O que faz com que a região de Toro se destaque na Espanha?

Além dos vinhos o Toro teve papel fundamental no descobrimento da América pelos espanhóis

Arnaldo Grizzo Publicado em 28/08/2023, às 11h00

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Dizem que o frei Diego de Deza teve um papel decisivo na história do descobrimento da América. Nascido em Toro em 1443, arcebispo de cidades como própria Zamora, Salamanca ou Palencia e confessor da rainha Isabel, ele também era amigo pessoal de Cristóvão Colombo.

Para muitos historiadores, foi ele quem serviu de intermediário entre o aventureiro e os Reis Católicos, concretizando a viagem “para as Índias”. E segundo lendas, além de influenciar a expedição, Diego de Deza assegurou que não faltasse vinho de sua terra natal nas provisões das três conhecidas caravelas (Niña, Pinta e Santa María).

E como se isso não bastasse, também se diz que ele teria sido o encarregado de batizar Pinta, nome escolhido em referência a uma medida de capacidade que se usava na cidade de Zamora – “um trago de vinho”.

Se os vinhos dessa região no coração de Castela e Leão, entre Zamora e Valladolid, foram os primeiros a chegar na América, definitivamente é algo bastante controverso, todavia, sabe-se que as bebidas de Toro possuem uma história longeva e durante muitos anos foram favorecidas pelos reis das regiões ao norte da Espanha.

Diz-se que os primeiros vinhedos vieram com os assentamentos romanos ou talvez até antes. Mas as evidências mais recentes de plantações de vinhas em Toro remontam ao século XI, na época da Reconquista. E novamente as lendas dizem que muitas das batalhas da reconquista contra os muçulmanos foram vencidas graças aos vinhos Toro.

Uma vez consolidada a Reconquista, procedeu-se ao repovoamento com população de Aragão e à plantação de vinhas. Os espanhóis alegam que nome geográfico de Toro, como área produtiva, é reconhecido desde o século XI. No ano de 1208, o Rei de Leão, Alfonso IX, cedeu 20 “aranzadas” de vinhas, situadas em Toro, à Catedral de Santiago de Compostela.

No século XIII, a vinha aumentou em consequência da procura dos holandeses e ingleses para poder fazer destilados. A valorização dos vinhos Toro se reflete em 1274 nas ordenações municipais de Oviedo e Santander e, em 1340, Alfonso XI concedeu privilégios aos vinhos locais. E sim, os vinhos Toro foram celebrados na literatura. O famoso Arcipreste de Hita em seu “Livro do Bom Amor” menciona os vinhedos locais.

Seguindo na história, em 1 de março de 1476, os Reis Católicos venceram a batalha do Toro, nas vinhas de Valdefama. Afirma-se que toda a economia da região girava em torno do vinho, tantos que, em 1504, os reis foram obrigados a restringir os direitos de plantação por lá.

Mais recentemente, ao longo do século XIX, as vinhas destas terras conheceram uma forte expansão, tornando-se num dos pilares econômicos da região, até atingirem o máximo com as exportações para França devido à crise da filoxera.

Em 1933, a região do Toro já era mencionada no Estatuto do Vinho, o início das denominações de origem em Espanha, tendo mesmo sido criada a estação de viticultura e enologia de Toro em 1914, até 1937.

Na década de 1970, foram dados os primeiros passos para a elaboração daquilo que com o passar do tempo viria a ser a Denominação de Origem Toro, que se concretizou em 1987. Atualmente, o Conselho Regulador da Denominação de Origem Toro tem 63 vinícolas cadastradas.

Lugar privilegiado

A área de produção dos vinhos abrangidos pela D.O. Toro está localizada a sudeste da província de Zamora e a sudoeste da província de Valladolid, no extremo oeste da região de Castela e Leão. Inclui parte das regiões naturais de Tierra del Vino, Valle del Guareña e Tierra de Toro.

A extensão total da área cobre 62.000 hectares, sendo a parte destinada à vinha de 8.000 hectares, dos quais 5.418 estão registados no Conselho Regulador, pertencentes a 981 viticultores inscritos.

