Das sugestões clássicas até as mais ousadas para você harmonizar com 10 tipos de uva
Redação Publicado em 21/12/2022, às 14h35
Que pratos combinam com Caber-net Sauvignon? E com Merlot? Essa perguntas são comuns entreenófilos, iniciantes ou não. No fundo, todos queremos um pequeno guia, uma indicação de caminho para não errar ao colocar um vinho ao lado de um prato.
Antes mesmo disso, porém, tentamos partir de um “porto seguro” já na escolha do rótulo. E aí entram os varietais. Falar em Cabernet Sauvignon, Merlot, Carménère, Chardonnay, entre outros, serve de parâmetro para que imaginemos, genericamente, o estilo de um vinho.
Partindo dessas premissas (varietais genéricos), é possível, sim, sugerir harmonizações interessantes.Sendo assim, convidamos três renomados sommeliers para apontarem soluções gastronômicas para as 10 variedades de uvas mais consumidas no Brasil entre os amantes de vinho. Gianni Tartari, Diego Arrebola e Thiago Locatelli dão dicas valiosas e surpreendentes para engrandecer seu acervo pessoal, e desafiar seus sentidos. Confira:
Do cordeiro ao torresmo
Uma das uvas mais importantes do mundo, a Cabernet Sauvignon é amplamente utilizada no assemblage dos vinhos, especialmente de Bordeaux.
O sommelier Gianni Tartari, consultor e professor da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), sugere uma harmonização clássica com o Gigôt d’Agneau, pernil de cordeiro com perfume de alecrim. A estrutura e firmeza do vinho são ideais para escoltar um bom rótulo bordalês.
Para uma versão mais jovem deste tinto, com taninos vivos e bastante frescor, uma escolha significativa está na combinação com embutidos com cura intensa. Os taninos jovens terão um papel fundamental nesta harmonização, dando conta da untuosidade criada pelos embutidos.
Em uma proposta pouco usual, Gianni diz que “nunca lembramos de colocar lado a lado um Cabernet Sauvignon e a carne de porco, seja com costeletas ou lombo”. Explica que são carnes brancas muito saborosas e – às vezes gordurosas –, que pedem um vinho forte, com estrutura e taninos valentes.
E deixa o desafio: “Já pensou em provar um torresmo com um Cabernet?”
Das costeletas de cordeiro as empanadas chilenas
A casta originária de Bordeaux (que agora desenvolve-se quase que exclusivamente no Chile) produz tintos geralmente de corpo médio. Tartari propõe costeletas de cordeiro com molhos herbáceos, seja a hortelã, como é comum no Brasil, ou o coentro, como nos demais países da América do Sul.
Os Carménère de boa qualidade possuem notas herbáceas mais proeminentes, taninos macios e acidez equilibrada para uma carne menos gordurosa como o cordeiro.
Para uma refeição mais descontraída, a harmonização sugerida é por convergência geográfica. Um bom Carménère chileno com as famosas empanadas, também chilenas, preferencialmente as mais tradicionais preparadas com azeitonas verdes em abundância.
Taninos amigáveis e notas herbáceas e de especiarias trarão complementariedade à carne magra e generosamente temperada das empanadas.
Agora, por que não ousar? Há um fundo defumando no Carménère que funciona bem com pratos que incluem bacon. Uma salada com espinafre, bacon e queijo azul traz novidade e sabores potentes e equilibrados.
Do filé em foie gras ao espaguete ao sugo com almôndegas
Como falar de clássicos sem trazer para a lista o mítico Beef Wellington? Filé envolto em foie gras e duxelles, finalizado com uma camada de massa folhada, este é um prato que reivindica um elegante Merlot francês da região de Pomerol, com a mesma força e presença do prato.
Os vinhos desta AOC trazem concentração e acidez, com exuberância de fruta e taninos finos que compatibilizam simetricamente com o Wellington.
Para os Merlot italianos, com frutas negras e madeira em evidência, sem que percam a delicadeza, uma opção é um belo espaguete ao sugo com almôndegas. Uma combinação que pode caminhar de mãos dadas em estrutura, frescor e intensidade.
