Fungo Botrytis cinerea é parte fundamental em grandes vinhos do mundo, tanto que ficou conhecida como a podridão do bem, ou podridão nobre
André De Fraia Publicado em 23/08/2022, às 07h00 - Atualizado às 11h00
Uma uva como a da foto acima? É só jogar fora, correto? Pois bem, saiba que essa uva aí é responsável por um dos maiores vinhos do mundo, afinal ela está afetada pelo Botrytis cinerea, conheça a podridão do bem!
O fungo conhecido como Botrytis cinerea ataca vegetais e causa a chamada “podridão cinzenta”. Ele age criando micro furos na parede externa de frutas e legumes, com o calor, a água ali presente evapora deixando espaço para o fungo crescer. A Botrytis acontece apenas em situações bem específicas, é necessária elevada precipitação pluviométrica e alta humidade do ar. Só assim o fungo pode aparecer e acabar com a sua colheita.
Porém, temos a exceção. É possível produzir vinho a partir dos bagos atacados pela Botrytis!
A história dos vinhos botritizados não começa em Sauternes, berço de um dos grandes vinhos desse tipo no mundo como o Château d’Yquem. Mas sim na Hungria. Mais precisamente na região de Tokaj-Hegyalja.
Conta a história que em meados do século XVII a região estava prestes a ser invadida pelo império Otomano, assim, decidiram atrasar a colheita das uvas, uma vez que os muçulmanos condenavam o consumo de álcool. Com a demora a tragédia aconteceu e um fungo de aspecto horrível atacou as uvas. Como a Botrytis não ataca a parreira e sim bago a bago, os produtores da época separaram as uvas boas das ruins e fizeram vinho. Não ficou registrado o motivo – se por ter tido pouco vinho ou se por alguma outra ideia incomum – mas no final do processo de fermentação e maceração os produtores adicionaram ao mosto as uvas afetadas pelo fungo.
No ano seguinte quando o vinho foi degustado a história estava feita, o vinho era um néctar divino.
Em Bordeaux a história é dois séculos mais recente. Reza a lenda que o Czar russo Alexandre III em 1890, teria feito uma encomenda de vinho branco bordalês da região de Sauternes. Porém, a safra teria sido comprometida pois parte das uvas foram afetadas pela podridão cinzenta. Possivelmente para não perder um grande cliente os produtores decidiram enviar o vinho feito a partir das uvas botritizadas. O Czar amou! Ofereceu mais dinheiro para aquele vinho específico e a podridão cinzenta virou a podridão nobre.
A resposta está na forma que o fungo ataca as uvas. Os micro furos que eles fazem permitem que a água presente na polpa da uva evapore, assim, os ácidos, açucares e demais substâncias que conferem aroma e sabor ao vinho se concentram. Com a colheita tardia e selecionada bago a bago o vinho produzido a partir dessas uvas fica com um caráter harmônico sem igual com acidez e dulçor em equilíbrio.
O fungo também tem sua vez, deixando um aroma muito ligado a Botrytis e à ação dela na uva.
O valor do vinho sobe consideravelmente, mas há uma explicação. Além da colheita ser manual e selecionada são necessárias muito mais uvas para produzir uma garrafa de vinho. Afinal, grande parte da água evaporou. Enquanto para a produção de um vinho seco “normal” são necessárias em torno de 300 uvas para produzir uma garrafa de 750 ml, para a produção de um vinho botritizado são necessárias 5.000 uvas para uma garrafa de 375 ml!
São poucas regiões do mundo que tem as condições climáticas ideais para que o fungo se desenvolva. França, Hungria e Alemanha são os principais, mas novos terroirs são descobertos ano após ano. Califórnia, Nova Zelândia e Austrália já produzem a décadas seus vinhos botritizados. A África do Sul também desponta como um excelente local, produzindo blends baseados principalmente em Chenin Blanc.
ADEGA já degustou vários, você pode conferir clicando aqui os melhores e suas notas.