Os mais famosos vinhedos Premier Cru da Borgonha

Uma seleção de 10 dos mais famosos vinhedos Premier Cru da Borgonha

Arnaldo Grizzo Publicado em 10/03/2023, às 12h00

- Divulgação

A hierarquia dos vinhedos da Borgonha diz que no topo da pirâmide estão os Grand Cru. Eles são apenas 1% do território historicamente mapeado pelos monges cistercienses que, ao longo dos anos, delimitaram os conjuntos de vinhedos que mais se destacavam. Ao todo, são apenas 33 locais “especiais”, cujos climats (como os borgonheses chamam esse pedaço de terra demarcado após séculos de reconhecimento) são venerados mundialmente, tal como Romanée-Conti, Richebourg, Montrachet etc. Eles geralmente originam os vinhos mais caros da Borgonha (quando não do mundo todo).

Mas logo abaixo dos Grand Cru estão os vinhedos ditos Premier Cru. Há cerca de 700 climats espalhados pela região com essa classificação. Boa parte dessas vinhas fica ao redor de vinhedos da mais alta estirpe, algumas quase que literalmente coladas em alguns clássicos (às vezes rodeadas), mas, ainda assim, não ostentam a mesma fama de seus vizinhos. No entanto, há alguns Premier Cru que possuem status muito elevado, que, em determinadas circunstâncias, podem competir com certos Grand Crus, até mesmo em preço.

Quais seriam então os “primus inter pares” (primeiros entre os iguais) nesta categoria? Há diversos, mas ADEGA decidiu selecionar, em diferentes regiões, 10 vinhedos cujas histórias e relevância são bastante notórias. Confira a seguir.

Gevrey-Chambertin Premier Cru Clos St-Jacques

Alguns dos melhores vinhos de Gevrey, excluindo os Grand Cru, estão ao norte da estrada que atravessa Combe de Lavaux até Chamboeuf. Lá estão os Premier Crus Les Cazetiers, Lavaux StJacques, Les Goulots e Estournelles-St-Jacques, mas o grande destaque é o Clos St-Jacques, com 6,7 hectares de vinhas muradas. Ele possui status de um semi-Grand Cru e é dominado por apenas cinco produtores. Acredita-se que o nome venha de uma capela que existia na área e as vinhas eram dedicadas a St-Jacques. Há quem afirme que um vinho de Clos St-Jacques pode ser facilmente confundido com um Chambertin. O Domaine Rousseau, por exemplo, diz que ele supera seus Grand Cru de Ruchottes, Mazis e Clos de la Roche.

Chambolle-Musigny Premier Cru Les Amoureuses 

Dificilmente alguém apontaria outro que não Les Amoureuses como o principal Premier Cru de Chambolle. O vinhedo já foi conhecido como “Musigny Amoureuses”. Seus preços, muitas vezes, tendem a ser equivalentes aos dos Grand Cru da região e comparados aos de Musigny. Aliás, na estrada de Chambolle para Vougeot, Les Amoureuses, com 5,4 hectares, está à esquerda e Musigny à direita (Amoureuses compartilha praticamente os mesmos tipos de solo), e não muito distante estão Clos de Vougeot, Les Echézeaux e Vosne-Romanée. O vinho local é frequentemente chamado de “esposa de Musigny”, a primeira-dama de Chambolle. Não se sabe o porquê da origem do nome “os amantes”.

Nuits St-Georges Premier Cru Les Saint Georges 

No final do século XIX, este vinhedo deu a Nuits o seu nome atual. Definitivamente o mais destacado dos 35 Premier Crus de Nuits, Les Saint Georges tem 7,52 hectares e diz-se que não recebeu status de Grand Cru devido à modéstia de seu vigneron mais famoso, Henri Gouges, que, por estar envolvido na regulamentação inicial em 1936 (veja box), não reivindicou qualquer vinhedo de sua comuna com o status mais alto. Um pedido de reclassificação chegou a ser feito, mas até hoje não foi atendido e Nuits não tem um Grand Cru sequer. De acordo com estudos sobre os vinhedos de Nuits, este é um dos mais antigos da comuna, plantado no ano 1000 e pertenceu a uma irmandade de St-Georges.

