A força do terroir

O pequeno Vale Apalta, no Colchagua, é dominado pelos tintos e se tornou um paraíso para as uvas Carménère e Syrah

Marcelo Copello* Publicado em 24/09/2008, às 06h10 - Atualizado em 21/02/2019, às 15h26

Apalta: clima quente com frio vindo do Pacífico

Uma palavra-chave em qualquer discussão sobre vinho é terroir. Esta expressão francesa, sem tradução em português, é o conjunto de fatores naturais que caracterizam um local, como seu solo (composição, pH, permeabilidade, profundidade), subsolo, clima e micro-clima, exposição ao sol, chuvas, vento, altitude, inclinação do terreno e vegetação.

Imagem aérea da localização da Viña Ventisquero

Este conjunto é tão complexo (e varia dia-a-dia, ano a ano) que torna cada vinho único. Por um lado, a cada dia novos e bons terroirs são descobertos ao redor do planeta. Por outro, conhecer a fundo e dominar (até onde se pode dominar a natureza) um novo terroir pode levar décadas ou até séculos.

Um destes locais privilegiados em plena fase de descoberta é o Vale de Apalta, parte do Vale de Colchagua, na sub-região do Vale de Rapel, no Chile. Famoso por seus Carménères, o Vale é dominado pelos tintos, que ocupam 90% dos 23 mil hectares plantados. A pequena cidade de Santa Cruz é o coração da região, a 178 km a sudoeste da capital Santiago. Lá o clima é quente, com o frio vindo do Pacífico amenizado por serras e pela cordilheira costeira que bloqueiam parte da influência marítima.

Apalta é um pequeno vale na parte interior e mais fria de Colchagua, tem formato de ferradura de frente para o sul, com uma impressionante gama de solos, um verdadeiro paraíso para Carménère e para Syrah. Para comprovar esta tese basta dizer que são daqui alguns dos maiores ícones da enologia do país, como o Clos Apalta, Montes Alpha M e Neyen.

Em Apalta, os tintos são maioria

O vale é um pouco mais úmido que a média da região, 650mm anuais de chuvas, contra 592mm, concentradas entre maio e setembro. Aqui é fundamental a irrigação, e somente com a criação de reservatórios de água tornase possível a viticultura.

O inverno é seco e frio, com temperaturas entre 2°C e 15°C. Os verões são quentes, ma non troppo, ficando entre 12°C e 31°C. A altitude dos vinhedos é de 200 a 450 metros, e os solos variam bastante conforme a altitude, indo de aluvião na planície e granito com diferentes concentrações de argila nas encostas (detalhes mais adiante).

As castas mais plantadas em Apalta são a Cabernet Sauvignon, Carménère, Syrah e a Merlot, embora existam inúmeras outras, tintas e brancas, plantadas como experimento. O estilo geral dos vinhos é de tintos de muita cor e concentração, mas também com frescor, elegância e mineralidade.

Produtor visitado e o que há no mercado brasileiro

A Viña Ventisquero tem tamanho médio para o padrão chileno, com apenas 1.800 hectares próprios, que geram 14 milhões de litros de vinho ao ano, 65% dos quais são tintos. A vinícola está presente em 55 países ao redor do planeta e registrou um expressivo crescimento de 53% no valor de suas exportações em 2007. Para 2008, este crescimento está projetado em 20%.

Antes de partir para Apalta visitamos o quartel general da Ventisquero em Trinidad, no Vale de Maipo. Lá o enólogo Alejandro Galaz, especialista da empresa em brancos e em Pinot Noir, apresentou um vinho ainda inacabado que impressionou bastante. O Caldo em questão é um Pinot Noir 2007 de Casablanca, de muita classe, que quando for lançado será certamente o melhor Pinot Noir que a Ventisquero já fez.

Já no Vale de Colchagua estivemos nos vinhedos em Lolol, um pequeno vale enovoado, na parte mais costeira de Colchagua, que promete ser o “novo Casablanca” no que diz respeito à produção de brancos e tintos como Merlot. Os vinhedos da Ventisquero ali ainda são jovens, mas demonstraram ser promissores nas provas das amostras.

A Ventisquero possui 70 hectares de vinhas em Apalta. Em média, estes vinhedos têm de quatro a cinco mil plantas por hectare, 100% em encostas, produzindo uma média de seis toneladas por hectare com irrigação por gotejamento.

O enólogo-chefe da empresa, Felipe Tosso, junto com o viticultor-chefe, Ricardo Gompertz, apresentou cada parcela do terreno examinando a constituição de cada solo. Depois fizemos uma prova de quatro amostras de Carménère, quatro de Cabernets Sauvignon e quatro de Syrah, todos de 2007. Estes vinhos, ainda inacabados, serão misturados para compor os vinhos top que a empresa lançará ano que vem (leia mais sobre eles adiante).

Terreno quase dourado Café escuro
Vermelho menos intenso Vermelho mais intenso

Para cada casta, há quatro tipos de terrenos descritos por Gompertz como podemos observar nas fotos acima:

1º- Cor quase dourada
Granito com 10 a 20 % de argila e mais areia.

2º- Cor café escuro
Granito com 20 a 25 % de argila e mais matéria orgânica.

3º- Cor vermelha menos intensa
Granito com 30 a 35 % de argila.

4º- Cor vermelha mais intensa
Granito com 40 a 45 % de argila.

Quanto maior a concentração de argila, mais vermelho o solo. Há outras variáveis também, como profundidade do solo e altitude, mas podemos dizer que, no geral, quanto mais argila, mais o vinho mostrou frutas negras e concentração, enquanto os solos mais graníticos e pedregosos geraram vinhos mais elegante, com mais acidez e mineralidade.

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No geral, os Carménère e Syrah foram superiores aos Cabernet Sauvignon. Outra conclusão é que a safra de 2007 será superior a de 2006, com vinhos mais equilibrados, enquanto o ano anterior mostrou mais concentração.

Apalta está localizado na parte inferior e mais fria de Colchagua

Cada uma destas parcelas é trabalhada como um vinho totalmente independente, colhida separadamente, vinificada separadamente e amadurecida em barris diferentes (todos franceses). Depois o trabalho dos enólogos é “montar” o vinho, no caso os tops da Ventisquero – Vértice e Pangea.

Estes dois vinhos foram criados a quatro mãos por Felipe Tosso, um especialista em Carménère, e John Duval, um especialista em Syrah. Duval, hoje um enólogo-consultor internacional, entre 1974 e 2002 esteve à frente da equipe da australiana Penfolds, assinando o mais prestigioso Syrah do Novo Mundo, o Grange. Desta parceria nasceram o Vértice (Carménère-Syrah) e o Pagea (Syrah). Atualmente em nosso mercado está presente a safra 2005 destes vinhos.

Ainda há pouquíssimos vinhos de Apalta em nosso mercado, mas a perspectiva do que vem por aí é excelente. Provamos somente (mas não apenas) o excelente Purple Angel.

* Em viagem ao Chile a convite da Viña Ventisqueiro.

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