Conheça os vinhos e detalhes da região de Arbois, o coração do Jura , uma das primeira s denominações francesas
Arnaldo Grizzo Publicado em 12/11/2024, às 08h00
O cantor Jacques Brel, entre seus sucessos (dos quais “Ne me quitte pas” é certamente o mais retumbante), tem um clássico chamado “Le Dernier Repas”. Nessa sua lista de coisas que faria em sua “última ceia”, o compositor enumera, logo no início, que quer ver seus irmãos, vizinhos etc à beira-mar e “eu quero que bebamos lá, além do vinho sacramental, deste vinho tão lindo que bebemos em Arbois”.
Arbois tira sua etimologia do celta “ar” e “bos” que significa “terra fértil”. Ela foi uma das primeiras Appellation d'Origine Contrôlée (AOC) francesas em 15 de maio de 1936. Esta denominação está distribuída por 13 municípios com um total de 843 hectares. Além disso, Arbois também é a terra onde Louis Pasteur desenvolveu o seu trabalho sobre as doenças do vinho. A cidade no coração do Jura e seus vinhos começaram a se destacar durante a Idade Média.
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Diz-se que, até 1260, Arbois era apenas uma vila sem defesa. Entre 1260 e 1270, foram construídas muralhas. Ao longo da sua história, a cidade enfrentou sete cercos, o primeiro em 1364, quando mercenários tentaram, sem sucesso, invadi-la.
Há muito equilibrado entre o Sacro Império Romano e o Reino da França, o senhorio de Arbois foi nos séculos XVI e XVII uma terra dos príncipes de Habsburgo e dos reis de Espanha. A cidade tornou-se francesa em 1674 após o cerco de Luís XIV. Pelo Tratado de Nimegue de 1678, a Franche-Comté tornou-se parte da França.
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Desde a Idade Média, as aristocracias e os mosteiros desempenharam um papel crucial na origem e no estabelecimento da viticultura em Arbois, garantindo sua reputação. Duques e condes não apenas plantaram vinhas, mas também promoveram a fama dos vinhos da região, que rapidamente conquistaram as cortes da França, Borgonha e até mesmo dos papas em Avignon. Os vinhos de Arbois, por vezes chegaram a ser chamados de "vinhos de reis" e tornaram-se um símbolo de prestígio.
A popularidade desses vinhos foi amplamente celebrada na literatura. Em 1285, o vinho de Arbois foi mencionado no poema "Le Tournoi de Chauvency", do trovador Jacques Bretel. Em 1530, Pierre Attaingnant exaltou o vinho Arbois em sua canção "Tourdion", associando-o à alegria e ao prazer de viver: “Quando bebo vinho claro / Amigo, tudo gira, gira, gira, gira / Então agora eu bebo / Anjou ou Arbois / Vamos cantar e beber, vamos fazer guerra a essa garrafa / Vamos cantar e beber, amigos, vamos beber!”
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No século XVI, outros autores também reconheceram a excelência dos vinhos de Arbois. Em 1546, Barthélémy de Chasseneux, natural da Borgonha, incluiu o vinho de Arbois em seu “Catalogus gloriae mundi”. Em 1564, Rabelais mencionou o vinho de Arbois no "O Quinto Livro de Pantagruel", afirmando que era necessário passar pelo “templo da Divina Garrafa” antes de apreciar um vinho tão distinto como o de Arbois.
Em 1550, Gilbert Cousin elogiou o vinho em sua "Descrição de Franche-Comté", enquanto em 1592, Louis Gollut, em sua "História da República dos Séquanes e dos Príncipes de Franche-Comté de Borgonha", exaltou os vinhos brancos de Arbois, afirmando que não podiam ser igualados por nenhum outro da Borgonha. No século XVIII, a reputação do vinho de Arbois era tamanha que, em 1781, Louis-Sébastien Mercier relatou que os sargentos recrutadores admitiam não poder prometer aos novos recrutas o luxo de "extraordinários, patês e vinho de Arbois".
Alguns fatos curiosos ocorreram durante a Revolução Francesa. Em 1834, os vinicultores proclamaram a República de Arbois em apoio à Revolta dos Canuts e marcharam para Poligny. Durante a insurreição de 13 de abril, os moradores de instituiram a República “no sin tou t’sefs”, “somos todos líderes”. Mas a ordem foi restabelecida alguns dias depois.
