Arnaldo Grizzo Publicado em 06/06/2024, às 14h00

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A média de produção de Romanée-Conti é de cerca de 25 hectolitros por hectare. Ou cerca, são necessárias frutas de aproximadamente três plantas para fazer uma garrafa desse vinho mítico. Em uma região em que a maioria das regras pede que os vinhedos tenham rendimento de no máximo 35 hectolitros por hectare, Romanée trabalha com cerca de 10 a menos. Mas seria esse o segredo do seu sucesso? Quanto menor o rendimento, melhor o vinho? 

Antes de responder a essa questão, é preciso entender as implicações de um rendimento menor. O princípio fundamental de um rendimento menor reside na premissa de que, com um número menor frutos em uma videira, a taxa de acumulação de açúcar nos frutos remanescentes aumenta. Quanto mais menos cachos, mais açúcar será direcionado eles.

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Pode-se apontar ainda um incrementou na cor e também em compostos fenólicos. Ou seja, não haveria dúvida de que “menos é mais” nesse caso, comprovando a tese universalmente aceita de que os melhores vinhos surgem de vinhas cultivadas em terrenos pouco férteis. 

No entanto, talvez seja preciso olhar um pouco além. Em 2018, uma pesquisa publicada no American Society for Horticultural Science tentou encontrar as relações que levam a isso e também tentar provar se a relação entre rendimento e qualidade do vinho existe mesmo.

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Para isso, fizeram um experimento que envolveu vários produtores de Oregon ao longo de um período de 10 anos. Os produtores realizaram diversos níveis de desbaste de cachos em videiras de Pinot Noir, e então as frutas e o vinho resultantes foram comparados de forma independente para verificar se videiras com menor rendimento (maior desbaste) produziam frutas melhores e, consequentemente, um vinho melhor. 

O que aconteceu? Os resultados do experimento revelaram que não houve diferenças significativas na qualidade do vinho com base no nível de rendimento. A pesquisa também mostrou que aumentar os rendimentos poderia ter implicações econômicas positivas para os produtores. “Os enólogos não conseguiram distinguir entre vinhos de diferentes rendimentos em nenhum ano, sugerindo que a gestão do rendimento não garante vinhos que possam ser percebidos como tendo maior qualidade sensorial, apesar da forte adesão da indústria a este paradigma”, escreveram os autores.

Verdade universal?

O poeta Virgílio dizia: Bacchus amat colles, ou seja, Baco, o deus do vinho, ama as colinas. Vale lembrar que as colinas aqui remetem a terrenos menos férteis, em contraposição aos vales, onde regiões onde geralmente há maior acúmulo de nutrientes no solo. Solos menos férteis significa menos rendimento. Mas o que seria um baixo rendimento?

Pode haver muitas razões para ter menos uvas para colher e produzir vinho. Algumas são “naturais”, ou seja, geada, granizo ou a própria natureza dos cachos. Às vezes, porém, o baixo rendimento é intencional, causado pelas ações do enólogo. Por exemplo, um processo conhecido como “poda verde”, ou seja, a remoção deliberada de cachos de uvas “extras” da videira, diminuindo o rendimento e ajudando a estimular o amadurecimento das uvas restantes.

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Na região da Borgonha, por exemplo, cada denominação estabelece diferentes limites de “rendimento máximo”, os quais podem ser ajustados em até 20% conforme as condições climáticas exigirem. Os rendimentos básicos para vinhos tintos Gand Cru variam de 35 a 37 hectolitros (hl) por hectare; para vinhos brancos Grand Cru, variam de 40 a 64 hl/ha; para vinhos tintos Premier Cru, variam de 40 a 45 hl/ha; para vinhos brancos Premier Cru, variam de 45 a 68 hl/ha; para vinhos tintos de denominação Village, variam de 40 a 45 hl/ha; e para vinhos brancos de denominação Village, variam de 45 a 47 hl/ha.

A ideia então de que menos frutas resultariam em vinhos mais saborosos e concentrados parece intuitiva, e o desbaste de frutas para reduzir o rendimento tornou-se uma prática agrícola comum em todo o mundo. Programas de enologia ensinaram aos alunos que essa era a abordagem ideal para produzir bons vinhos.

“Existe uma verdade parcial nisso, especialmente em lugares como Borgonha e Priorat, onde os solos são pobres e o pH é muito alto ou baixo. Nessas circunstâncias, métodos de cultivo de baixo rendimento são justificados, mas eles se tornaram uma espécie de culto que foi aplicado a terroirs completamente diferentes em todo o mundo”, observa Keith Wallace, enólogo e sommelier da Wine School of Philadelphia. 

“Quando eu estava na Universidade da Califórnia em Davis, no final dos anos 90, todos os professores defendiam a ideia do baixo rendimento, mas essa noção já não é mais tão predominante. No Napa, o solo é fértil e é necessária uma maior quantidade de uvas por hectare para atingir a maturidade total. No início dos anos 2000, houve um movimento significativo entre os produtores e proprietários de vinícolas para reavaliar essa abordagem”, diz Wallace.