Durante muitos anos, os tintos de Toro ficaram relegados a um segundo plano na vitivinicultura espanhola graças à enorme fama de duas regiões bastante próximas: Rioja e Ribeira del Duero.

No entanto, nos últimos anos, com investimentos crescentes e produtores renomados, a região vem saindo dessa sombra e mostrando que tem potencial para criar alguns dos mais aclamados vinhos de toda a Espanha. Vinícolas como Numanthia, do grupo LVMH, Pintia, do grupo Vega-Sicilia, Teso La Monja, San Roman, Vertus, Elias Mora etc., são alguns dos principais expoentes de Toro.

Terroir

A região caracteriza-se por um clima que varia do semiárido ao extremo continental com influências atlânticas, de caráter árido. As precipitações anuais são de 350 a 400 mm. As temperaturas médias de -11 a 37ºC. A combinação do frio intenso no inverno e depois muitas horas de sol criam boas condições para as vinhas.

Solo composto por sendimentos e frio intenso no inverno e depois muitas horas de sol criam boas condições para as vinhas

 

O solo é composto por sedimentos de arenito, argila e calcário do Plioceno, que na superfície dão origem a solos calcários marrons. Eles alternam de materiais siltosos a arenitos grossos e finos com níveis de calcário e margas detríticas formadas durante o Mioceno. A altitude das vinhas situa-se entre os 620 e 870 metros. Vale lembrar que a região é cortada pelo rio Duero, que exerce grande influência no clima local.

Tinta de Toro

Após a invasão da filoxera na Espanha no ano de 1870, o cultivo da vinha sofreu uma grande reconversão, e é em Toro que a casta Tinta de Toro – cujas características ampelografias são muito semelhantes às da Tempranillo ou Tinto Fino – tem as suas raízes em solos arenosos e bem drenados, conservando até hoje a multiplicação da vinha em pé franco.

Em 1990, a Junta de Castilla y León aprofundou-se num plano de seleção clonal e sanitária da vinha, resgatando e multiplicando as castas autóctones, entre as quais a Tinta de Toro, que atualmente goza do selo de certificação como casta autóctone, com o seu nome próprio, com características agronômicas e ampelográficas bem definidas.

Seu comércio é emitido com uma etiqueta azul e seu número de clone correspondente. Toro é assim uma região repleta de vinhas velhas.

Tinta de Toro, casta típica da região cujas características ampelograficas são muito semelhantes às da Tempranillo ou Tinto Fino

Além da Tinta de Toro, a Garnacha Tinta, a Verdejo, a Malvasía Castellana, a Albillo Real e a Moscatel de Grano Menudo são autorizadas na denominação. A Garnacha também é conhecida localmente como Tinto Aragonés ou Tinto Navarro.

Para levar o nome de Tinta de Toro no rótulo, os vinhos devem conter pelo menos 75% das uvas desta variedade. Já os que levam o nome de Garnacha Tinta precisam ter pelo menos 85% de uvas desta casta.

Os tintos podem ter cinco classificações: Joven (sem passagem por madeira), Roble (com passagem), Crianza (estágio mínimo de 2 anos, sendo seis meses pelo menos em barricas), Reserva (três anos de estágio, sendo pelo menos um em madeira) e Gran Reserva (cinco anos de estágio, sendo 1,5 pelo menos em barrica). Brancos e rosados podem ser feitos apenas no estilo Joven.

Os brancos podem ser elaborados com as castas Malvasía Castellana, Verdejo, Albillo Real ou Moscatel de Grano Menudo em monovarietal ou em blend. Os rosados devem ser feitos pelo método tradicional de sangria com macerações curtas a frio e posterior fermentação a baixa temperatura.

Os tintos de Toro costumam ser considerados muito encorpados e potentes, isso graças ao clima da região que favorece a maturidade das uvas e, em parte, às técnicas enológicas utilizadas.

No entanto, a riqueza de vinhas velhas e também diferentes visões de determinados produtores vêm mostrando que os vinhos podem ter carácter distinto e bastante complexo, revelando nuances do terroir de Toro, que faz com que a região tenha se tornado expoente em ícones nos últimos tempos. 

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