O Brasil tem produzido ótimos rótulos com esta variedade. De excelente tipicidade, com ameixas maduras, notas florais e toques terrosos, um bom Merlot brasileiro pode ser, sim, ser acompanhia de um queridinho brasileiro, como o frango assado, com pouca gordura e suculência, compensada pela estrutura tânica do vinho e sua acidez refrescante, e final persistente.
Do bife de chorizo ao chocolate amargo
É impossível desvincular esta variedade da memória de um bom churrasco. Essa é justamente a mais clássica e acessível harmonização para a variedade: um suculento corte de bife de chorizo, de preparo simples, permitirá sensações ampliadas com a fruta bem marcada, tão característica do Novo Mundo, e o vigor da acidez e taninos bem alinhados que encontra-se cada vez mais nos bons Malbec argentinos.
Para os Malbec mais concentrados, de Cahors, por exemplo, com taninos mais potentes, que se beneficiam muito com um certo tempo de guarda, uma boa sugestão é o cassoulet francês, cozido de preparação lenta, que une o feijão branco, confit de pato, ganso, embutidos de porco e outras carnes que variam conforme o preparo. A consistência e intensidade do prato clamarão pelos taninos firmes e potentes dos Malbec desta região.
Há uma harmonização polêmica, mas bastante celebrada. Uma das famílias aromáticas do Malbec traz notas de chocolate, trufas e couro. Finalizar a última taça da garrafa com um chocolate amargo de qualidade pode permitir um desafio memorável ao paladar.
Dos queijos até a culinária mexicana
Uva bastante aromática, a Sauvignon Blanc é uma das castas mais versáteis e, por isso, acompanha com facilidade de entradas a sobremesas. Para começar, Gianni Tartari sugere a combinação de “queijos e vinhos”, especialmente com queijo de cabra fresco. Os aromas tanto do vinho quanto do queijo se fundem, assim como a acidez e o frescor se casam de forma precisa.
Quando colhida tardiamente, a Sauvignon Blanc origina um vinho de sobremesa, doce, porém, com ótimo frescor. Dessa forma, pode-se pensar em uma tarte tatin, a torta francesa de frutas ou ainda um queijo ao estilo gorgonzola. É uma harmoniza-ão por contraste em que o resultado é primoroso.
Como uma das funções de um bom sommelier é instigar novas sensações, vale lembrar que a culinária mexicana apresenta algumas possibilidades intrigantes para o vinho. Uma delas é o guacamole; saboroso, intenso e perfeito como um aperitivo para começara noite. A Sauvignon Blanc, com seu perfil gustativo que traz frescor, uma boa e bem equilibrada acidez, irá com facilidade ao encontro da potência aromática e untuosidade do prato.
Da clássica lagosta até a carne vermelha
Chardonnay e lagosta. Uma das harmonizações mais usuais. A lagosta possui carne rica, saborosa, e normalmente as preparações envolvem uma dose generosa de manteiga, o que costuma relacionar-se muito bem com Chardonnay estruturados que tenham passagem por madeira. É importante, no entanto, que seja um Chardonnay ainda com bastante frescor. A recomendação de Diego Arrebola é um inconfundível Borgonha Premier Cru com madeira e acidez.
Já pensou em Chardonnay com carne vermelha? Não se assuste, esta é uma harmonização que pode surpreender, afirma Arrebola. Também um Chardonnay da Borgonha, combinado com filet mignon preparado com molho branco à base de queijo, por ser uma carne relativamente neutra. A harmonização dele, em geral, será comandada pelo molho e pelos acompanhamentos. Um molho forte de queijos cremosos, como o brie ou camembert dialoga muito bem com Chardonnay.
Um Chardonnay do Novo Mundo, californiano, com fruta mais intensa e madeira bem marcada, pode harmonizar com pipoca na manteiga.
Do filet au poivre ao melhor da culinária asiática
O perfil aromático da Syrah é bastante amplo, porém, tende às especiarias. Para acompanhar esta uva muito utilizada na região do Rhône, Gianni Tartari sugere mais um clássico, o filet au poivre. E amplia o conselho: “O segredo é servir o vinho ligeiramente mais refrescado para seus aromas ficarem ainda mais evidentes e a sensação alcoólica, mais sutil”.
