Borbulhas premiadas

A VII edição do Concurso do Espumante Brasileiro premiou garrafas que seguem uma trajetória promissora

por Sílvia Mascella Rosa

A primavera chegou aos vinhedos de Bento Gonçalves e Garibaldi como uma adolescente em sua primeira festa sem os pais, exagerada e exuberante, cobrindo – com o verde novo das folhas e o aroma sutil da floração das parreiras – todos os caminhos.

Chuva forte alternando com dias de calor intenso faziam a paisagem da janela mudar a cada minuto, como humor de adolescente. Mas, nas taças dos 50 degustadores das provas do VII Concurso do Espumante Brasileiro, promovido pela Associação Brasileira de Enologia (ABE) em Garibaldi no final de outubro, o que se percebia era a consistência de uma indústria que está alcançando a maturidade.

Borbulhas em profusão
ADEGA esteve presente entre os jurados pela terceira vez e constatou o aumento no número de amostras inscritas (foram 144 em 2007, 205 em 2009 e 231 em 2011) e também o número recorde de vinícolas que produzem espumantes (nesta edição foram 70), único dado que pode soar algum alarme dentro de uma indústria que já está bastante segura de si.

Um dos enólogos que estava julgando as amostras, durante os dois dias de concurso, afirmou que esse número de empresas produtoras não é compatível com a realidade do mercado: “Muitos produtores pequenos, cujo foco são os vinhos de mesa, resolveram produzir espumantes finos para se aproveitarem da boa imagem que o produto dá para as vinícolas. Mas eles não têm tecnologia para isso e nem vinhedos, por isso, ao invés de contribuírem para uma produção de qualidade, fazem justamente o contrário”, afirmou o enólogo, que preferiu não ser identificado.

Felizmente, para quem estava degustando, as amostras defeituosas ou de qualidade abaixo do aceitável não foram muitas. O Concurso, que segue as regras determinadas pela OIV (apenas 30% das amostras inscritas podem ser premiadas), distribuiu ao final 48 medalhas de ouro e 23 de prata, para espumantes preparados pelos métodos Tradicional, Charmat e Asti, nas variedades Nature, Extra-Brut, Brut, Demi-sec e Moscatel.

O presidente da ABE, o enólogo Christian Bernardi (um dos premiados com a medalha de ouro por seu espumante Gran Legado), afirmou que o resultado confirma o que o consumidor já encontra nas gôndolas das lojas: “Tivemos 170 rótulos com pontuação acima de 84 pontos, o que é um sinal importante da qualidade que o Brasil está produzindo e uma explicação para um consumo que vem crescendo com consistência”. Os números que atestam a afirmação de Bernardi são do IBRAVIN e indicam que, em 2010, foram comercializadas 16 milhões de garrafas de espumantes e que a previsão para 2011 é de 20 milhões.

Gilmar Gomes
André Peres Júnior

70 produtores apresentaram 231 amostras. 170 rótulos tiveram avaliação acima de 84 pontos e foram distribuídas 48 medalhas de ouro e 23 de prata


Borbulhas persistentes
Os jurados do concurso são, em sua enorme maioria, enólogos vindos de empresas produtoras, laboratórios, escolas e da Embrapa, e se revezam nos dois dias, para que o maior número possível deles possa participar das degustações. “É uma forma de darmos espaço aos jovens que estão ainda em formação em nossas vinícolas. Eles precisam provar os produtos da concorrência em degustações às cegas e saber o que é importante hoje para o mercado”, explica Flávio Zílio, um dos experientes enólogos que supervisionam os 13 espumantes que a Cooperativa Vinícola Aurora produz.

A equipe da Aurora, por sinal, levou cinco medalhas, três de ouro e duas de prata, algumas delas recebidas pelo jovem André Peres Júnior, que deixou a capital de Goiás para estudar enologia em Bento Gonçalves. Aos 24 anos, Peres é um dos enólogos ao qual Flávio Zílio se refere, que mostra que a maturidade da indústria também cresce com a renovação da mão-de-obra. Peres, orgulhoso da premiação mas com o pé-no-chão, afirma que esse resultado é muito gratificante por vários motivos, pois mostra que a dedicação da equipe e os investimentos da empresa seguem o caminho correto: “A cadeia produtiva dos espumantes é longa e exige tecnologia (e domínio dela), principalmente numa empresa que trabalha com grandes volumes como a Aurora, e ver o esforço que fazemos assim premiado é muito bom”, conta.