No século XX, a fama dos vinhos de Arbois foi reforçada pela gastronomia e publicidade. Em 1926, Curnonsky, um famoso gastrônomo, incluiu o Château-Chalon entre os cinco melhores vinhos brancos do mundo (os outros eram Château Grillet, Château d'Yquem, Montrachet e La Coulée de Serrant). Em 1952, Henri Maire, conhecido por suas habilidades de comunicação, fez uma ação ousada ao emparedar garrafas de Vin Jaune no restaurante parisiense La Tour d'Argent. Na mesma época, o chef André Jeunet popularizou o “coq au vin” com vin jaune no Hôtel de Paris.
A denominação Arbois compreende o território das seguintes vilas: Abergement-le-Grand, Arbois, Les Arsures, Mathenay, Mesnay, Molamboz, Montigny-lès-Arsures, Les Planches-près-Arbois, Pupillin, Saint-Cyr-Montmalin, Vadans e Villette-lès-Arbois. A área de vinhedos estende-se por cerca de 770 hectares, sendo que Arbois responde pela maior parte dos vinhos produzidos no Jura.
O clima da denominação é continental, com muitas semelhanças com a região da Borgonha, com verões quentes. No entanto, tende a ser mais frio durante o inverno, o que pode ser explicado pelas altitudes de 300-400 mm acima do nível do mar. Os solos consistem principalmente de calcário, aluvião e argila; marga também é encontrada ocasionalmente. Essa diversidade de solos também contribui para as várias uvas cultivadas na região.
As principais castas dos vinhos são Chardonnay e Savagnin, para os brancos, e Pinot Noir, Poulsard e Trousseau, para os tintos e rosés. Vale apontar que os brancos também podem contar essas três castas tintas como “acessórias”, assim como as duas brancas também podem ser usadas nos tintos e rosés. Desde 2021, contudo, outras cepas foram autorizadas desde que estejam de acordo com o INAO. Vale lembrar que a região também é conhecida por seus Vin de Paille (vinho de palha) e Vin Jaune (vinho amarelo). Este último só pode ser feito com Savagnin (e Enfariné desde que autorizada), enquanto o Vin de Paille pode conter Chardonnay, Poulsard, Savagnin e Trousseau.
O rendimento máximo permitido é de cerca de 60 hectolitros por hectare para vinhos brancos e 55 hectolitros por hectare para vinhos tintos. Para Vin Jaune e Vin de Paille, o rendimento permitido é ainda mais baixo devido à natureza desses vinhos.
A produção do Vin Jaune é uma especialidade do Jura, de origem obscura, e segue regras rigorosas. Este vinho é feito exclusivamente com a uva Savagnin. O processo de vinificação envolve a preservação das leveduras naturais que formam o "véu" sobre o vinho. As uvas são colhidas no ponto de maturidade ideal e vinificadas em um vinho branco seco. Em seguida, o vinho é envelhecido em barris de carvalho sem ser completado (sem “ouillage”) por no mínimo 6 anos. Durante esse tempo, um véu de leveduras se forma naturalmente na superfície do vinho, controlando a oxidação ao longo do envelhecimento. O Vin Jaune é então engarrafado em uma garrafa específica de 62 centilitros chamada "Clavelin".
A produção do Vin de Paille é outra especialidade do Jura. Para obter alta concentração de açúcar em um clima geralmente úmido e frio, as uvas selecionadas passam por um processo de passificação por pelo menos seis semanas. As uvas são penduradas em fios de arame ou colocadas em pequenas caixas perfuradas ou esteiras de palha (daí o nome), armazenadas em ambientes secos e bem ventilados, mas não aquecidos. Após a passificação, as uvas são prensadas lentamente, resultando em um rendimento muito baixo de suco extremamente doce, que fermenta lentamente para criar um vinho doce e concentrado.
Além dos clássicos Vin Jaune e Vin de Paille, uma grande variedade de vinhos tintos, brancos, rosés e espumantes são produzidos na denominação de origem Arbois. Os vinhos tintos de Arbois podem ser mais leves e aromáticos quando produzidos com a uva Poulsard, ou mais encorpados quando feitos com Pinot Noir.
Os rosés, produzidos principalmente a partir da uva Poulsard na região de Pupillin, podem receber o rótulo AOC Arbois-Pupillin. Há também uma grande variedade de vinhos brancos secos, principalmente feitos com Savagnin. Esses vinhos, por sinal, podem ter uma diversidade de cores que se deve em grande parte ao fato de que os brancos podem ser feitos de até 20% de uvas tintas – e vice-versa.