Os novos desafios do Vale dos Vinhedos

Ao terminar sua gestão à frente da Aprovale, Aldemir Dadalt mostra o porquê de o Vale dos Vinhedos ter crescido tanto nos últimos anos

por Christian Burgos

Marcelo Ruschel

Nunca se ouviu tanto falar em Vale dos Vinhedos. E estejam preparados para ouvir ainda mais daqui para frente, com a conquista da denominação de origem, a famosa D.O. Vale dos Vinhedos. Quem visitou o Vale na última década presenciou transformações que ninguém seria capaz de prever e que foram fruto, em grande parte, da união dos empresários do setor vitivinícola numa associação, a Aprovale (Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos). Como algumas associações vitivinícolas, a Aprovale englobava tanto os produtores de vinho quanto as empresas de outros segmentos relacionados, mas, diferente da maioria delas, a Aprovale possibilitou que não produtores de vinho assumissem cargos de direção da associação como foi o caso do empresário do setor hoteleiro, Aldemir Dadalt.

Dadalt é o sócio-gestor do Hotel e Spa do Vinho Caudalie no Vale dos Vinhedos, além de possuir mais uma dezena de empreendimentos em Santa Catarina, Paraná e no Rio Grande do Sul.

Apaixonado pelos vinhos do Brasil, ele fala com o embasamento de quem já visitou e degustou em regiões vitivinícolas mundo afora e, em novembro, conclui sua gestão como presidente da Aprovale. No mês de outubro, tivemos a oportunidade de conversar e discutir sobre os avanços da região do Vale dos Vinhedos e do atuação da associação de agora em diante.

Qual é o segredo do sucesso do Vale dos Vinhedos e da Aprovale?
A Aprovale foi formada há 15 anos por um grupo de visionários. Eles enxergaram o enoturismo quando o conceito ainda não existia no mundo. Eles verificaram que a Aprovale tinha que deixar de ser uma associação de defesa dos interesses do vinicultores para passar a ser uma associação que defenderia os interesses do Vale dos Vinhedos como um todo, e do vinho brasileiro de maneira mais ampla. Esses primeiros cinco abnegados, que são Miolo, Valduga, Cordelier, Don Laurindo e Don Cândido, montaram a Aprovale pensando no enoturismo e na qualifi cação dos vinhos.

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Como os diversos setores se complementam?
Os fundadores sabiam que o enoturismo não subsistiria se não tivesse vinhos de alta qualidade, e foram atrás de conseguir a indicação geográfica. Também viram que somente com as cantinas o projeto não ia subsistir, que precisavam agregar. Passaram a aceitar toda a área setorial envolvida no turismo: hotéis, restaurantes, pousadas, tudo o que pudesse trazer uma sinergia ao processo.

Entre 31 vinícolas associadas, como foi eleger o primeiro presidente não produtor?
Quando me propuseram eu disse: "Eu aceito, mas o próprio estatuto não me aceita". Porque eu era sócio contribuinte. Precisamos passar os contribuintes para sócios de fato e direito. Essa foi a grande modificação estatutária que fizemos com o objetivo de desenvolver a parte do enoturismo.

E quais foram os primeiros desafios?
O primeiro era envolver mais ainda os associados. Marketing externo já existia, mas falhávamos no marketing interno. Os próprios associados não tinham uma visão clara do que a Aprovale fazia e do que podia trazer de benefício. O segundo desafio foi fazer um planejamento estratégico que demonstrou claramente a necessidade de mudar a forma de organização da diretoria. Com um presidente e um vice, era uma diretoria pequena. Precisava de mais gente comprometida, não só de conselho, mas executiva. Agora, vamos fazer uma nova mudança estatutária dando mais poderes à diretoria executiva, e passando aquelas pessoas que são o grande suporte da entidade para um conselho superior.

"O enoturismo não subsistiria se não tivesse
vinhos de alta qualidade
"

Essa questão de preocupar-se com os estatutos é coisa de quem já tem experiência em associações...
Participei de varias entidades, algumas vezes como presidente. Uma das que mais me ensinou foi ser vice da associação comercial e industrial de Joinville, que é muito forte e muito atuante. Lá há 15 vices, todos com funções específicas.
Fui presidente do sindicato da construção civil e fundador da câmara catarinense da indústria e da construção. No mundo associativo, você aprende a sentar numa mesa com caciques, compartilhar e conseguir desenvolver os pontos em comum. É uma experiência interessante, pois não adianta bater na mesa e dizer: "Sou presidente". Numa entidade, você "está" presidente.

