Entrevista: Pablo Cúneo fala sobre a criação de vinhos na Luigi Bosca

Os passos de Pablo Cúneo para criar novos grandes vinhos na centenária Luigi Bosca

Eduardo Milan Publicado em 19/12/2024, às 08h40

Pablo Cúneo é o enólogo-chefe da Luigi Bosca desde 2017 - Divulgação

Em 2017, uma das mais antigas e respeitadas vinícolas argentinas, a Luigi Bosca, selecionou Pablo Cúneo para ser enólogo-chefe. Mesmo jovem, ele já contava com pelo menos 20 safras em sua história. “Comecei no ano de 1997, já são 27 colheitas. Nós, enólogos, contamos cada safra”, diz.

“Nasci e estudei em Mendoza. Basicamente, minha vocação era agronomia, pois gosto da natureza, sou apaixonado, gosto muito de passar o tempo pescando nas montanhas, andando... Antes de me formar como agrônomo, tive a oportunidade de começar a trabalhar na Bodegas Chandon, dentro da vinícola, andando entre os tanques, então lá aprendi de enologia e estive desde a safra de 1997 até 2002, fazendo bases de espumante”, rememora.

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Em 2002, fez a vindima com Terrazas de los Andes, “porque tinha um pouco de vontade e necessidade de aprender a fazer vinhos tintos”. Então passou para Terrazas, onde trabalhou até 2006.

“Foram quase dez anos no grupo Moët & Chandon (do qual fazem parte Chandon e Terrazas) e aí fui a uma pequena vinícola familiar – de duas famílias francesas –, Ruca Malen, fundada por Jean-Pierre Thibauld, ex-presidente de Chandon, e um sócio-amigo, Jacques-Louis Montalembert. Trabalhei com eles por 11 anos, de 2006 até 2017.”

“Em setembro de 2017, Alberto Arizu entrou em contato comigo, me disse qual era o seu projeto em Luigi Bosca (onde acontecia uma mudança geracional). Ele me convidou para trabalhar e aceitei. Entrei para a equipe da Luigi Bosca com a responsabilidade dos vinhedos e da vinícola”, revela.

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Desde então, Cúneo vem realizando um trabalho de compreensão da essência de Luigi Bosca e também criando novos vinhos, como o novo ícone Paraíso. Confira a conversa que tivemos com ele:

Quais eram os desafios quando ingressou em Luigi Bosca?

A verdade é que mudei de trabalho ou de equipe de trabalho duas ou três vezes e, a cada vez, mais que um desafio, eu experimentei como uma grande oportunidade. Toda vez que você muda, dá um passo para trás e se sente como se fosse espectador, assistindo às coisas, tentando entender, tentando se adaptar, mas também encontrando muitas oportunidades. Toda vez que você sai da sua zona de conforto, cresce. E minha experiência na Luigi Bosca teve a ver com isso, os desafios surgiram quando começamos a conhecer o estilo dos vinhos, os vinhedos. O maior desafio teve a ver com conseguir manter o DNA do estilo de Luigi Bosca, um estilo cunhado em mais de 120 anos, e que tem a ver com elegância, com complexidade, com harmonia, suavidade e adicionando um toque, um caráter mais fresco à fruta, colocar frutas em preponderância. Diria que foi um pouco do desafio que estamos alcançando ao longo dos anos, passo a passo, porque é um trabalho que começa na vinha, definindo o trabalho no vinhedo, as datas das vindimas, escolhendo os materiais com que fazemos o envelhecimento e toda essa jornada tem sido um desafio, mas ao mesmo tempo, também um grande aprendizado. Foi um desafio, mas, ao mesmo tempo, divertido.


O que está acontecendo agora?

Temos trabalhado em transformar o essencial que está na uva. Tornamo-nos obsessivos em tentar fazer o consumidor entender um lugar e uma variedade, essa combinação mágica, essa simbiose, essa ligação do lugar com a casta. Isso pode ser demonstrado em vinhos que são diferentes e únicos. Essa era a nossa obsessão. E, em busca disso, todos os trabalhos foram voltados para ter uvas com maior concentração de aromas, de sabores, processos de produção foram muito cuidadosos na extração desse potencial, fazendo-o de forma suave, onde procuramos a fruta como protagonista. Desenhamos todo esse caminho pensando em vinhos cada vez mais transparentes, de local e de casta, vinhos em que as frutas são as protagonistas, mas ao mesmo tempo sem perder aquela característica de elegância, suavidade e complexidade, que é o DNA de Luigi Bosca.

