Nada melhor do que uma crise internacional para que os produtos brasileiros ganhem espaço no mercado nacional. Mas é preciso lembrar ao consumidor que temos coisas boas aqui também
por Sílvia Mascella Rosa
Durante 2008, ADEGA fez viagens para terroirs brasileiros em busca de histórias e novidades. Como apreciadores dos vinhos nacionais, tivemos o privilégio de provar lançamentos e safras especiais, mas percebemos que havia uma questão que sempre voltava à cabeça: "Por que o brasileiro não bebe mais do produto de seu próprio País?" Aliás, quantos vinhos brasileiros você bebeu durante o ano que passou? Longe de ser uma pergunta com objetivo ufanista, é um questionamento que cada consumidor deveria se fazer de vez em quando. Explicamos o porquê.
O salto qualitativo que deu a produção brasileira nos últimos cinco anos (somente para falar de tempos de razoável estabilidade econômica) foi impressionante e, por si só, deveria ser comemorado com muitas taças. Mas, contrariamente, o mercado de vinhos nacionais encolheu. Isso quer dizer que o consumidor nacional está mais rico e mais bem informado e, por consequência, bebendo melhores vinhos estrangeiros? Não necessariamente.
Muitos dos rótulos estrangeiros que abarrotam as prateleiras dos supermercados têm qualidade inferior a alguns nacionais na mesma faixa de preço. O que eles têm a seu favor é o país onde foram feitos, o que muitos consumidores acreditam ser a carta de apresentação mais confiável. No entanto, nem sempre é. Por conta disso ADEGA se empenha em sempre trazer degustações e análises transparentes e independentes de fermentados de todo o mundo, para ajudar o leitor a escolher.
Miolo, Aurora, Valduga, Salton (acima) e Francioni estão investindo |
Imagem precisa mudar.
Mesmo assim, temos perfeita consciência dos outros entraves que bloqueiam o consumo do produto nacional. Um deles é crucial: a imagem do vinho brasileiro é antiquada. Grande parte dos consumidores ainda tem a impressão de baixa qualidade que perdurava até o final da década de 1990, quando a abertura econômica obrigou as vinícolas a saírem da estagnação e correrem atrás do tempo perdido. Para muitos, nossos vinhos continuam ruins, somente custam mais caro. A provável exceção são nossos espumantes, que dominam as vendas no mercado. Para cada dez garrafas vendidas em 2007, sete são nacionais.
No caso dos tintos e brancos, boa parte das empresas investiu pesado na melhoria dos produtos, mas não deixou um centavo para aplicar na renovação da imagem dos novos rótulos. Quem fez isso se deu bem, como a Miolo, empresa para a qual uma dezena de outras deve o pouco do respeito que o vinho nacional conquistou nos últimos anos. A Miolo atingiu essa solidez investindo em propaganda e marketing e em educação. Outras vinícolas perceberam que esse era mais um dos caminhos que tinham que trilhar para salvar seu quinhão e destinaram parte de suas verbas para ganhar novos consumidores, como é o caso da Salton, da Aurora, da Casa Valduga e da Villa Francioni.
Sejamos francos: vinho não fideliza ninguém. Pelo contrário, a infidelidade está na razão de ser deles, pois sempre buscamos novas marcas, novos produtores e as surpresas de cada safra. Então, como diz o enófilo Carlos Cabral, pode ser fácil vender a primeira garrafa de vinho, mas é somente quando seu cliente volta que você sabe que está fazendo seu trabalho direito. E a grande massa de produtores brasileiros está fazendo somente uma parte do trabalho corretamente. Estão investindo em qualidade, mas seus vinhos não são conhecidos do público e nem chegam aos consumidores que querem conhecê-los.
Os produtores estão com estoques cheios, caixa baixo e uma nova safra virando a esquina. Temos certeza que, ao ler isso, eles vão usar os argumentos já decantados dezenas de vezes nos últimos meses: a carga tributária, a reserva de mercado para os chilenos e argentinos, os entraves nos restaurantes e supermercados e a resistência dos próprios consumidores. Eles estão certos, mas só em parte. Choram sobre o vinho derramado, mas não querem deixar o conforto de suas cantinas e pôr a cara no mercado. Em sua maioria, temem se unir por um objetivo comum e não conseguem formalizar acordos para o setor. Ainda não acreditam que, como já dizia o velho Chacrinha, "quem não se comunica, se trumbica".
Falha de comunicação
Por comunicação entenda-se falar abertamente com o mercado, em todas as suas formas: cursos e treinamentos nos supermercados e nas lojas especializadas (uma vez que muitos vendedores não conhecem aquilo que vendem); com a imprensa em geral, e não somente com a especializada; diretamente com seus consumidores de norte a sul, pois existe mercado em todos os lugares; com as equipes dos restaurantes; e também com a tão temida (mas eficiente) publicidade.
Essa argumentação é tão verdadeira que os resultados do projeto setorial "Wines from Brasil", um convênio do Ibravin com a APEX, apresentam índices de vendas de vinhos no exterior melhores a cada ano que passa. Os 34 produtores participantes vão aonde o consumidor está, enquanto a organização do projeto se encarrega de investir na imagem do Brasil no exterior como um todo.
Neste 2009, os produtores brasileiros terão uma oportunidade única de ganhar espaço em seu próprio "terroir": a crise que se desenha deve deixar de fora das prateleiras alguns produtos de baixa qualidade que eram concorrência direta com nossas garrafas. Além disso, os vinhos finos nacionais têm hoje um bom padrão de produção e características capazes de conquistar espaço nas taças de tantos novos interessados.
Mas, é claro que se não fizerem o esforço necessário para aparecer, suas estatísticas de vendas cairão ainda mais. E é sempre prudente não esquecer que os chineses estão começando a produzir vinhos. E, na linguagem chinesa, o mesmo caractere usado para escrever a palavra "crise" também é usado para "oportunidade".