E esse processo de transição de poder?
Nunca me candidatei à reeleição. Cada pessoa que entra normalmente tem mais condição de fazer com que a entidade avance do que aquela que está saindo, mesmo que aquela tenha feito um trabalho brilhante. Agora chega a hora de um novo presidente, vindo de uma vinícola menor no Vale. Assim, as grandes vinícolas serão comandadas pela menor vinícola. Isso é interessante e é uma experiência nova dentro da Aprovale. E mais uma vez mostra a forma democrática como a entidade está sendo conduzida.

Uma das grandes conquistas da Aprovale é a denominação de origem. Como ela está?
Vamos apresentar oficialmente no dia 19 de novembro. Mesmo que de direito não tenhamos nas mãos o certificado, que já está aprovado, mas está passando por um processo burocrático. Nosso processo foi considerado um modelo, tanto que está sendo utilizado para as outras regiões. Esta DO tem uma validade interna, e cabe a nós trabalharmos para que ela seja aceita pelos outros organismos internacionais. Este é o caso da nossa indicação de procedência, que é hoje aceita pela Comunidade Econômica Europeia. Para se ter uma ideia da importância disso, a região de Champagne só reconhece duas indicações geográficas fora da Europa, Napa Valley e Vale dos Vinhedos.

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Fabiano Mazzotti

E no campo do enoturismo, o que mais está em andamento?
Conseguimos aprovar uma ciclovia. Imagine uma ciclovia de 9 km passando por um número grande de vinícolas, onde você pode pegar uma bicicleta em qualquer vinícola e devolver em outra, como acontece com a bicicletas em Paris. Outro projeto adiantado é a construção do Museu Brasileiro do Vinho. O terreno está em fase final de negociação pela prefeitura de Bento Gonçalves. Não será apenas um museu da forma antiga, será sensorial, visual, auditivo, interativo. Um instrumento de resgate da cultura da região.

O que você gostaria de ter feito e não fez?
Gostaria que esses projetos não fossem apenas projetos, mas realidade. Espero que, quando termine meu mandato, eles tenham saído da fase de projeto e entrado em execução. Ao conseguir isso, vou me considerar realizado.

Como você vê o vinho do Vale dos Vinhedos?
Acho que estamos chegando nos vinhos excepcionais. Não tenho dúvida de que nos próximos anos alguém, ao escrever sobre vinhos, vai começar a colocar alguns do Brasil entre os 100 ou 200 para experimentar antes de morrer. Os espumantes já conquistaram o mundo. Agora o trabalho é para conquistar nos vinhos tintos, e depois vamos ter que falar um pouco mais dos brancos.

"Nosso processo foi considerado um modelo, tanto
que está sendo utilizado para as outras regiões
"

Então por que não se especializar nos espumantes?
Se você analisar o processo da DO, temos uma concentração muito forte em alguns poucos vinhos diferentes. Dentro dos espumantes, estamos plenamente focados nos vinhos da região de Champagne, apenas com Chardonnay e Pinot Noir. Nos vinhos brancos, ficamos também com a Chardonnay, que se deu muito bem no Vale. Mas ainda não temos uma tradição tão grande, a história da Aprovale tem 15 anos, e achamos que deveríamos apostar também nos vinhos tintos - que representam 80, 90% dos vinhos finos consumidos no Brasil. Assim fomos muito restritos, pesquisamos e encontramos uma uva que produz qualidade consistente na região - e elegemos a Merlot nossa uva emblemática, pois, ano após ano, pode produzir bons vinhos.

E vivendo tanto no mundo do vinho, você não pensa em ir para o outro lado do balcão?
Minha esposa e eu pensamos muito na continuidade e talvez montemos uma micro-vinícola, pela possibilidade de continuar conversando sobre vinhos. Certamente vamos continuar trabalhando com vinho.

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