A Syrah produzida no norte do Rhône resulta em vinhos caracterizados por frutas vermelhas e negras, junto ao conhecido toque sutil de pimenta negra. Nessa área, o vinho é firme, com taninos que se revelam um pouco mais que o habitual. A pedida aqui é opot-au-feu, ou o nosso conhecido cozido, com carne vermelha e legumes variados preparados lentamente. Após longa cocção, a carne fica macia e suculenta e o sabor do prato ainda mais evidenciado, com esse leve toque de especiarias.
Para sair do usual, a sugestão é convidar a Syrah para um jantar com o melhor da culinária asiática e seus condimentos marcantes, sempre bem acentuados. A Syrah catalisará as sensações aromáticas e palatáveis proporcionadas por especiarias como pimenta negra, pimenta da Jamaica, cravo, etc.
Do queijo manchego aos hambúrgueres
Diego Arrebola começa com uma “harmonização de manual”: Tempranillo e queijo manchego.
O queijo espanhol com certo envelhecimento e notas de ranço adequa-se muito bem com vinhos Tempranillo mais maduros, em especial os Gran Reserva, com períodos longos em madeira e notas oxidativas.
Apesar de ser uma variedade espanhola, uma harmonização pouco comum é com a paella, não exatamente a com frutos do mar, mas uma paella à caçadora, com carnes de caça, como coelho, por exemplo, destaca-se como uma excelente opção.
Se as propostas anteriores mantiveram-se em solo espanhol, o sommelier agora aposta em um queridinho internacional: o mais tradicional dos hambúrgueres, com uma boa carne, leve gordura, cheddar e cebola caramelizada, fará sucesso com um Tempranillo Roble. O bom frescor com toque tostado da madeira irão se relacionar em boa medida como grelhado do hambúrguer. Assim como as riquezas do vinho e do queijo serão exaltadas e, junto às cebolas caramelizadas, resultarão em uma harmonização que merece ser valorizada.
Dos pork ribs com molho barbecue até a gastronomia tailandesa
Símbolo da Califórnia, a harmonização clássica,sugerida por Thiago Locatelli, sommelierdo restaurante Varanda, são as pork ribs com molho barbecue, as famosas costelas de porco com os toques adocicados e picantes. Um estilo mais encorpado de Zinfandel possui riqueza suficiente para harmonizar com a intensidade do prato. O álcool elevado ajuda a equilibrar a doçura e a untuosidade, e a fruta madura fica perfeita com os sabores especiados do molho.
Uma harmonização não tão comum, e ainda na linha de um Zinfandel mais encorpado, é também o chocolate amargo de alta qualidade. O sabor naturalmente achocolatado de um Zinfandel bem maduro pode ser uma ótima companhia para um chocolate colombiano do tipo Nacional (Arriba), que possui pouco amargor e sabores de especiarias e baunilha.
Locatelli sugere explorar outro estilo de Zinfandel: o White Zinfandel, um rosé leve, frutado, que vai do meio seco ao meio doce. E é exatamente por esse toque adocicado combinado ao frescor que faz desse vinho uma boa escolha para enfrentar os sabores ricos e apimentados de pratos que levam curry, como na gastronomia tailandesa.
Do beef bourguignon ao kobebeef
Uma variedade muito apreciada, Arrebola harmonizará a Pinot Noir com outro clássico da gastronomia francesa, o beef bourguignon, um cozido de carne de preparo lento, com cogumelos e legumes. É um prato muito substancioso, intenso em aromas e sabores que pede um Pinot mais estruturado, como o da Borgonha, que tem naturalmente toques terrosos e frescor para balancear a harmonização.
Uma harmonização atípica, porém notável, é também um clássico da Borgonha: Pinot Noir com ocoq au vin, o galo cozido lentamente no vinho tinto, normalmente em Pinot, que fica excelente com um Borgonha mais delicado.
Para finalizar, a ideia é escolher um Pinot de outras regiões, como Alsácia ou Alemanha, mais leve e com acidez elevada, para harmonização com kobebeef, a carne de gado wagyu. O wagyué carne marmorizada, e possui uma gordura de textura amanteigada, leve, que se liquefará em grande parte nomomento do preparo. A gordura liquefeita, como o azeite e a manteiga clarificada, pede mais acidez que tanino, perfeito para um Pinot de boa procedência, de elevada qualidade e com frescor manifesto.