O preparo é a chave para harmonizar suas receitas de bacalhau com seu vinho e até se o melhor é um tinto, branco, os dois ou de outro estilo
Giuliano Agmont Publicado em 12/04/2022, às 16h00
A gastronomia requer uma certa sensibilidade, e a combinação entre o que se come e o que se bebe representa um saboroso desafio na vida de amantes da boa mesa, sobretudo quando se está diante de um dos pratos mais tradicionais entre os brasileiros, o bacalhau.
A primeira pergunta que as pessoas se fazem é: devo servir com tinto ou branco? A resposta mais objetiva seria: por que se restringir a isso? Sim, a margem para a harmonização com bacalhau contempla diversos tipos de vinho. O desafio é buscar uma combinação que leve em conta o modo de preparo e os ingredientes, considerando que as circunstâncias ficam a critério de cada um.
Submetemos a equipe de degustação de ADEGA a esse desafio. Selecionamos cinco receitas que receberam sugestões de harmonização da revista. Baseadas em um repertório de centenas de milhares de taças, as considerações dos nossos degustadores indicam um caminho seguro para esta fascinante experiência de harmonizar bacalhau com vinhos, ainda que esta seja uma decisão estritamente pessoal. O resultado surpreende.
Arroz de bacalhau com brócolis, chouriço, manteiga de escargot, tomate, ovo, rúcula e jamon serrano.
Um prato intenso e úmido, com aroma pronunciado das carnes curadas, o chouriço e o jamon. Combina bem com um tinto de corpo médio. Mas um tinto com salinidade e mineralidade para harmonizar com o salgado dos embutidos. E textura para acompanhar a cremosidade do arroz de bacalhau.
Uma boa pedida, que faria uma boa harmonização por similaridade, seria o Finca Resalso, de Emilio Moro, da Ribera del Duero. Um rosé também teria grandes chances de combinar, como o Gallardia del Itata, da De Martino. Ele tem uma estrutura de acidez que está mais para um branco, mas sem o mesmo volume de fruta de um tinto. Pensando na manteiga do escargot, que é meio salina, associada ao chouriço e ao jamon, dá para cogitar vinhos que possuam toques salinos. Nesse caso, uma opção tentadora seria um Chablis, por sua salinidade, acidez e frescor. Sem dúvidas, vale a pena a tentativa. O ovo também pode ser uma referência na busca pela harmonização, pela dificuldade de se encontrar uma combinação óbvia. Nessa linha de raciocínio daria para pensar em um Jerez fino, uma sugestão inusitada e diferente.
Bacalhau à Casa feito com lascas de bacalhau grelhado no carvão, grão de bico, ovo e vinagrete de colorau português.
Encontrar o vinho ideal para este prato é uma tarefa difícil, mas, também por isso, podemos ousar. A receita é intensa. Os sabores do preparo do grão de bico como purê tendem a se sobressair.
O mesmo acontece com os condimentos, particularmente o colorau. Por ser uma mistura, há uma divisão de protagonismo entre os ingredientes, incluindo o bacalhau, o purê e os condimentos. Um tinto leve ou um rosé despontam como harmonizações promissoras. Do lado do tinto, uma opção sem madeira e de grande frescor funcionaria. Uma ideia seria um alentejano de corpo de leve para médio e boa acidez. Assim como um Bordeaux com fruta não tão intensa, acidez alta e corpo sutil. Em ambos os casos, os vinhos evitariam misturar fruta com o colorau, que poderia “roubar” o frescor do vinho. Além da intensidade de sabor, o bacalhau tostado no carvão tende a soltar aroma, tornando a combinação ainda mais desafiadora. Um caminho inusitado e um tanto inesperado seria arriscar um rosé com boa intensidade, fruta na medida, além de bom corpo e acidez. Essa combinação tem chances de ser uma surpresa interessante.
Um rosé versátil e elegante, elaborado com Touriga Nacional, com boa estrutura e persistência.
Bacalhau de Páscoa feito com lombo de bacalhau, cebolas caramelizadas, ovo cozido, azeitona preta, acompanhado de batata bolinha e arroz.
Por se tratar de um prato mais seco, um branco de maior acidez seria a melhor pedida. Nesse sentido, valeria a pena acompanhar com um Rioja branco de corpo médio, seco, de acidez presente, e toques salinos. Em alguns deles, as notas oxidativas (comuns e desejáveis) tendem a equilibrar e casar com o ovo. Se pensarmos na doçura da cebola, poderíamos optar por algo mais delicado e inegavelmente combinaria com um branco do Douro, geralmente um curinga nessas ocasiões, pois apresenta pegada mineral e intensidade de fruta madura (mas sem o excesso do Novo Mundo). Além disso, os durienses têm volume, porte e tensão para acompanhar o adocicado. Outra opção portuguesa, que contrabalancearia o prato com sua acidez seria um branco de Encruzado, casta típica do Dão.
Encruzado, a uva do momento em Portugal, ganha o reforço aromático da Malvasia neste vinho alegre que se destaca pela mineralidade e frescor.
Bacalhau da Serra da Estrela elaborado com um cozido com batatas, cebola, azeite, vinho branco, toque de natas e queijo de ovelhas.
O queijo e a batata têm peso neste prato. Há carga de sabor, com presença de elementos picantes e gordurosos. Um vinho tinto de médio corpo, com boa acidez e taninos mais sedosos para acompanhar o queijo, promete ótimos resultados. Uma opção pouco ortodoxa seria um Merlot da Patagônia. Tem acidez, médio corpo e fruta na medida certa. A uva tem maciez que acompanha bem o queijo. O frescor da Patagônia poderia se contrapor ao calor do prato.
Para os mais moderados, a harmonização por similaridade seria um branco barricado, intenso. O vinho aqui ofereceria intensidade e cremosidade para se equilibrar à batata e ao queijo, pois o peso de boca e o sabor intenso correspondem.
Bacalhau ao Zé do Pipo feito com postas coradas puxadas na cebola e no alho, cobertura de azeitonas, purê e maionese, pimentão, salsinha, gratinado ao forno.
O conjunto de ingredientes apresenta bastante sabor e textura. De um modo geral, este prato pede um branco mais estruturado ou um tinto leve. Há tintos com acidez para acompanhar o prato e volume de boca para se equilibrar com o conjunto dos ingredientes.
Têm peso nesse conjunto a azeitona, a salsinha, o pimentão e a cebola. Um branco leve certamente seria ofuscado, mas um com estrutura e estágio em madeira poderia funcionar muito bem. Ainda assim, talvez um tinto com corpo de leve para médio, mais direto e frutado, com acidez e frescor, ainda seja a opção mais segura.