A história do Château Suduiraut dos jardins Sauternes

Os famosos jardins do Château Suduiraut foram projetados pelo paisagista de Luís XIV que cuidou do palácio de Versalhes

Arnaldo Grizzo Publicado em 15/03/2021, às 08h00 - Atualizado às 08h00

- S.Chapuis/Château Suduiraut

No coração de Sauternes, uma imponente propriedade remete ao auge do período barroco francês. E não é à toa, pois os famosos jardins do Château Suduiraut foram projetados pelo conhecido jardineiro e paisagista de Luís XIV, André Le Nôtre, que criou, entre outras “obras de arte” os jardins do palácio de Versalhes e o Jardim das Tulherias, em Paris. Dessa forma Suduiraut se liga ao período áureo da monarquia francesa.

A encomenda do projeto do jardim foi feita pelo Conde Blaise de Suduiraut, neto do parlamentar francês Léonard de Suduiraut, cuja união com Nicole d’Allard em 1580 deu origem ao nome da propriedade (dada como dote de casamento) em Sauternes. O château original, contudo, foi saqueado e incendiado durante a Fronda, uma série de insurreições civis na França contra o controle da monarquia. Foi o Conde Blaise que o reconstruiu posteriormente, criando os jardins.

No século XVIII, o edifício foi rebatizado como Cru du Roy quando foi adquirido por Jean Joseph Duroy, Barão de Noaillan, um sobrinho da família Suduiraut. Até hoje, a fusão dos brasões das duas famílias representa o dístico usado pelo château em seus rótulos.

Em 18 de abril de 1855, a propriedade foi classificada como Premier Cru Classé de Sauternes e Barsac durante o programa oficial de classificação de vinhos em Bordeaux a pedido de Napoleão III. Na ocasião, os negociantes listaram os châteaux mais importantes da região, criando cinco categorias para os tintos do Médoc e três para os doces de Sauternes. O Château d’Yquem foi apontado como Premier Cru Supérieur, 11 outras propriedades (Suduiraut entre elas) como Premier Cru e 15 como Deuxième Cru.

Durante anos, a propriedade – uma das maiores da região, com 200 hectares – manteve sua reputação, apesar dos altos e baixos, e, em 1992, foi comprada pelo grupo AXA Millésimes, dono de outras vinícolas importantes como o Château Pichon Baron, Château Pibran e Domaine de l’Arlot, na França, assim como a Quinta do Noval e do Passadouro, em Portugal.

Terroir 

A propriedade é composta por 91 hectares de vinhedos, em solos argilosos, arenosos e de cascalho. Um solo fino, que retém pouca água, leva a baixos rendimentos concentrando os sabores, que aqui ainda exprimem tons minerais. O vinhedo é plantado em alta densidade (7.000 vinhas por hectare) e tem idade média de 35 anos. Durante a colheita, é feita uma seleção meticulosa dos cachos botrytizados para o Grand Vin de Château Suduiraut. Cerca de 90% da propriedade é cultivada com Sémillon e 10% com Sauvignon Blanc, proporção que se mantém no vinho.

O Château Suduiraut está próximo aos rios Ciron e Garonne. Ambos fornecem as condições ideais para o desenvolvimento da Botrytis Cinerea, a podridão nobre, com noites frescas e névoas matinais de outono seguidas de um tempo ensolarado durante o dia. O fungo já está presente na vinha logo após a floração e surge nas uvas assim que começam a amadurecer. Com seleção manual no vinhedo, costuma-se fazer até cinco colheitas para poder selecionar apenas os grãos afetados pela Botrytis.

Na adega, o processo de prensagem é longo, durando mais de quatro horas, e extrai o suco mais delicado que será vinificado e amadurecido em barricas de carvalho de 18 a 24 meses. O controle da fermentação é feito barrica a barrica durante duas ou três semanas para que os aromas produzidos pelas uvas botrytizadas se conservem. Depois, faz-se uma seleção dos diferentes lotes no blend final. Nos anos em que a colheita não atinge a qualidade exigida, o Grand Vin não é produzido.

Doce e seco 

O château possui também seus “segundos vinhos”. O primeiro, feito desde 1992, é o Castelnau de Suduiraut, preparado geralmente com as parcelas mais jovens do vinhedo, e depois há ainda o Lions de Suduiraut, criado em 2009, de estilo mais “jovem” para “paladares mais jovens”, segundo definição do próprio château.

“À medida que a seleção para o Suduiraut se tornou cada vez mais rigorosa a partir de 2001, nossas degustações começaram a identificar lotes de vinho que se expressavam mais cedo do que as do Suduiraut. Alguns tinham um estilo mais clássico, então agora são voltados para Castelnau, enquanto outros eram mais frutados e leves, que é o estilo de Lions. Os lotes foram então rastreados em parcelas individuais, o que nos permitiu traçar um mapa identificando as parcelas para cada um dos três vinhos”, afirma Pierre Montégut, diretor técnico de Suduiraut.

Mas desde 2004, aproveitando-se da ampla gama de vinhedos, o château também produz brancos secos. O rótulo mais emblemático é o S de Suduiraut Vieilles Vignes, mas, além dele, desde 2015 é produzido o Blanc Sec de Suduiraut, uma espécie de Sécond Vin seco. Anos atrás, Christian Seely, diretor da AXA, chegou a afirmar que os brancos secos poderiam ser a “salvação” dos Sauternes doces, que estavam com vendas em franco declínio. “Tentar fazer bons vinhos brancos secos ajudará os doces a sobreviver,” disse na época, impulsionando a produção. Hoje, Suduiraut é uma referência nos dois estilos.

PODRIDÃO NOBRE 

A Botrytis Cinerea é um fungo que surge nas vinhas em determinados locais com bastante umidade. Se o tempo estiver muito úmido, o fungo se desenvolve como podridão cinzenta e torna as uvas colhidas inutilizáveis. Em condições ideais, o fungo se desenvolve como podridão nobre. Ele ataca a casca da uva, tornando-a porosa, facilitando a evaporação da água e, assim, favorecendo a concentração de açúcar. Isso provoca uma reação que resulta numa concentração de aromas que conferem complexidade ao vinho. O desenvolvimento de Botrytis Cinerea é imprevisível e não afeta todas as vinhas ao mesmo tempo. Por isso, costuma-se colher as uvas com cuidado, exclusivamente à mão, selecionando apenas uma parte do cacho à medida que o amadurecimento se desenvolve. A colheita tende a ser escalonada, com diversas passagens pelo vinhedo geralmente do final de setembro a meados de novembro.

* Texto originalmente publicado na revista ADEGA 185
com o título de Os jardins Sauternes republicado após atualização
 

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