Pommard Premier Cru Les Rugiens 

Pommard não é uma região muito prestigiada, tanto que não tem nenhum vinhedo classificado como Grand Cru. Todavia, entre seus Premier Crus há alguns destaques como Epenots, Pézerolles, Jarollières, mas especialmente Les Rugiens. O nome deriva dos solos vermelhos (“rouge”) encontrados no local, ricos em óxido de ferro. O vinhedo de 12,66 hectares é divido em dois, Hauts e du Bas, sendo este último o setor mais destacado. Em geral, o Rugiens Bas apresenta maior profundidade e finesse e é um vinho mais complexo do que o Rugiens Haut. Seu principal “rival” na área é o Premier Cru Les Epenots, outro “proponente” ao status de Grand Cru.

Volnay Premier Cru Les Caillerets 

Apesar de não ter um Grand Cru, Volnay tem vários Premier Crus de alto gabarito. Champans, Clos des Chênes, Clos des Ducs, Bousse d’Or, Taillepieds e Santenots du Milieu (localizado em Meursault, mas com direito à designação Volnay em tinto, caso contrário, Meursault) são alguns dos postulantes a um status acima de seus irmãos, mas selecionamos aqui Les Caillerets, de 14,33 hectares, com suas três designações: Les Caillerets Dessus, En Cailleret e o Clos des 60 Ouvrées (dentro de Caillerets Dessus). Assim como seus pares locais, o vinhedo pertenceu à monarquia francesa. “Cailles” deriva de cailloux, que significa pedregoso, e o sufixo “ret” provavelmente indica um diminutivo. O termo é bastante comum na Borgonha, batizando outros vinhedos em Chassagne, Volnay, Puligny e Meursault, por exemplo.

Meursault Premier Cru Les Perrières

Os dois mais celebrados Premier Cru de Meursault certamente são Les Genevrières e Les Perrières. Este último é o que fica mais alto na encosta (o que faz com que suas uvas maturem mais cedo) e tem 13,72 hectares.

O nome indica a presença de pedras e sugere que no local havia uma antiga pedreira ou a formação do solo tenha sido resultado de uma erosão.

O vinhedo é dividido em vários setores, sendo que Perrières Dessous e Clos des Perrières são considerados os melhores. Diz-se que os vinhos locais têm mais estrutura e mais tons minerais do que seus vizinhos, incluindo Les Charmes, outro grande nome da região (que não tem nenhum vinhedo Grand Cru).

Puligny-Montrachet Premier Cru Les Pucelles

Não se sabe a história exata d’As Virgens’ de Montrachet. Lendas dizem que elas seriam as filhas de um nobre senhor de terras (ADEGA já escreveu sobre isso, veja box). Mas sabe-se que o vinhedo, de 6,66 hectares, está cercado pelos Grand Crus da área e por muito pouco não compartilha desse status (acredita-se que não mereceu a honraria por estar em um local mais baixo). Os solos de Pucelles são visualmente idênticos aos de Bâtard, Bienvenues e Montrachet. Especialistas apontam que no vinho não há diferenças para Bâtard-Montrachet, podendo ser facilmente confundido. Seu vizinho, o Premier Cru Le Cailleret é outro postulante a um posto mais elevado.

