Conheça os vinhos que nascem sob o Etna, o maior vulcão ativo da Europa, e alguns de seus produtores pioneiros
Alessandro Tommasi Publicado em 06/08/2024, às 08h30
Uma história milenar e um impressionante renascimento, produzindo atualmente alguns dos mais elegantes e disputados vinhos da Itália. Em poucas palavras, esta é a trajetória da vinicultura no Etna, maior vulcão ativo da Europa e parada obrigatória para quem aprecia grandes vinhos.
A história da produção de vinhos na Sicília se confunde com a de nossa civilização. A Odisseia, escrita no oitavo século antes de Cristo e atribuída a Homero, já fazia menção aos vinhos locais. Foi com o vinho da região que o protagonista Ulisses teria embebedado Polifemo, o gigante de um olho. Isso teria garantido a liberdade do herói e de seus companheiros.
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Porém, por muitos séculos os vinhos do Etna acabaram se tornando mais sinônimo de quantidade do que qualidade. Por exemplo, logo após a filoxera destruir boa parte dos vinhedos do norte da Itália, grandes volumes dos tintos do Etna iam a granel para outros destinos. Eles eram escoados através de uma rede de ferrovias locais e enviados pelo porto de Riposto para fazer parte do blend de várias regiões, inclusive no Barolo. Nesta época, sua área de vinhedos era cerca de oito vezes maior que a atual.
Mesmo apesar de historicamente contar com vinhedos de alta qualidade, o que faltava à região era um grupo de produtores determinados a mudar o foco. Em poucas palavras, buscar qualidade ao invés de quantidade. E isso ocorreu a partir do final da década de 1980.
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Em 1988, Giuseppe Benanti criou a vinícola que leva seu nome e, com a participação do enólogo local Salvo Foti, lançou seus primeiros vinhos em 1990. Poucos anos depois, chegaram à região Marco de Grazia (Tenuta delle Terre Nere), Andrea Franchetti (Passopisciaro) e Frank Cornelissen.
A partir do impulso destes pioneiros, o vinho do Etna passou por um enorme avanço em termos de qualidade. Em paralelo, cresceu também em volume, com mais de 300 vinícolas atualmente atuando na região.
Chamado de a “ilha dentro da ilha”, o Etna está situado no nordeste da Sicília. Apesar de ter mais que 3.300 metros de altitude, seus vinhedos se concentram em uma faixa que varia entre 400 e 1.000 metros, formando uma espécie de meia lua em torno da cratera principal. São solos predominantemente vulcânicos, com múltiplas orientações.
Espalhados em áreas que resultaram de erupções passadas (quase 200 somente nos últimos 500 anos) ou seu entorno, muitos de seus vinhedos se encaixam perfeitamente no conceito de viticultura heroica.
São terraços de pedra, onde a mecanização é impossível e a presença de vinhas velhas (muitas já centenárias) é significativa. Assim como no restante da Sicília, as várias sub-regiões do Etna são divididas em Contrade (são 133 atualmente), definidas tanto por afinidade de terroir como por decisões administrativas.
Os vinhedos do Etna são predominantemente plantados com uvas autóctones da Sicília, algumas delas com presença significativa somente em torno do vulcão. Entre as tintas, a Nerello Mascalese é a principal, seguida pela Nerello Cappuccio e pela Grenache, trazida há séculos pelos espanhóis. Já entre as brancas, ganham destaque a Carricante e, em menor volume, Catarratto, Grillo, Insolia e Minella Bianca. Há também pequenos vinhedos de variedades internacionais, entre elas Riesling, Chardonnay e Petit Verdot.
Criada em 1968 e expandida em 2011, a denominação de origem Etna permite a produção de vinhos em diversos estilos. Os tintos são elaborados como Etna Rosso, tendo a Nerello Mascalese como principal variedade, e respondem por cerca de 55% da produção.
Os brancos, com participação de 31%, contam com duas categorias: Etna Bianco e os Etna Bianco Superiore, estes últimos elaborados somente a partir de uvas do município de Milo, no sudeste do vulcão. A Carricante é a variedade dominante, muitas vezes vinificada in purezza, ou seja, como monovarietal.
Completam o leque de estilos os vinhos rosados (Etna Rosato, 8% da produção) e Etna Spumante (com 6% do total).
Os tintos são elegantes e equilibrados, com coloração que lembra Pinot Noir e taninos presentes, às vezes comparados com aqueles do Barbaresco. Boa parte é engarrafado como Etna Rosso (muitas vezes também como Terre Siciliane IGT, por conta da decisão do produtor e/ou localização e altitude dos vinhedos).
Porém, o ponto alto são os chamados vinhos de Contrada, elaborados a partir de parcelas específicas e que refletem a enorme diversidade do terroir local.
Os brancos buscam expressar os solos vulcânicos e altitude através de frescor e mineralidade. Para quem aprecia brancos com maior poder de evolução, os Etna Bianco Superiore são a escolha natural. Os Etna Rosato são leves e frutados, enquanto os Spumanti, elaborados com Nerello Mascalese, seguem em ascensão.
Conhecer seus vinhos brancos, sobretudo aqueles com uvas dos vinhedos de Milo, é obrigatório para entender os vinhos do Etna.