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Como maneja o vinhedo para chegar a isso?

Hoje, temos 530 hectares de vinhedos distribuídos em três das áreas mais prestigiadas da província. Mas quando você vai a uma parcela e começa a estudar o solo, descobre que, no mesmo pedaço de terra, em 3 hectares, os solos são muito diferentes de uma ponta à outra. Então a agricultura de precisão, que é uma tecnologia que começamos a usar há alguns anos, faz a diferença. Hoje, o que estamos procurando é colher as parcelas individuais, dependendo do seu ponto de maturidade. Entender o solo nos permite entender a forma como irrigamos. Hoje, o conceito de terroir combina clima, solo, planta e ação do homem. A ação do homem envolve a irrigação e como gerencio a vinha.

Qual a importância da irrigação?

Em Mendoza, os solos são aluviais, pobres, bem drenados, mas são muito heterogêneos. Em uma parcela, em uma ponta, você pode ter um perfil de solo com um metro e meio de terra com argila, silte, argila arenosa e, na outra extremidade, apenas 30 centímetros de pedra, leito do rio. A água nesses dois lugares não vai se comportar da mesma forma. Em um solo profundo, você tem que regá-lo com menos frequência porque vai conter uma capacidade de água maior do que em um solo arenoso e curto. Entender isso levou muito tempo. E como essas áreas vão amadurecer de forma diferente, é preciso ser capaz de separá-las no momento da colheita. Um solo mais pobre, onde a maturidade ocorre mais rápido, as colheitas são feitas mais cedo. Um solo mais profundo, com uma planta com maior vigor, a maturidade leva mais tempo... E então, é claro, esses pedaços de solo devem ser separados na vinícola, o que obriga a ter tanques cada vez menores. Às vezes, vinificamos em pequenas barricas, dois ou três setores de um vinhedo e o restante em um tanque. Bem, todos esses detalhes se somam para atingir a meta de qualidade que queremos.

É sempre um tema de precisão e de mudança de visão?

Quando me perguntam o que é ser enólogo ou o que é enologia, é a combinação perfeita de ciência e arte. Todas as decisões que você toma e todo o trabalho que faz têm a ver com ciência. E as decisões também são tomadas por degustação, então você tem que ser sensível, e aí cai na parte da arte.

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Voltando ao tema da irrigação... a planta precisa estar estressada?

Isso era uma "cópia e colagem" do que estava acontecendo na Europa e de um conhecimento que emergiu na Europa a partir do estudo nos anos 1980, 1990, do que acontecia em alguns solos. Quando a vinha tinha certos níveis de estresse, isso estava associado a uma melhor qualidade. Mas isso é válido para um clima em que não há estresse ambiental, onde chove e onde o solo é importante para gerir a água – solos que talvez fossem mais permeáveis e tivessem um teor de água mais equilibrado e ajudavam na qualidade. Se você transporta isso para Mendoza, onde o estresse é natural, porque temos umidade relativa muito baixa, temperaturas muito altas, ali procuro plantas que estejam felizes, então o conceito de estresse muda. Isso levou vários anos para entender, vários vinhedos secos, infelizmente, e hoje falamos sobre restrição hídrica em alguns momentos de desenvolvimento para incentivar um tamanho de grão menor ou para a planta desenvolver mais antocianinas ou cor, e assim ter vinhos com mais concentração.

Isso obviamente teve impacto nas datas de colheita.

Claramente o estilo de vinhos que consumimos muda. Há 20 anos, ao provarmos os vinhos na Argentina ou na Califórnia, na Austrália ou no Chile, íamos encontrar vinhos com mais concentração, talvez com maior teor alcoólico, uma extração mais forte e uma presença mais importante da madeira. E hoje estamos voltando a um estilo em que queremos mostrar a fruta. E, nessa perspectiva, é importante ser mais preciso com as datas de colheita. Talvez hoje o conceito de maturidade tenha mudado, queremos frutas, mas uma fruta que não esteja madura demais, um álcool mais moderado e um equilíbrio na boca que tende mais para a elegância, suculência, diferente daqueles vinhos monolíticos que são impressionantes com uma taça, mas você não toma duas.

Acha que esse estilo opulento vai voltar um dia?

