Sintonia fina

Compreendendo o ícone Don Melchor

Por Christian Burgos e Eduardo Milan Publicado em 05/12/2013, às 00h00 - Atualizado em 13/02/2019, às 16h20

Alguns vinhos, assim como pinturas impressionistas, são compreendidos apenas de certa distância. Foi assim com Don Melchor. Desde o início da revista ADEGA, tivemos a oportunidade de degustar este ícone chileno várias vezes, com várias idades e em intervalos regulares (muitas vezes como consumidores). Neste ano, degustamos quase duas dezenas de safras diferentes deste representante da estirpe do Cabernet Sauvignon chileno, duas vezes no Brasil e uma vez na Vinexpo, em Bordeaux, sendo duas destas degustações conduzidas por seu enólogo Henrique Tirado.

Tirado, como seu vinho, é um sujeito elegante e culto, sente-se mais à vontade falando em francês do que inglês e, com o tempo de convivência (medido em anos), sua austeridade inicial vai permitindo uma proximidade maior e revelando traços de uma personalidade cada vez mais cordial e intimista.

Por vezes, degustamos Don Melchor jovens e podemos qualificá-los como maratonistas. Isso fica claro sobretudo quando encontra-se lado a lado com velocistas. Don Melchor dificilmente sai na frente no momento da largada, mas, ao longo da corrida, vai demonstrando cada vez mais seu potencial e certamente estará entre os finalistas na reta de chegada.

Segundo Henrique Tirado, o objetivo de Don Melchor “é expressar o terroir de Puente Alto”

A recente degustação de sua safra 1996 tornou tudo mais claro. Até então, das safras mais antigas, merecia destaque a bela 1999. Ousamos dizer que 1996, em seus quase 20 anos, estava em seu ápice, e não perderíamos a oportunidade de apreciá-lo agora. Certamente uma das cinco melhores e mais esclarecedoras garrafas de vinhos chilenos já provadas.

Este vinho, cujo objetivo, segundo Tirado, “é expressar o terroir de Puente Alto”, encontra-se em um terraço aluvial a cerca de 3 quilômetros do rio Maipo, mais precisamente no terceiro e mais antigo dos terraços, onde encontram-se rochas e solo mais complexos. O clima se assemelha ao semiárido mediterrâneo, mas sua marca é a influência da brisa fria que desce dos Andes todas as tardes. Some a isso os vinhedos plantados em 1979, hoje na média com mais de 25 anos, que ajudam a explicar essa integração solo-videira, geradora de equilíbrio natural e complexidade.

Em cada garrafa, as características climáticas de cada ano são bem perceptíveis e as pequenas mudanças das variedades que complementam o Cabernet Sauvignon, ao mesmo tempo que encantam, tornam a compreensão da coluna vertebral desse vinho ainda mais clara. Das safras de 1987 a 1998, eram 100% Cabernet Sauvignon, com exceção de 1995 que recebeu 3% de Merlot (depois arrancado). Após 1999, vieram anos temperados com Cabernet Franc e Petit Verdot.

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Das safras apreciadas ainda jovens, 2010 foi uma grata surpresa e aponta uma mudança sem perder a essência do estilo Don Melchor. Com pouca idade, ele já apresenta profundidade, complexidade e harmonia entre seus elementos, que outras safras levaram anos para alcançar. É a tal sintonia fina que retira o ruído e torna tudo mais claro, aquele: “Ah, estou ouvindo...” Mas se você tiver a paciência para esperar este 2010 e seus irmãos mais jovens amadurecerem perto de uma década, vai ouvir ainda melhor.


Vinhedo de Puente Alto, plantado em 1979, fica em um terraço aluvial a cerca de 3 quilômetros do rio Maipo, onde encontram-se rochas e solo mais complexo

Vinhos avaliados

AD 89 pontos
Don Melchor 1988
100% Cabernet Sauvignon. O mais antigo que já degustei, um ano mais chuvoso de “El Niño”. Em boca, com um toque de mel e já marcado pela evolução. CB

AD 92 pontos  
Don Melchor 1989
100% Cabernet Sauvignon. Clima frio e seco. Sente-se o frio. Há uma dose medicinal e boldo. Chocolate e mentol. Na boca, confirma o frescor e boa acidez com taninos suaves. CB

AD 90 pontos  
Don Melchor 1993
100% Cabernet Sauvignon. O típico eucalipto do Cabernet do Chile, presente e acompanhado pelo tabaco. Na boca, a estrutura de taninos e acidez está presente e o mantém muito vivo. CB