A poda verde

Em um artigo sobre a relação entre rendimento e qualidade do vinho, o viticultor Steve Matthiasson diz que o “desbaste de frutas (“poda verde”) é uma técnica chave usada para reduzir a produtividade e é uma das práticas vitícolas mais misteriosas; além da ciência, envolve hábito, compulsão, penitência, medo… toda uma série de impulsos que têm muito pouco a ver com a agricultura normal, mas tudo a ver com o vinho, o mais irracional dos produtos agrícolas humanos.

O desbaste de frutas é extremamente emocional para agricultores e produtores de vinho, e a ciência geralmente tem muito pouco a ver com essa prática incrivelmente cara e muitas vezes um desperdício”. 

Segundo ele, em grande parte, a prática do desbaste de frutas como um padrão nos vinhedos de qualidade é um fenômeno relativamente recente, tendo se desenvolvido ao longo dos últimos 30 anos.

Embora haja exceções, essa generalização é significativa porque reflete uma parte da evolução global do estilo de vinho nas últimas décadas – mais concentrado. O desbaste de frutas inicialmente surgiu em propriedades localizadas em regiões de cultivo mais frias e gradualmente se disseminou para o restante do mundo vinícola.

A adoção dessa prática não foi instantânea, pois a ideia de cortar frutas era (e ainda é) algo difícil de ser aceito pelo agricultor comum, que tende a ser mais pragmático. Um agricultor pode remover frutas de vinhas jovens, fracas ou doentes, porém, essa é uma prática vitícola crucial para aliviar as videiras que não conseguem lidar com sua carga de frutas, não se trata apenas de uma “poda verde”, mas sim de um ajuste fino para otimizar o rendimento. 

Como já dito, ao reduzir o número de frutas em uma videira, há um aumento na concentração de açúcar nos frutos restantes. Isso ocorre porque o açúcar se acumula de forma constante ao longo do tempo, e ao diminuir a competição por nutrientes e recursos da planta, os frutos remanescentes têm maior acesso aos nutrientes e podem acumular mais açúcar.

Sendo assim, o momento em que o desbaste é realizado também é crucial. O desbaste precoce, antes do endurecimento das sementes, é especialmente eficaz, pois permite que a planta concentre sua energia e recursos nas frutas restantes desde o início do processo de amadurecimento. 

Além disso, o desbaste de frutas tem implicações no teor alcoólico e na cor do vinho. O aumento da concentração de açúcar nos frutos remanescentes pode levar a vinhos com teores alcoólicos mais elevados e cores mais intensas.

No entanto, é importante notar que o desbaste tardio pode não ter o mesmo impacto no caráter da fruta, uma vez que o processo de amadurecimento já está avançado. “Uma regra geral para o desbaste de frutas é que, para cada semana após o endurecimento das sementes, 10% mais frutas precisam ser desbastadas para obter o mesmo resultado [do feito bem cendo, antes da fase do pintor]”, aponta Matthiasson.

Ovo ou galinha?

“Alguns sugerem que a culpa [dos vinhos mais concentrados e alcoólicos] é do aquecimento global, mas você pode facilmente argumentar que isso é resultado do desbaste das frutas. O aquecimento global está, sem dúvida, envolvido, mas a minha opinião é que a adoção generalizada do desbaste de frutas é provavelmente um fator ainda maior. E os vinhedos de alta qualidade continuam a diminuir ainda mais, num esforço para se diferenciarem”, diz Matthiasson. 

“Num ano particularmente favorável, quando tudo corre perfeitamente desde a floração até à colheita, pode-se obter uma qualidade excelente mesmo acima dos 50 hl/há. O problema é que neste momento temos que escolher como ajustar o nível de colheita em julho, no entanto, é impossível saber se as condições mais tarde serão perfeitas.

Num clima quente, perseguir pequenos rendimentos pode acelerar a maturação, o que não é necessariamente favorável. Para contrabalançar os efeitos das alterações climáticas, é cada vez mais importante gerir corretamente tudo o que contribui para uma maturação lenta e uniforme: variedades de maturação tardia, porta-enxertos resistentes à seca, e sim, precisamos manter níveis adequados de rendimento.

Ornellaia normalmente busca rendimentos entre 30 e 45 hl/ha. Acima disso, você começa a ver a qualidade diminuindo, mas abaixo há apenas perda de volume, mas nenhum ganho de qualidade. A variedade mais sensível é sem dúvida a Cabernet Franc, que rapidamente perde todas as suas qualidades assim que rende demais”, explicou Axel Heinz, ex-diretor de Ornellaia, em um artigo para a Wine-Searcher. 

