Produtores do Piemonte deixam de lado o tradicionalismo, investem em cepas internacionais e fazem grandes vinhos
por Marcelo Copello
Borgo Mondovì Piazza |
A curiosa história do nascimento do Darmagi, mítico Cabernet Sauvignon do Piemonte, do mestre Angelo Gaja, ilustra bem a atitude dos produtores desta tradicional região italiana em relação a cepas ditas internacionais.
O pai de Angelo, Giuseppe, não queria, mas concordou em plantar um pouco dessa uva em suas terras. Gaja enviou para análise a um especialista em Montpellier quatro amostras de solo. Para o plantio, o especialista recomendou o terreno onde se situava o melhor vinhedo da empresa, no quintal da família. Angelo esperou o pai sair de férias para iniciar o plantio. Na volta, ao saber do ocorrido, Giuseppe teria dito "Darmagi!", que, no do dialeto piemontês, significa "que pecado".
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A primeira safra do Darmagi foi 1978. Desde então este vinho colecionou prêmios e reconhecimento mundo afora. No entanto, passados 25 anos, poucos vinhateiros da região seguiram o exemplo. Menos de 10% dos vinhos locais fogem das variedades tradicionais. Diferentemente dos toscanos, que revitalizaram a região produzindo "supertoscanos" a partir de castas internacionais, os tradicionalistas piemonteses hesitam em seguir o exemplo dos conterrâneos e produzir "superpiemonteses". Nisso parecem concordar com Mário de Andrade, que dizia: "O internacional é o nacional de algum país". No caso dos italianos, a França. Apesar da teimosia, os poucos que ousaram criaram excelentes vinhos. Eles merecem ser provados.
San Pietro |
Como os novos rótulos surgidos não se enquadravam nas leis tradicionais, algumas DOCs (Denominações de Origem Controlada) foram criadas. São elas, a DOC Monferrato e a DOC Langhe, reconhecidas em 21/11/1994.
A primeira para vinhos produzidos nas províncias piemontesas de Asti e Alessandria, e a segunda, aos de Cuneo. Nessas denominações é permitida a utilização das uvas Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay, entre outras.
A motivação para a introdução de castas internacionais no processo de vinificação não é apenas a conquista do mercado internacional ou a experimentação, mas também o melhor aproveitamento dos vinhedos. As uvas tradicionais Nebbiolo e Barbera, de maturação tardia, produzem melhores vinhos se plantadas do lado sul das colinas da região, onde recebem maior insolação. A lógica seria plantar, no lado oposto, variedades mais precoces, como a Cabernet Sauvignon. Uma coisa é certa, o Piemonte é capaz de realizar excelentes vinhos, seja com as variedades autóctones, seja com as estrangeiras. E o mais importante é que todos têm um caráter italiano e ficam de lado da principal crítica feita aos vinhos modernos: mesmice.
Alguns exemplos de "superpiemonteses" disponíveis no mercado brasileiro:
Centobricchi Bianco 2004, Mauro Sebaste, Piemonte-Itália (Decanter, R$ 138). Elaborado com 100% uvas Sauvignon Blanc, ele é amadurecido de seis a oito meses em barricas novas de carvalho francês. Amarelo palha brilhante. Aromas elegantes de carvalho, frutas exóticas (manga e maracujá maduros), especiarias, leves toques amanteigados e minerais. Paladar é fresco, com médio corpo, 14% de álcool, boa textura e frescor.
Piodilei 2003, Pio Cesare (Decanter, US$ 75,20). Um 100% Chardonnay, fermentado em barris de carvalho, onde permanece por um ano. Amarelo palha brilhante. Aromas intensos. Madeira bem colocada, sem dominar o conjunto, que apresenta perfil frutado e mineral, com maçã, banana, mel, baunilha. Paladar de bom corpo e equilíbrio, quente, macio (14% de álcool) e de boa acidez. Belo exemplar de Chardonnay piemontês, com potencial de guarda.
Il Babialé 2002, Braida, (Expand, R$ 113,62). Um corte inusitado de 50% Barbera, 35% Pinot Noir e 15% Cabernet Sauvignon, amadurecido de oito a 12 meses em carvalho. Vermelho rubi entre claro e escuro. Nariz intenso e elegante, lembrando cerejas e amoras, com toques de alcaçuz, baunilha e violetas, tostados e musgo. Paladar de médiobom corpo, macio (13,5% de álcool) e com boa acidez, longo.
Pi Cít 2000, Marchesi di Barolo, DOC Langhe (World Wine, R$ 228). Cabernet Sauvignon (60%) e Nebbiolo, amadurecido por oito meses em carvalho francês. Vermelho rubi bastante escuro com reflexos na transição para granada. Aromas de boa intensidade marcados por frutas negras (amoras, cassis), frescor de menta, tostados, especiarias. Encorpado, com taninos ainda presentes, boa acidez e 14,5% de álcool. Bom amálgama de cepas de muita personalidade.
Pin 2000, La Spinetta, (Mistral, US$ 79,50). Nebbiolo (50%), Cabernet Sauvignon (25%), Barbera (25%), amadurecido por 18 meses em barris franceses. Vermelho granada muito escuro. Aromas intensos, com frutas na frente, cassis, chocolate, violetas, especiarias, musgo, alcaçuz, pimenta do reino, café. Encorpado, largo, macio, 14,5% de álcool, taninos finos levemente presentes, longo. Cheio de estilo, com grande qualidade.
Villa Pattono 1999, Renato Ratti (Expand, R$ 194,35). Um dos mais antigos "superpiemonteses", elaborado com Barbera (60%), Cabernet Sauvignon (20%) e Merlot (20%), é amadurecido por um ano em barricas francesas. Com 13,5% de álcool. O blend funciona muito bem, vinho de muito bom gosto, abriu-se ao longo da degustação, mostrando equilíbrio e elegância, com a tipicidade da Barbera, estilo clássico. Vermelho granada, aromas de amoras pretas, especiarias, tostados e toques de evolução (couro). Paladar de boa estrutura, taninos finos levemente presentes, acidez no lugar, longo.
Darmagi 1999, Gaja (Mistral, US$ 167,00 por meia garrafa). Degustado em meia garrafa, não decepcionou como o primeiro. É o maior dentre os "superpiemonteses" provados. Cor rubi carregada, com reflexos na transição entre violáceos e granada. Nariz intenso, complexo, foi se abrindo ao longo da degustação e mostrou fruta madura na frente (muito cassis, ameixas), especiarias, frescor de ervas. Paladar encorpado, largo, taninos presentes e muito finos, boa acidez, final longo e macio, com taninos doces. Impressiona pela estrutura e equilíbrio impecável no palato. Ainda deve evoluir por muitos anos.
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