Vosne-Romanée Premier Cru Cros Parantoux 

Não é simples selecionar um Premier Cru de Vosne-Romanée, terra dos mais cultuados Grand Cru da Borgonha. Mas o pequenino Cros Parantoux (de 1,01 hectare, uma das menores denominações de toda a Côte d’Or) talvez seja o mais celebrado. Ele fica ao lado do aclamado vinhedo de Richebourg. Contudo, muito da estima desse Premier Cru vem do trabalho do lendário Henri Jayer, que replantou o vinhedo totalmente devastado após a II Guerra Mundial. Antes do trabalho de Jayer, a reputação do local não era das melhores. Aliás, Jayer só começou a engarrafar com o nome de Cros Parantoux a partir de 1978 quando achou que as vinhas estavam velhas o suficiente para produzir grandes vinhos. Hoje, o vinhedo tem dois proprietários, Meo-Camuzet e Emmanuel Rouget. 

Chablis Premier Cru Fourchaume 

Entre os Premier Cru mais valorizados de Chablis está Fourchaume. É um vinhedo bastante extenso, com 132 hectares, que abarca outros quatro Premier Cru em suas terras (ou seja, ele é um “climat umbrella” – veja box). Uma das possíveis explicações para o nome é que ele venha de “Fourche” (garfo) ou ainda “four à chaux” (forno de cal). “Fourche” pode se referir também a uma bifurcação na estrada ou então a uma forca (na contração de “Fourches à hommes”, homens enforcados). Curiosamente um dos vinhedos Premier Cru abarcados por Fourchaume tem o de nome L’Homme Mort (homem morto), os outros são os igualmente reputados Vaupulent, Côte de Fontenay e Vaulorent.

Beaune Premier Cru Les Grèves

O termo “Les Grèves” refere-se a solos pedregosos e pode ser considerado como derivado de “graves” ou “graviers”, um tipo de rocha friável, uma espécie de cascalho – como o encontrado na célebre denominação bordalesa de Graves. Este é um Premier Cru bastante extenso, com cerca de 30 hectares, considerado o melhor de Beaune e candidato a um status ainda mais alto. Dada a sua extensão, há diversas parcelas, algumas muradas, sendo a mais a destacada chamada de “Vigne de l’Enfant Jesus”, de cerca de 3 hectares, e que pertenceu à ordem das carmelitas. Deste vinhedo, é possível produzir vinhos tintos e brancos com status de Premier Cru. 

HISTÓRIA DA CLASSIFICAÇÃO DOS VINHEDOS DA BORGONHA

A classificação atual que divide os vinhedos da Borgonha em Grand Cru, Premier Cru e Villages data de 1936, feita pelo INAO (Instituto nacional de origem e qualidade da França). Mas antes de ser oficializada, alguns escritores tentaram mapear e classificar os terroirs da Borgonha.

O primeiro foi Denis Morelot, que publicou o “Statistique oenologique de l’arrondissement de Beaune” em 1825, e, em 1831, lançou o “Statistique de la vigne dans le departament de la Côte d’Or”, estudos que seriam a base para o trabalho de Julles Lavalle – fundamental para a classificação de 1936. Lavalle é o mais famoso dos teóricos sobre os terroirs da Borgonha, tendo divulgado uma classificação detalhada dos vinhedos sob o título de “Histoire et stastistique de la vigne et des Grands vins dans le department de la Côte d’Or” em 1855, curiosamente o mesmo ano em que os vinhos de Bordeaux foram classificados.

Nele, os vinhedos foram listados de acordo com três categorias diferentes, com os melhores vinhos (equivalentes aos Grand Cru) chamados de “Tête de Cuvée”, depois Premiere Cuvée e Seconde Cuvée.

A classificação de 1936 levou em conta principalmente a obra de Lavalle e, desde então, algumas mudanças ocorreram, com vinhos que foram reclassificados, como La Grande Rue, um Premier Cru que atingiu o status de Grand Cru em 1992. Pode-se dizer que algumas classificações controversas ainda são o status de Premier Cru para Les Amoureuses, Clos Saint Jacques, Les Saints Georges e Les Rugiens por exemplo.

* Texto originalmente publicado na revista ADEGA 185 e republicado após atualização

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