“Acho que a história e a solução para o aquecimento global serão muito mais complexas do que simplesmente evitar rendimentos desnecessariamente baixos. Notei uma diferença significativa na resposta dependendo do tipo de solo e do sistema de treliça da vinha, mas também dependendo da idade da vinha. Simplesmente varia muito. Dito isto, penso que perseguir rendimentos baixos não tem sido a abordagem correta, ou pelo menos tem sido uma abordagem demasiado simplificada para alcançar alta qualidade. Da mesma forma, uma elevada carga de colheita funciona como um sumidouro de água e nutrientes – numa estação quente e seca, a capacidade da videira de encontrar e transportar essa quantidade de a água é limitada. Portanto, neste aspecto, uma menor carga de colheita é mais ideal numa situação de seca. Existe uma relação inegável entre qualidade e quantidade, mas pela minha experiência esta é uma relação complicada que nega uma regra prática. Em vez disso, é uma relação que depende do local, variedade, densidade da videira e estação. Basta lembrar que a qualidade não aumenta necessariamente com a diminuição da quantidade. Por exemplo, as vinhas Sauvignon Blanc precisam de uma carga de colheita para produzir vinhos de qualidade, e um ano de baixo rendimento pode produzir vinhos com qualidade diminuída, caráter fenólico e excesso de açúcar/ álcool”, diz a enóloga Rebekah Wineburg da Quintessa.

Relações intrincadas

O único aspecto que parece haver consenso é o tema do equilíbrio da videira – especificamente a necessidade de garantir que a relação copa/fruta seja mantida durante todo o período vegetativo.

“É realmente encontrar o equilíbrio entre qualidade, sabor e rendimento, e está ficando mais complexo. Os verões aqui não terminam até o Dia de Ação de Graças, e os picos de calor no final da estação de cultivo podem desidratar as uvas muito rapidamente. Se as uvas perto da colheita perderem repentinamente 15% do seu peso, o rendimento diminuirá, mas a qualidade também. Podemos reidratar artificialmente essas uvas, mas isso pode levar a sabores diluídos”, diz Dan Petroski, enólogo da Massican Winery, que fez um experimento: 

“Pegamos uma parcela e demos a metade [deles] dois cachos de uva por broto, e outra apenas um [cacho], pensando que as uvas de um cacho produziriam cores, níveis de açúcar e sabores mais intensos. Paramos a irrigação após o pintor [início do amadurecimento das uvas]. Mas as vinhas pareciam se aclimatar ao longo e extremo calor do ano, e a parcela de menor rendimento não era tão diferente da de maior rendimento.”

A equipe do vinhedo descobriu que era melhor simplesmente colocar uma sombra em volta das uvas e descobriu que o sistema produz os resultados esperados de vinhas de baixo rendimento: maior concentração, equilíbrio e complexidade. 

“Temos metas de rendimento diferentes, dependendo do terroir. Para Garnacha em Rioja, é necessário um rendimento muito menor para vinhos de alta qualidade. Mas em Ribera del Duero, com diferentes solos, altitudes e condições climáticas, os nossos níveis de produção podem ser muito mais elevados”, aponta o enólogo Julio Saenz, de La Rioja Alta.

“[Em locais] onde os solos têm dificuldade para secar e são mais ricos em nutrientes, serão criadas uma videira e uma copa muito maiores. Este local muitas vezes produzirá vinhos melhores se você manter mais frutas por videira para ajudar a videira a colocar mais energia. Neste caso, rendimentos mais elevados podem, na verdade, significar vinhos de maior qualidade”, diz Jesse Katz, enólogo da Aperture Cellars.

Qualidade ou estilo?

Quando os produtores optam por "restringir a produção" através do desbaste de frutas, seja realizando-o precocemente ou selecionando frutas verdes durante o processo de amadurecimento, o resultado é uma alteração no estilo do vinho.

Essa mudança é considerada uma "melhoria" na qualidade se o objetivo for aumentar o teor alcoólico, intensificar a cor, promover um caráter de fruta mais maduro e menos ácido, além de obter maior concentração. No entanto, se esses não forem os atributos desejados, a restrição de rendimento pode ter um efeito negativo. 

Os produtores de vinho têm diferentes abordagens em relação ao desbaste de frutas. Enquanto alguns adotam essa prática como parte do cultivo moderno padrão, outros, como alguns produtores biodinâmicos e adeptos dos vinhos naturais, evitam o desbaste, acreditando que interfere no processo natural de maturação das uvas. Eles argumentam que a mistura de frutas maduras e menos maduras contribui para o equilíbrio e a longevidade do vinho, trazendo frescor e complexidade aromática. 

No entanto, é amplamente reconhecido que o desbaste de frutas pode resultar em vinhos mais concentrados, com cores mais intensas e teores alcoólicos mais elevados. Esse processo é especialmente significativo em regiões mais frias, onde uma produção mais baixa é essencial para garantir a maturação adequada das uvas. Por outro lado, em regiões mais quentes, é importante manter uma quantidade suficiente de frutas na videira para evitar que o teor alcoólico domine completamente o vinho. 

Embora o desbaste de frutas seja uma prática comum, há uma falta de base científica para determinar a quantidade exata de frutas a serem removidas. Isso muitas vezes leva a tensões entre viticultores e enólogos, com pressões para produzir vinhos que impressionem e reflitam a qualidade desejada.

No entanto, é importante encontrar um equilíbrio entre desbastar as frutas para otimizar a qualidade e evitar desperdícios desnecessários. Em última análise, o desbaste de frutas pode resultar em uma mudança no estilo do vinho, mas não necessariamente na qualidade. 

Borgonha Napa Valley Wine-Searcher Priorat La Rioja Alta