Marco de Grazia é outro dos nomes que revolucionaram a vinicultura do Etna. Atuando como exportador de vinhos italianos de alta gama para o mercado norte-americano, conheceu o vulcão e seus vinhedos no final dos anos 1990 e se apaixonou. Mas como conciliar as duas coisas? A solução foi criar sua própria vinícola e adquirir diversas parcelas de vinhas velhas. Uma delas, localizada ao lado da sede na Contrada Calderara Sottana, chama a atenção. É a Vigna di Don Peppino, um vinhedo que nos permite voltar no tempo. São videiras com mais de 140 anos e que sobreviveram à filoxera, dando origem a seu vinho mais icônico: Prephylloxera La Vigna di Don Peppino.
Dentro de uma denominação de origem que produz pouco mais de 4 milhões de garrafas ao ano, a Tenute delle Terre Nere é um colosso: são cerca de 300 mil garrafas ao ano, com uma linha de vinhos tranquilos bastante diversificada. É também um dos produtores do Etna mais conhecidos no exterior: somente 15% de seus vinhos são vendidos na Itália.
O belga Frank Cornelissen é um produtor de destaque no Etna, seja pelo pioneirismo, qualidade dos vinhos e controvérsias. Parte de uma família com longa tradição no consumo de vinhos franceses de alta gama, vinificou seu primeiro vinho no Etna em 2001. Segundo suas próprias palavras, queria fazer, na juventude, algo diferente dos vinhos convencionais aos quais estava acostumado. Rapidamente se tornou o principal nome do vinho “natural” (ele odeia esta expressão) na Sicília, conquistando uma legião de fãs ao redor do mundo. Seu vinho mais disputado, o Magma – elaborado a partir de videiras centenárias plantadas a mais de 1.000 metros de altitude – é até hoje um dos cinco vinhos mais caros da Itália.
Com o passar do tempo, porém, Frank optou por mudar seu estilo, aproximando seus vinhos de um estilo mais clássico. Ele não tem qualquer problema em descrever este movimento como uma evolução, pois deixa claro que seu objetivo atual não é elaborar vinhos com ideologia definida. Pragmático, quer simplesmente fazer o melhor vinho possível, porém sempre dentro de uma postura artesanal e que respeite o terroir do Etna.
A Pietradolce, criada em 2005 por Michele Faro, representa muito bem a trajetória do Etna nos últimos 100 anos. O avô de Michele foi pequeno vinicultor na face sul do vulcão, vendendo vinhos a granel. A família, desde então, prosperou com outros ramos da agricultura, permitindo a Michele resgatar a tradição, porém em um novo patamar. Hoje a Pietradolce se coloca entre os principais nomes do Etna, não somente por conta de sua impressionante vinícola e instalações, que unem bom gosto, sofisticação e sustentabilidade.
O principal diferencial está nos vinhedos. Ao longo dos anos a família adquiriu diversas parcelas de vinhas velhas (boa parte delas centenárias e pré-filoxéricas), preservando um legado de valor incalculável. A partir destes vinhedos e adotando um conceito similar aos Crus franceses, elabora diversos vinhos precisos e de baixíssima produção. Um exemplo é o Barbagalli, com produção não superior a 2.000 garrafas ao ano e que consistentemente é avaliado pelas publicações e cavistas locais como um dos melhores vinhos do Etna.
Vencedor do concurso de melhor sommelier da Itália em 1998, Federico Graziani degustou os vinhos da Tenute delle Terre Nere e se apaixonou. Foi conhecer o Etna de perto e, seguindo os conselhos de Salvo Foti, comprou seu primeiro vinhedo. Era uma pequena parcela com vinhas quase centenárias prestes a serem destruídas. Nascia, em 2010, seu primeiro vinho, chamado Profumo di Vulcano.
Originário da Emilia-Romagna, Fede (como gosta de ser chamado) esbanja simpatia quando fala de suas criações. Além de seus vinhos mais tradicionais (tintos tendo a Nerello Mascalese como uva principal), se orgulha de um de seus vinhos, novamente contando com a colaboração de Salvo Foti. A partir de vinhedos localizados a incríveis 1.400 metros, elabora o Mareneve, um corte de Carricante, Riesling, Gewürztraminer, Chenin Blanc e Grecanico. O nome deste vinho parece simbolizar a diversidade do Etna: é um local onde se pode apreciar a vista do mar e onde, no inverno, a neve está sempre presente.
Um dos principais destaques da nova geração de vinhateiros do Etna, o espanhol Eduardo Torres Acosta lançou seus primeiros vinhos em 2014. Originário das ilhas Canárias, rapidamente se identificou com os solos também vulcânicos do Etna. Trabalhou como enólogo na Passopisciaro, mas rapidamente partiu para seu projeto pessoal, inicialmente vinificando seus vinhos nas instalações de Arianna Occhipinti.
Além do cuidado impecável nos vinhedos e precisão na elaboração dos vinhos, seu principal diferencial é o profundo respeito ao terroir. Cada um de seus vinhos mostra personalidade própria, refletindo a incrível complexidade do Etna como região produtora de vinhos. Não é à toa que oito entre dez recomendações de winebars e lojas de vinho da região colocam Torres Acosta como “novo produtor que vale a pena conhecer mais de perto”.