ADEGA decidiu selecionar 10 variedades nativas que têm ganhado destaque em seus 10 países de origem
por Arnaldo Grizzo
Muitas vezes, a impressão que se tem é que há vinhos de Cabernet Sauvignon feitos em qualquer lugar do planeta, não?
Há Cabernet nas mais diversas regiões vinícolas, da Hungria à China, da Nova Zelândia ao Canadá. Assim como também há inúmeros Merlot, Chardonnay, Sauvignon Blanc etc. E não é à toa, pois essas uvas famosas propagam-se mais facilmente pelo mundo por dois fatores.
O primeiro, obviamente, por serem mais conhecidas e oferecerem um “porto seguro” para os consumidores – é muito mais fácil vender um Cabernet do que um Xynomavro, por exemplo. Depois, por terem sido “experimentadas” em milhares de terroirs e climas e, por isso, são muitas vezes capazes de se adaptar às condições mais diversas dependendo de seus clones e adaptações feitas por produtores.
Mas devemos lembrar que a “concentração” de algumas variedades no planeta também se deu devido à praga da filoxera em meados do século XIX. Na época, os vinhedos europeus quase foram dizimados e, quando começaram a ser replantados, os produtores obviamente passaram a selecionar algumas castas mais interessantes (mais produtivas, teoricamente com melhor qualidade, ou mais resistentes a pragas) e abandonar outras. Acredita-se que muitas cepas tenham se perdido desde então.
Segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho, existem cerca de 10 mil castas no mundo, sendo que 6 mil pertencem à espécie Vitis vinifera. Estimativas mostram que aproximadamente 13 representam mais de um terço do território de vinhedos do planeta e 33 representam mais da metade. No entanto, cada vez mais o que se vê no mundo do vinho é a busca por identidade e, com isso, a valorização de produtos locais. Dessa forma, mais e mais produtores têm buscado resgatar cepas tradicionais e/ou nativas de suas regiões.
Há trabalhos como o da família Torres, na Espanha, que incentiva os produtores catalães a reconhecer variedades “perdidas” entre vinhedos históricos e passa a estudá-las e resgatá-las. Há ainda produtores de regiões famosas como Bordeaux e Borgonha, por exemplo, que estão experimentando cultivar algumas uvas estrangeiras e também outras nativas até então “esquecidas” na esperança de que elas possam se adaptar melhor às mudanças climáticas. Mas há países, como Portugal, por exemplo, em que a miríade de castas indígenas é tão diversa que isso se torna seu grande trunfo e diferencial, ainda mais em um momento em que os produtos locais estão em voga.
Sendo assim, dentre as milhares de cepas mundo afora, ADEGA decidiu selecionar 10 variedades nativas que têm ganhado destaque em seus 10 países de origem. Confira.
A vitivinicultura libanesa obviamente compartilha uma relação estreita com a França, pois o país foi dominado pelos franceses após a I Guerra Mundial e só se tornou independente em 1946. Não à toa as principais variedades cultivadas no território geralmente têm origem bordalesa ou do Rhône. Tanto que, durante muito tempo, castas locais como Obaideh e Merweh, por exemplo, foram erroneamente consideradas variações clonais de Chardonnay e Sémillon, respectivamente.
Contudo, elas são nativas e distintas de suas “primas” francesas. A Obaideh (também conhecida como “Obeidi”) é uma uva vinífera branca usada tanto para fazer blends quanto varietais – e também o tradicional licor de anis local, o Araque. Produtores como Château Musar, Château Saint-Thomas e Domaine Wardy vêm apostando nesta cepa.
Confira vinhos feitos com Obaideh.
A região do Cáucaso tem recebido imenso destaque recentemente. Locais considerados o berço da vitivinicultura do planeta, como Geórgia e Armênia estão na mira de diversos estudiosos e importantes enólogos que visitam esses países para buscar inspirações ancestrais. Consultores influentes como Paul Hobbs, Michel Rolland e Alberto Antonini, por exemplo, têm projetos na Armênia e trabalharam com suas uvas indígenas, sendo a mais importante a tinta Areni.
Ela é uma antiga variedade nativa da região de Vayots Dzor, que produz um vinho de corpo médio a leve com sabores e aromas de frutas vermelhas (cereja, framboesa, cranberry e romã) juntamente com toques florais e ervas. Geralmente se comparam os vinhos Areni com os Pinot Noir do Oregon.
O instituto de vinhos de Atenas, na Grécia, foi fundado em 1937 e foi graças a seu trabalho que muitas das uvas nativas gregas sobreviveram até hoje. Acredita-se que o país tenha mais de 300 variedades indígenas e é possível que cerca de 90% de seus vinhedos estejam plantados com uvas locais. Uma das castas que mais se destaca nesse grande leque grego é a branca Assyrtiko.
Ela é originária da paradisíaca ilha de Santorini, mas espalhou-se por toda a Grécia, do Egeu à Macedônia, pois pode crescer em condições climáticas quentes e secas. Ela produz principalmente vinhos brancos secos, geralmente com muitos toques minerais em uma estrutura não muito densa. No entanto, vários vinhos doces são produzidos a partir de uvas secas ao sol, como o Vinsanto, por exemplo.
Confira vinhos feitos com Assyrtiko.
Na Áustria, a variedade indígena mais conhecida é a branca Grüner Veltliner, contudo, vamos destacar uma tinta, a Zweigelt. Ela, na verdade, não é uma uva “naturalmente” indígena austríaca. Ela foi, sim, criada pelo Dr. Fritz Zweigelt em 1922 no Centro de Ensino e Pesquisa para Viticultura e Horticultura em Klosterneuburg como um cruzamento entre Blaufränkisch (natural da Áustria) e St. Laurent. Hoje, a Zweigelt é a variedade tinta mais difundida no país, com mais de 6 mil hectares, representando cerca de 14% dos vinhedos.
