Britânicos e muito mais: por que o termo claret ainda é utilizado para os tintos de Bordeaux
por Arnaldo Grizzo
Claret foi o nome dado pelos ingleses para a bebida rosada escura que era produzida em Bordeaux na ocasião. Esse estilo de vinho prosperou em terras bordalesas até o século XVIII. No entanto, apesar de Bordeaux ter se tornado sinônimo de blends mais potentes com o passar dos anos, o termo claret permaneceu. Até hoje, muita gente, especialmente os britânicos, ainda chamam qualquer tinto bordalês de claret.
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O uso indiscriminado do termo fez com que surgissem variações e claret também se tornou sinônimo de um vinho tinto condimentado. Aliás, há quem acredite que, por causa disso, a origem seja anterior à ocupação inglesa de Bordeaux, já que claret seria uma variação do latim clarus ou claratum, que designaria uma bebida de cor pálida.
A mistura de vinho, especialmente os mais leves, com especiarias, é uma tradição desde os povos antigos e permaneceu durante séculos. A ideia de o claret ser mais do que apenas um vinho rosado sustenta-se no fato de haver receitas para prepará-lo que datam da Renascença, quando Francisco I, da França, um amante da boa mesa, consumia grandes quantidades de vinho.
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Seu preferido era o claret cuja preparação consistia em: “colocar em uma bolsa: 20 gramas de canela, 20 gramas de gengibre, 20 gramas de flor de noz-moscada, 7 gramas de cravo, 7 gramas de noz-moscada, 3 gramas de anis, 3 gramas de cardamomo em pó. Despeje o vinho tinto, em seguida, torça o pano”.
No entanto, a fama do claret começou a se formar mesmo no século XII, quando Henrique Plantagenet, futuro Henrique II, rei da Inglaterra, casou-se com Eleanor da Aquitânia – duquesa da Aquitânia, Gasconha e Normandia, condessa de Anjou, Maine e Touraine, ex-esposa de Luís VII, rei da França.
Ela foi uma das mulheres mais ricas e poderosas da Europa na Idade Média, herdeira de grandes porções de terra, e o casamento com Henrique fez com que a Inglaterra dominasse grande parte do oeste da França, incluindo, obviamente, Bordeaux.
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Apesar de ter sido um porto de comércio importante durante o Império Romano, na era medieval, o porto de La Rochelle, mais ao norte de Bordeaux, era mais próspero e relevante. No entanto, quando os franceses atacaram a Aquitânia, La Rochelle logo sucumbiu e Bordeaux se tornou a principal ligação comercial com a ilha inglesa.
Na época, como dito anteriormente, o vinho bordalês não tinha grande reputação – descrito, aliás, como insípido e, muitas vezes, costumava ser “melhorado” com vinhos de Cahors, por exemplo. Ainda assim, graças ao intenso comércio entre continente e ilha – era a maior rota de navios do mundo na época –, o claret ganhou força e mais de 900 mil hectolitros chegaram a ser exportados para os britânicos. Com essa profusão de vinho francês, dito “clairet”, logo os ingleses adaptaram o nome para “claret” e o termo pegou.
Vale lembrar que até o século XVII, os “grandes” vinhos bordaleses eram de Graves ou Saint-Émilion, pois ainda não existiam os famosos Châteaux do Médoc, como Lafite, Latour, Margaux e Mouton, por exemplo.
Até essa época, boa parte dos locais onde hoje estão vinhedos clássicos de Bordeaux eram, na verdade, pântanos alagados. O nascimento desses clássicos só ocorreu graças à drenagem da região feita por holandeses.
Pouco antes, porém, um célebre produtor de Graves, Arnaud III de Pontac já havia aberto uma taverna em Londres para vender seus vinhos. A “Pontack’s Head” vendia o Haut-Brion. Nessa época, há indícios de que os vinhos bordaleses já haviam mudado consideravelmente, parecendo mais com os blends que conhecemos atualmente.
O domínio inglês em Bordeaux também havia terminado. Britânicos ou quaisquer outros estrangeiros estavam proibidos de estabelecer suas próprias operações dentro dos limites da cidade. Assim, eles se estabeleceram nas margens do Garonne, na Quai des Chartrons. O comércio com a ilha continuava intenso e, para os ingleses, os clarets já haviam se tornado sinônimo de vinho bordalês. Nessa época, floresceram os “new french clarets”, os vinhos dos Châteaux, apreciados pela aristocracia inglesa.
Mais de 110 milhões de garrafas faziam o trajeto entre Bordeaux e os portos de Bristol, Londres, Leith e Dumbarton anualmente. Estima-se que, no século XIV, havia tanto vinho francês no mercado britânico que cada habitante da ilha, incluindo mulheres e crianças, teria acesso a seis garrafas por ano.
Apesar de os franceses nunca terem adotado o termo claret, mesmo com o enorme sucesso no mercado britânico, recentemente, em 2011, a associação de vitivinicultores locais decidiu adotá-lo para se referir a vinhos leves e frutados, fáceis de beber, de denominações mais genéricas de Bordeaux. Há até uma denominação genérica Bordeaux Clairet para vinhos de cor rosada profunda ou vermelha mais pálida – que imitariam os antigos clarets. No entanto, hoje, o termo, quando usado, refere-se genericamente aos tintos de Bordeaux, sem especificar o estilo.
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