AD 95 pontos  
DON MELCHOR 1996
100% Cabernet Sauvignon. Aqui as notas de evolução positivas são claras. Notas balsâmicas, traços terrosos e de ervas secas. Está em plena forma. Em seu ponto ótimo de elegância e equilíbrio. EM

AD 91 pontos  
Don Melchor 1998
Último ano do ciclo 100% Cabernet Sauvignon. Um ano de clima frio e chuvoso. Bela complexidade no nariz. Frutas negras e especiarias. Sous-bois e urina de gato. Muito complexo em boca. Apresenta a evolução de quem gosta dos Bordeaux mais antigos e destaque para o tabaco com toques de cogumelos. Taninos suaves e elegância numa linha de Cabernet que confirma o ano frio. CB

AD 93 pontos
Don Melchor 1999
93% Cabernet Sauvignon e 7% Cabernet Franc. Até então, o predileto entre os mais antigos. O que marca o ano foi a combinação de escassez de chuvas e a temperatura mais baixa. Os 7% de Cabernet Franc e sua evolução dão passos largos na direção da complexidade. Ameixa, couro e o belo sous-bois dos vinhos mais antigos. Em boca, é vivo e complexo, com bela acidez e taninos muito polidos com deliciosa textura. CB

AD 91 pontos  
DON MELCHOR 2000
100% Cabernet Sauvignon. Frutas vermelhas mais marcadas. Apesar dos anos, parece ainda jovem, em um momento menos exuberante e mais austero. EM

AD 92 pontos  
Don Melchor 2001
91% Cabernet Sauvignon e 9% Cabernet Franc. Este ano choveu acima da média com temperatura mais elevada no período de formação das uvas. Os 9% de Cabernet Franc são nova prova de seu valor no corte. Complexidade aromática e grafite se destacam. Em boca, brilha a fruta e o mentol, que são características marcantes. CB

AD 91 pontos  
DON MELCHOR 2002
96% Cabernet Sauvignon e 4% Cabernet Franc. Lembra o 2000, parece estar jovem e num momento mais austero, precisa de tempo para mostrar todo o seu potencial. EM

AD 92 pontos  
DON MELCHOR 2003
95% Cabernet Sauvignon e 5% Cabernet Franc. Frutas vermelhas maduras. Boa acidez e ótimo volume de boca. Apesar de delicioso agora, mostra todas as virtudes para envelhecer com maestria. EM

AD 91 pontos  
DON MELCHOR 2004
94% Cabernet Sauvignon e 6% Cabernet Franc. Tem estilo semelhante ao 2003, mas passa por um momento em que está mais pronto para beber. EM

AD 92 pontos
Don Melchor 2005
97% Cabernet Sauvignon e 3% Cabernet Franc. Apesar dos 3% de Cabernet Franc, aqui o Cabernet Sauvignon é o protagonista quase absoluto, sobretudo em boca, onde a fruta, estrutura e acidez parecem sair de um manual do bom Cabernet Sauvignon chileno. CB

AD 91 pontos  
DON MELCHOR 2006
96% Cabernet Sauvignon e 4% Cabernet Franc. Fresco, tem boa acidez, taninos finos e final longo e elegante. Mais sutil e delicado que o ano de 2005, é equilibrado e tem bom volume de boca. EM

AD 93 pontos  
Don Melchor 2007
98% Cabernet Sauvignon e 2% Cabernet Franc. Apesar de mais jovem, a celebrada safra de 2007, já apresenta os primeiros toques da complexidade da evolução com ameixa e cassis ladeados por um leve toque de tabaco. Novamente, a estrutura dos taninos brilha e promete a longevidade. Delicioso cassis no retrogosto. CB

AD 93 pontos  
Don Melchor 2009
96% Cabernet Sauvignon, 4% Cabernet Franc. Apesar do calor, a chuva na primavera foi crucial para manter o frescor e gerou uma boa reserva de água. Um Cabernet Sauvignon com uma fruta doce e madura, um toque de pimentão e folhas de tomate. Também encanta o grafite. À boa fruta soma-se excelente acidez. Os taninos são uma boa marca com textura granulada e que prometem grande evolução. O retrogosto é rico e longo e, nesse ponto, a cereja se une à mineralidade de grafite. Já na curva para o estilo 2010. CB

AD 94 pontos  
DON MELCHOR 2010
97% Cabernet Sauvignon e 3% Cabernet Franc. Agradáveis notas de eucalipto e mentol. Frutado, tem taninos muito finos e final persistente e suculento. Chama a atenção pela elegância e profundidade. EM

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