Saiba como uma duquesa que tornou o Champagne a bebida da nobreza

A duquesa italiana Hortênsia Mancini, foi uma pessoa influente na nobreza inglesa e transformou a história do Champagne

Arnaldo Grizzo Publicado em 18/10/2023, às 08h00

Hortênsia Mancini em quadro de Godfrey Kneller -

A história de Hortênsia Mancini poderia ter sido bastante trágica, mas acabou fazendo com que ela se tornasse uma pessoa extremamente influente na sociedade inglesa do século XVII. Como uma duquesa italiana fugitiva chegou a se tornar amante do rei e manter um dos salões mais bem frequentados da corte inglesa é um enredo verdadeiramente fenomenal.

Hortênsia nasceu em Roma em 1646, vinda de uma família nobre. Seu pai, contudo, morreu quando ela era ainda criança. A mãe decidiu então enviar as filhas para a França, para morar com um tio que, coincidentemente, era o primeiro-ministro do rei Luís XIV, o cardeal Jules Mazarin.

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Com o tempo, ela e as irmãs tornam-se figuras importantes na corte francesa (devido ao status do tio) e o rei Carlos II da Inglaterra e o duque de Saboia, Carlos Emanuel II, chegam a pedir a mão da moça em casamento. Mas, aos 15 anos, Hortênsia, duquesa de Marazin, casou-se com Armand Charles de La Porte de La Meilleraye, considerado o homem mais rico da França na época.

Aí, todavia, a história volta a ficar trágica. O marido ciumento impedia que Hortênsia tivesse joias, fiscalizava suas ações a todo momento, cerceava todos os seus luxos e amizades, sem falar dos abusos que lhe infringia. Diz-se que Meilleraye era tão paranoico que não deixava mulheres ordenharem as vacas e ainda quebrou os dentes da frente de suas servas para torná-las menos atraentes. A esposa suportou essa vida por seis anos (tendo três filhos) até que um dia decidiu dar um basta.

A fuga

Na noite de 13 de junho de 1668, com a ajuda de seu irmão, Philippe, Duc de Nevers, que comprou cavalos e uma escolta, e também de algumas servas (ela e as comparsas se vestiram de homem para enganar os guardas), Hortênsia fugiu para Paris e de lá para Roma, onde ela tentou se refugiar com a irmã, Maria Mancini, então Princesa de Colonna.

Em seguida, o rei Luís XIV declarou-se seu protetor e concedeu uma pensão anual de 24 mil libras. Sem poder retornar à França, ela ficou sete anos zanzando pela Europa e recebeu a alcunha de “a duquesa fugitiva” pelos tabloides da época.

Com a morte do pai, Hortênsia e suas irmãs foram enviadas para morar com o tio, o primeiro-ministro francês e cardeal, Jules Mazarin

 

Seu ex-pretendente, Carlos Emmanuel II, duque de Saboia, também se declarou seu protetor e, em 1672, Hortênsia foi para Chambéry, em Saboia, e estabeleceu sua casa como um ponto de encontro de autores, filósofos e artistas. Na época, ela também começou a escrever suas memórias.

Celebridade

No livro, ela conta sua vida e todos os abusos cometidos pelo marido. Quando foi publicada, a obra foi logo lançada em versões para o francês, inglês, alemão e italiano, pois a Europa toda estava interessada em sua história, até então contada de modo enviesado apenas pelos tabloides europeus.

Após a morte do duque de Saboia, porém, diz-se que Hortênsia foi expulsa de sua casa pela viúva, Marie Jeanne Baptiste de Savoy-Nemours. Até que, em 1675, considerada uma espécie de celebridade por seu livro revelador e reputação de “duquesa fugitiva”, ela recebeu asilo na Inglaterra. Chegou ao país em 1676 e quase imediatamente começou a hospedar os ditos “salões”.

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No século XVII, havia poucos lugares onde as mulheres nobres podiam se encontrar e discutir os mais diversos assuntos (fúteis ou importantes) entre si. O salão de Hortênsia Mancini, ao lado do Palácio de St. James foi um deles. Ela tornou-se amante de Carlos II e criou uma espécie de espaço “subversivo” em Londres, onde, segundo a historiadora da Universidade de Cambridge, Annalisa Nicholson, as amantes reais podiam se encontrar, jogar, beber Champagne e discutir ciência e literatura em pé de igualdade com os homens.

“Ela criou o salão mais famoso da Europa no final do século XVII. Abriu um espaço em Londres para mulheres, principalmente, para aprender sobre novas ideias, ouvir palestras científicas, falar sobre a literatura mais recente e se envolver em uma cultura de museu, onde você pode lidar com todos os tipos de objetos e animais exóticos”, diz Annalisa.

Bebida

Dessa forma, foi em seu salão que o Champanhe foi apresentado à sociedade inglesa. Outro exilado francês, Charles de Saint-Évremond, foi quem teria introduzido Hortênsia aos prazeres de Champagne. Dessa forma, ela e os outros exilados franceses em Londres passaram a importar a bebida. “Em seu salão, todo mundo está com uma taça de Champagne em mãos. E assim a bebida se entrelaçou com a socialização aristocrática”, aponta Annalisa.

Hortênsia nasceu em Roma em 1646

Outras amantes reais, como Nell Gwyn, Barbara Villiers e Louise de Kéroualle, eram habitués do salão. Até mesmo Carlos II e seu irmão, o futuro rei Jaime II, participavam.

Foi assim que as festas de Hortênsia Mancini ligaram Champagne às celebrações; e obviamente outras pessoas passaram a imitar esse comportamento.

“Ela não é apenas uma amante de Carlos II, ela é uma anfitriã de uma instituição cultural vital daquele período de Londres.

Para as mulheres, lugares como o salão de Mancini são os únicos espaços em que podem conversar sobre diversos assuntos da sociedade, sejam políticos, científicos, literários etc.”, conta Annalisa. Dessa forma, esse lugar da capital inglesa que ajudou a moldar a fama de Champagne como bebida de luxo e celebrações que tem até hoje.

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