Consistência também é a característica de outras empresas que estão sempre entre as vencedoras, como a Casa Valduga, que levou quatro medalhas de ouro e três de prata (duas das medalhas de ouro foram pela empresa Domno), a Dal Pizzol (com duas medalhas de ouro e uma de prata) e a Vinícola Perini (com três medalhas de ouro e uma de prata). Pablo Perini, gerente de marketing da vinícola que leva seu sobrenome, afirmou: “Essa distinção nos traz um sentimento de responsabilidade, uma vez que observamos que o nível dos espumantes já atingiu um ótimo padrão e os participantes do concurso estão sempre em um páreo justo”.

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Gilmar Gomes

Borbulhas finas
Fazer espumantes não é fácil, quer seja no método tradicional ou no Charmat, e o produtor que quer trabalhar sério não pode dormir sobre as leveduras, como fazem os bons espumantes, precisa fazer investimentos e pesquisar novas tecnologias enquanto suas garrafas repousam nas caves subterrâneas. Em casas tradicionais como a Vinícola Geisse e a Don Giovanni, que só trabalham com espumantes feitos pelo método tradicional, a paisagem europeia do entorno (do distrito de Pinto Bandeira) e o pequeno número de funcionários pode dar a entender que se trata de uma operação quase artesanal (no mau sentido), mas nada está mais longe da realidade.

Carlos Abarzúa, enólogo chileno que está há 30 anos no Brasil, é um dos responsáveis na Geisse, que produz 130 mil garrafas próprias ao ano, pelo método tradicional. As da linha Geisse descansam por dois anos sobre as leveduras e são feitas com uvas de vinhedos próprios, tratadas com a tecnologia TPC (Thermal Pest Control): “Trouxemos essa tecnologia para o Brasil pois ela garante vinhedos mais saudáveis sem a utilização de pesticidas e isso se reflete em nossos vinhos. E agora, com essa tecnologia implantada e funcionando bem, estamos ampliando a cantina e a capacidade de produção”, explica Abarzúa. A Vinícola Geisse teve, além de duas medalhas no concurso, mais um motivo para comemorar. Na conferência Wine Future de Hong Kong, no início de novembro, a Master of Wine inglesa, Jancis Robinson, apresentou o Cave Geisse Nature 2008, incluindo pela primeira vez um espumante brasileiro em um painel sobre os vinhos mais expressivos de novos terroirs. Para os brasileiros, no entanto, essa é apenas mais uma conquista de um produto que, até o mês de setembro de 2011, já somava 70 medalhas apenas em concursos internacionais. Uma trajetória que se firma com frescor e borbulhas.

Cassius Fanti
Sabrage coletivo de 196 garrafas, realizado na Fenachamp entrou para o Guiness como novo recorde mundial

A FESTA DO ESPUMANTE
Viajei a convite da Cooperativa Vinícola Garibaldi para conhecer a Fenachamp 2011. Encontrei uma celebração que, com poucas adaptações, poderia ser replicada com sucesso em várias metrópoles brasileiras. A festa de Garibaldi transforma um pavilhão de convenções numa vila do espumante, um programa para a família, para amigos e casais que usufruem dos estandes de cada vinícola – verdadeiros lounges com mesas e cadeiras que acomodam os visitantes que conversam, degustam espumantes e assistem a shows no palco montado ao centro do pavilhão. O serviço gastronômico nos estandes fica a serviço de estandes de restaurantes que, alinhados em frente aos lounges dos espumantes, servem de base para garçons que levam os pedidos e trazem a comida. Acima de tudo, causa admiração que, com os preços acessíveis e ambiente convidativo, não se tenha presenciado qualquer caso de embriaguez. Sinal de que onde há educação e cultura do vinho, este se torna apenas fonte de saúde e alegria.

POR CHRISTIAN BURGOS

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