Ela pode ser usada tanto em varietais como em blends, produzindo vinhos de cor violeta-avermelhada com taninos suaves (geralmente quando feitos sem passagem por madeira), mas também resulta em vinhos maduros, encorpados e de boa longevidade dependendo da vinificação. Vinhos de denominações como Carnuntum e Lake Neusiedl costumam ter bastante destaque.
Confira vinhos feitos com Zweigelt.
Assim como a Zweigelt, essa é mais uma variedade “nativa” criada. Ela foi desenvolvida pelo botânico suíço Hermann Müller, do cantão de Thurgau, que originalmente a cultivou em 1882, em Geisenheim, Alemanha.
Por muito tempo se presumiu que ela era um cruzamento entre Riesling e Silvaner (daí o sinônimo Rivaner, bastante usado), no entanto, isso foi refutado pela análise genética algum tempo atrás e os verdadeiros “pais” são Riesling e Madeleine Royale. Ela é a segunda uva mais plantada na Alemanha, atrás da outra nativa, a Riesling, e representa 12% da área total de vinhedos com cerca de 12 mil hectares. Os seus vinhos são geralmente leves, descomplicados, com aromas florais e acidez sutil. Ela também pode ser usada em espumantes.
Confira vinhos feitos com Müller-Thurgau.
A Chasselas é uma variedade muito antiga originária do Arco Lemanic (ao norte do Lago de Genebra), onde já era conhecida pelo nome de Fendant no século XVII, em referência às suas uvas que se partem facilmente nos dedos. O cantão de Vaud foi gradualmente deixando de usar o nome desta variedade em favor de denominações baseadas em aldeias, de forma que, desde 1966, o nome Fendant foi protegido para uso exclusivo da região de Valais, onde a variedade foi introduzida em 1848.
Chasselas é a variedade branca mais comum na Suíça, cultivada principalmente nos cantões de Vaud, Valais, Genebra e Neuchâtel. Ela dá vinhos sutis e elegantes. A cidade de Chasselas, em Maconnais, na França, também era apontada como o local de origem da casta. Mas, embora tenha dado nome à uva, acredita-se que seja o ponto de distribuição pela França depois que a uva foi trazida da Suíça.
Castets é uma variedade quase esquecida, que se acredita ser proveniente de Gironde ou dos Pireneus. Há pouquíssimos vinhedos com essa casta na França. Diz-se que ela esteve bastante presente no blend bordalês antes do advento da filoxera e depois foi descartada. Atualmente, ela vem sendo resgatada e um de seus principais defensores é o controverso Loïc Pasquet, criador do icônico Liber Pater – um dos vinhos mais caros de Bordeaux atualmente, feito com uvas que ele diz serem ancestrais na região.
A Castets tem boa resistência ao míldio e pode produzir vinhos com muita cor, alto teor alcoólico, adequados para envelhecimento. Tanto que foi uma das seis uvas testadas e aprovadas (juntamente com Touriga Nacional, Marselan, Arinarnoa, Alvarinho e Liliorila) pelo conselho de Bordeaux para ser usada na região a partir de 2021.
Junto com a branca Grillo, a tinta Nero d’Avola é uma das uvas indígenas mais populares da Sicília, e certamente uma das mais relevantes atualmente na Itália. A “negra” de Avola, cidade no sul da ilha da Sicília, na verdade se espalha por quase todo o território siciliano e também na Itália continental. A Nero d’Avola é bem-sucedida em vinhos varietais assim como em blends com outras uvas locais (como Frappato, Nerello Mascalese, Perricone etc.) e com castas internacionais.
Esta variedade responde muito bem à fermentação e envelhecimento em diferentes recipientes, do carvalho ao aço inoxidável, ovos de concreto e ânforas de argila, tornando-se assim matéria-prima perfeita para o trabalho de experimentação de enólogos. Seus vinhos geralmente são bastante aromáticos, com corpo e cor intensos, mas elegantes.
Confira vinhos feitos com Nero d’Avola.
São diversas as uvas indígenas espanholas, como a Viura, a Cariñena, a Mencía etc. Mas outras ainda menos conhecidas vêm sendo resgatadas ultimamente em um trabalho de pesquisa minucioso. Uma delas, por exemplo, é a Trepat (também conhecida como Bonicaire, em Murcia) que foi recuperada em um ritmo bastante acelerado. Ela era considerada uma uva rústica da Catalunha, popular para fazer rosés e entrar no Cava, mas logo surgiram tintos que se destacaram.
Apesar de geralmente leves, eles apresentam bom potencial de envelhecimento. Os vinhos são dominados por frutas vermelhas frescas com excelentes níveis de acidez. A Trepat é um dos destaques da DO Conca de Barberà da Catalunha.
Confira vinhos feitos com Trepat.
A Tinta Amarela é uma casta tinta bastante utilizada na produção de Vinho do Porto e vários outros tintos portugueses. Embora Tinta Amarela seja seu nome oficial, ela é mais popularmente conhecida por Trincadeira, designação com que é comercializada em seus vinhos varietais. Ela é cultivada principalmente nas regiões do Douro, Dão e Alentejo.
É uma casta difícil, bastante vigorosa, necessitando de permanentes cuidados no controle da produção. Os vinhos são geralmente florais, com tons mais vegetais quando a uva é colhida precocemente, ricos em cor e acidez, ligeiramente alcoólicos e com boas condições para envelhecer bem em garrafa. No Alentejo, é frequentemente combinada com a casta Aragonez.