Château Brane-Cantenac já foi considerado o primeiro dos 14 Deuxièmes Grand Crus Classés
Arnaldo Grizzo Publicado em 03/06/2019, às 17h00
Para os franceses, terroir é algo sagrado. É uma entidade, quase divindade. Quando se fala de um vinho, logo se fala das características singulares do solo onde aquelas uvas que o compõem cresceram, assim como também do clima que propiciou o desenvolvimento da planta em perfeitas condições, enfim, de todos os micro-fatores que, juntos, resultaram em uma bebida única.
Cada palmo de chão tem sua particularidade que vai resultar em um vinho diferente, com o gosto do terroir. Essa crença é tão arraigada – e tão verdadeira – que um dos principais motivos da fama do Château Brane-Cantenac é sua localização privilegiada. São 45 hectares na colina de Brane, no planalto de Cantenac, com um solo profundo (que chega a 12 metros) de cascalho, mas que possui uma porcentagem importante de argila, que garante uma reserva hídrica suficiente durante o ano. O lençol freático também é profundo (5 a 6 metros), o que permite que as raízes se desenvolvam em profundidade. A drenagem é tão boa, devido à topografia, que ele sofre menos com as tempestades de verão e as chuvas de setembro do que outros terroirs clássicos em cujos solos predomina o cascalho.
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É do vinhedo localizado nesse local que Brane-Cantenac faz seu principal vinho. O Château ainda possui outros terroirs – que completam 90 hectares e servem para cultivar uvas de seus vinhos secundários –, mas é esse terreno que o notabilizou e fez com que seu vinho fosse cultuado, dando-lhe a honraria de entrar na histórica classificação de 1855 como um Deuxième Grand Cru.
O potencial do terroir é decantado há muito tempo, tanto que, em 1833, o barão Hector de Brane vendeu o Château Brane-Mouton (que se tornaria Mouton-Rothschild futuramente) para financiar a compra do Brane-Cantenac, que, na época, chamava-se Château Gorce. Estima-se que a família Gorce era proprietária do local desde o início do século XVIII, comprando-o por volta de 1735.
Nesse momento, o vinho do Château já era famoso, sendo citado pelos especialistas como um dos grandes vinhos de seu tempo, com preços elevados. Não à toa foi chamado, durante anos, de o “Primeiro dos Segundos” depois da classificação de 1855.
Seu proprietário, o Barão de Brane era um homem importante e de grande reputação na França e especialmente em Bordeaux. Ele foi o responsável por tornar a Cabernet Sauvignon a uva número um de Médoc e, com isso, recebeu a alcunha de “Napoleão das vinhas”. A Cabernet Sauvignon, não por acaso, é a uva que melhor se desenvolve no terroir do Château, que foi rebatizado pelo barão em 1838 como Brane- -Cantenac.
Anos mais tarde, o Barão de Brane resolveu vender sua propriedade, que foi adquirida por Jaques-Maxime, que, em seguida, vendeu-a a um grupo liderado por Gustave Roy, que também era proprietário do Château d’Issan. Em 1919, depois de passar por dificuldades com todas as pragas do fim do século XIX e I Guerra, Brane-Cantenac foi comprado pela Sociedade de Grands Crus da França, um consórcio que possuía diversos châteaux, como Margaux, por exemplo.
Porém, em 1925, a sociedade se dissolveu e acabou nas mãos de François Lurton. Depois, com o espólio da família, um dos filhos, Lucien, assumiu. Apesar de ter pego uma geada catastrófica em 1956, ele foi capaz de aumentar a propriedade e fazer melhorias. Contudo, em 1992, houve uma nova divisão entre a família e Henri Lurton, que trabalhava na propriedade desde 1986, assumiu.
Sob a batuta de Henri, Brane-Cantenac tenta voltar a merecer a fama de “Primeiro dos Segundos”. Seus vinhedos são plantados com cerca de 65% de Cabernet Sauvignon, 30% de Merlot e 5% de Cabernet Franc. O rendimento é de 45 hl/ha, com vinhas de 35 anos de idade em média. A colheita é totalmente manual.
O blend muda um pouco ano a ano, mas sempre com predominância de Cabernet Sauvignon obviamente (mais de 50%), seguido por Merlot (por volta de 40%) e pequenas quantidades de Cabernet Franc (cerca de 5%) e, por vezes, Carménère também em mínimas proporções. O vinho passa 18 meses em barrica, sendo 70% novas. São produzidas cerca de 150 mil garrafas por safra. O segundo vinho, chamado Baron de Brane, segue o mesmo estilo de corte do primeiro, mas com menos tempo em carvalho (12 meses), sendo 20% barricas novas.
Sob a batuta de Henri Lurton, Brane-Cantenac tenta recuperar a fama original
Para os especialistas, devido às alternâncias de proprietários, o vinho sofreu e acabou sendo ofuscado por seus vizinhos imponentes em Margaux. Ele acabou ficando para trás na feroz concorrência entre os vinhos da região por ser, por vezes, mais leve e austero do que os imponentes Margaux com grande concentração de fruta, profundidade, complexidade. Para muitos, a irregularidade do vinho fez com que ele perdesse espaço.
No entanto, com Henri Lurton, Brane-Cantenac já começa novamente a ganhar consistência – com uma textura mais rica, com notas florais e de groselha negra, cerejas, defumado e tons terrosos – em busca de merecer novamente o título de “Primeiro dos Segundos”.