Histórias curiosas e citações literárias reforçaram a aura e o requinte do vinho madeira
Carolina Almeida Publicado em 23/07/2019, às 20h00 - Atualizado às 20h24
A Ilha da Madeira é responsável por fazer uma das bebidas mais marcantes do mundo do vinho
Desde que foi descoberta, em 1419, a ilha da Madeira produz um vinho homônimo, conhecido por seu aroma complexo, que foi apreciado por personalidades históricas como Napoleão Bonaparte, William Shakespeare e Winston Churchill.
Pouco tempo depois de descoberta, o Infante Dom Henrique tratou de enviar navios com mudas da uva Malvasia trazidas da Grécia para consolidar a conquista da ilha, produzindo com elas vinhos doces e fortificados. Mas foi apenas dois séculos após o início da colonização que o vinho começou a ser exportado para a Europa. Os ingleses passaram, assim, a conhecer a Madeira como a “ilha do vinho”.
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Nas camadas mais altas da sociedade norte-americana, durante o século XVIII, o vinho era disputado pelas famílias mais importantes de Boston, Charleston, Nova York e Filadélfia, que competiam entre si para adquirir os melhores Madeira. Ele esteve, até mesmo, à mesa durante o brinde de independência dos Estados Unidos da América, no dia 4 de julho de 1776, provavelmente por influência de Thomas Jefferson, profundo conhecedor deste vinho.
Um caso curioso envolvendo o vinho Madeira ocorreu em 1478 e foi retratado por William Shakespeare em sua peça Ricardo III, baseada na vida do rei inglês. Nela, George de York, Duque de Clarence e irmão do Eduardo IV de Inglaterra, é condenado à morte após uma tentativa frustrada de assassinar o rei e escolhe ser afogado dentro de um tonel de vinho Malvasia da Madeira: “Dá-lhe na cabeça um golpe com o punho da espada e depois o colocamos num barril de Malvasia que há no quarto ao lado”. Clarence acorda sonhando e pede um copo da bebida, ao que o futuro assassino responde: “Terá bastante vinho, logo mais, Senhor!”.
Outra passagem memorável do vinho ocorre em mais uma peça de Shakespeare, rei Henrique IV, na qual o personagem John Falstaff, amigo do futuro Henrique V, é acusado de vender sua alma ao diabo por uma perna de frango e um cálice de vinho da Madeira: “Que acordo fizeste tu com o diabo, que lhe vendeste a alma na passada Sexta-Feira Santa por um cálice de madeira e uma coxa fria de capão?”
Nas obras literárias russas, em citações de Fiódor Dostoievski ou de Léon Tolstói, o vinho Madeira aparece nos ambientes mais requintados. Reza a lenda que Grigori Rasputin, polêmico personagem da história da Rússia pré-revolucionária, teria sofrido um atentado pelo príncipe Félix Yussupov que envenou o vinho Madeira que ele consumia. Como Rasputin continuou vivo – sua úlcera crônica o fez expelir todo o veneno –, coube a seu inimigo disparar 11 tiros contra o monge, que mesmo assim não morreu.
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Enfim, quem conhece o lado glorioso da história do Madeira jamais irá imaginar que, antes do sucesso e graças à sutileza de seus aromas, o vinho era utilizado não para degustação e apreciação, mas para perfumar os lenços das damas da corte da Rússia.
O Vinho Madeira ostentou grande fama até meados do século passado, quando, vendido à granel, passou a ser visto como um produto de baixa qualidade. Por ser excelente na culinária, ele passou a ser diluído e usado em molhos, o que fez com que seu prestígio caísse. Somente nos anos 2000 foi proibida a venda à granel e estipulado que todo o engarrafamento deveria ser feito na ilha para garantir a qualidade do produto, que assim voltou a ser visto como um grande vinho.