Acho que não e também não adiro ao comportamento de pêndulo, porque não é bom ir de um extremo ao outro. Aliás, se há algo que admiro desde o início de Luigi Bosca é que sempre esteve em um padrão de vinho onde não havia exageros. Sempre houve elegância, austeridade, são vinhos diretos que falam da fruta, talvez com caráter mais ou menos envelhecido, mas sempre um estilo de elegância. Hoje a tendência é acomodar, todos estão migrando para frutas, frescor, álcool mais moderado, então acho que não vai voltar. E prova disso é o consumo de vinhos brancos, rosés e espumantes que está crescendo. Porque são vinhos mais fáceis de entender, e isso não significa que sejam vinhos simples. Na verdade, a produção de brancos é muito desafiadora, às vezes mais desafiadora do que a dos tintos, porque todo o jogo é jogado nas primeiras horas desde a colheita até a obtenção do mosto, por isso são vinhos muito técnicos, de muito conhecimento, mas ao mesmo tempo são frescos, mais fáceis, mais versáteis com as ocasiões de consumo. A tendência vai para vinhos que nos causam prazer e que nos convidam a experimentar uma segunda, terceira taça, ou melhor, a abrir uma segunda garrafa.

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Como mudou a interpretação do ícone de Luigi Bosca?

Cinco anos atrás, começamos a conversar com Alberto Arizú Hijo sobre como deveria ser nosso vinho ícone, nosso vinho do futuro. Como vemos o estilo de Luigi Bosca no futuro? E foi aí que começamos a falar sobre as características que um vinho de classe mundial tinha que ter. E, trocando ideias, conversamos sobre essa fruta, elegância, complexidade, provando vinhos que vínhamos fazendo, e foi aí que surgiu a ideia que nosso ícone tem que ter esses atributos, e são vinhos que têm que nos levar para o futuro. Luigi Bosca tem uma história de 120 anos, mas a vida continua e temos que projetá-la por mais 120 anos. E foi aí que surgiu a ideia de fazer um vinho. Ele me perguntou: qual deve ser a origem da uva? Minha resposta natural foi: a melhor origem. Hoje temos 530 hectares cultivados, além de vinhas que também compramos, uma paleta de opções em áreas muito boas. Naqueles vinhedos, o que fizemos foi procurar equilíbrio na vinha, trabalhá-la, dividi-la, microvinificar separadamente e depois fazer os estágios. Toda vez que você começa a separar, encontra pequenas pérolas que, de outra forma, não apareceriam, você as teria perdido misturadas no todo. E aquelas pérolas estagiadas separadamente são as que usamos para fazer esse corte de Paraíso. Esse foi um pouco do caminho que percorremos. Nesse caminho, discutimos a data da colheita, estilo de vinho, estilo de fruta, que tipo de recipiente usamos para envelhecimento... É uma soma de detalhes que foram invocados em Paraíso 2019, que foi para mim o meu primeiro grande vinho em Luigi Bosca. E compartilhando essa conversa com Alberto Arizu, ele me disse: “é também meu primeiro grande vinho”, porque Alberto, quarta geração, assumiu a gestão da empresa há cinco, seis anos.

Antes tinha Ícono, mas era um vinho com outra interpretação, certo?

Ícono é um vinho de outra época. A última safra que fizemos foi 2018 e fala da geração anterior da família e de um vinho com os conceitos de 20 anos atrás. Ícono nasceu em 2005 e é um grande vinho. Mas Paraíso conta outra história e de alguma forma projeta o futuro para nós.

São vinhos clássicos?

Existem adjetivos que é melhor ter cuidado ao expressá-los. O clássico para mim é um adjetivo muito bom. O moderno tem que ser explicado um pouco mais. O que é moderno? Eu não sei o que é, se é fruta ou não. Para mim, um clássico é um vinho sempre em vigor, sempre atual, um vinho que fala do lugar, da casta, que tem fruta, que enche a boca, mas sem ser excessivamente concentrado, ao mesmo tempo elegante, longo, a acidez dá-lhe suculência. Todos esses elementos fazem um vinho que tem sua personalidade e você pode identificá-lo e rastreá-lo ao longo dos anos. São vinhos que voltam a ser válidos para toda a vida e transcendem o tempo.

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Teria um ícone branco?

A pergunta é boa, porque Alberto e eu discutimos muito sobre a identidade dos vinhos. E o vinho tem que ter um nome, uma identidade, assim como meu nome é Pablo Cúneo, e sou como sou, Paraíso tem que ter sua identidade, seu DNA. Não é uma linha de vinho Paraíso, é um vinho. Nos últimos anos temos procurado áreas de vales altos e muito frios e, se Deus quiser, na colheita 2023 teremos dois ou três lotes para lançar um branco.

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