Nossos vinhos estão evoluindo ano a ano, como mostra a terceira edição do Guia ADEGA - Vinhos do Brasil
por Christian Burgos E Sílvia Mascellarosa
Muito além da paixão, os produtores nacionais de vinhos hoje têm clara consciência de que há muitos desafios na busca de um lugar nas taças Brasil afora. A história do vinho no país não é retilínea. De um desenvolvimento promissor na década de 1970, alinhado com outros países do Novo Mundo, o Brasil perdeu um espaço importante na época do fechamento de mercado que proibia, entre outras coisas, a importação de vinhos e mesmo equipamentos para produção. Agora, retomamos o desenvolvimento com mais propriedade.
Fazer vinhos competitivos no mercado é uma tarefa dura, que necessita de disposição contínua para investir em qualidade por anos a fio, mesmo frente às adversidades. Felizmente muitas garrafas nacionais estão mostrando, em números e na taça, que a evolução está acontecendo e veio para ficar.
ADEGA vem acompanhando de perto a história da produção nacional há oito anos, e nos últimos três com um olhar ao mesmo tempo mais abrangente e mais profundo com a edição do Guia ADEGA – Vinhos do Brasil. A edição de 2011 do guia avaliou 275 vinhos, a de 2012 passou a contar com 458 amostras e a de 2013 chegou aos 575 rótulos avaliados (um crescimento de 109%). As vinícolas avaliadas e publicadas também cresceram 24,2%, indo de 66 para 82 nesses três anos.
Ao avaliar os vinhos, entendemos que a qualidade vem de um processo rigoroso que começa no vinhedo e termina na taça, aliada à tecnologia e à uma safra que permita que os enólogos façam sua parte.
Nesse ponto, o histórico de três anos degustando em larga escala permite constatar o peso de uma safra mais difícil, como a de 2010, que afetou para baixo a média dos vinhos avaliados na edição publicada no ano passado. O ano de 2010 teve uma safra irregular, e que fez com que a qualidade dos vinhos variasse muito. Nesta nova edição do guia, alguns dos vinhos avaliados ainda eram da safra de 2010, mas de estilo diferenciado e com resultados muito bons em taça.
Nossa editora de vinhos, Sílvia Mascella Rosa, na avaliação da safra de 2010, já ressaltava que a localidade precisa de cada vinhedo e mão do enólogo seriam fundamentais para atingir um padrão mais alto de qualidade. Um bom exemplo disso é o Leopoldina Merlot 2010 da Casa Valduga, feito no Vale dos Vinhedos, que obteve 90 pontos e mostrou que os oito meses de barrica e o ano de descanso engarrafado compensaram a espera.
Em contrapartida, no guia deste ano sentimos o empurrão das boas safras seguintes, reconduzindo a média da pontuação dos vinhos para um patamar acima da primeira edição.
Os espumantes, por exemplo, continuam obtendo a melhor pontuação média entre os vinhos avaliados (87,67 pontos nesta edição), mas, em termos de destaque de qualidade, foram os tintos que mais surpreenderam em taça e, pela primeira vez, tivemos dois vinhos com 92 pontos. É o caso do Sesmarias 2011 da Miolo, um vinho feito apenas em safras especiais e que tem hoje uma composição mais harmoniosa e o uso muito adequado da barrica de carvalho. Um vinho elegante, mas muito jovem e que merece a espera de alguns anos na adega. O outro a receber 92 pontos foi o elegante Merlot DNA 99 da safra 2008, que também ajuda a nos libertar do jugo da histórica safra de 2005 como afirma o enólogo Flávio Pizzato: “Chega de buscar gotas da safra 2005, precisamos continuar caminhando”.
Uma importante e interessante constatação envolvendo nossos melhores espumantes é a de que eles ganham com o tempo, como prova o espumante que homenageia a matriarca da família Valduga. O Maria Valduga 2006 ficou 48 meses sob as leveduras e agora, sete anos depois de seu processo ter começado, atingiu os excelentes 91 pontos. Fica a expectativa de degustá-lo em ADEGA nos próximos anos para avaliar quanto mais ainda pode evoluir.
Mantendo os vinhos por mais tempo antes de colocá-los no mercado, os produtores brasileiros estão ajudando os consumidores a testemunhar que muitos de nossos vinhos são mais complexos e, portanto, precisam de mais tempo para atingir o seu ponto ideal.
Nessa linha, dois espumantes de produção muito pequena, o Estrelas do Brasil e o Maximo Boschi, ambos da safra 2007, também receberam 91 pontos. Feitos pelo método tradicional, eles se juntaram ao grupo de espumantes com mais de 90 pontos, que vem crescendo ano a ano e mostrando a regularidade da alta qualidade da produção nacional de espumantes de alguns produtores. É o caso do enólogo Adolfo Lona, da Garibaldi e da vinícola Salton, que sempre tem ao menos um espumante nessa categoria nas edições do guia.
Em termos de safras recentes, uma grande surpresa entre os tintos foi primeiro vinho brasileiro com uvas tratadas com os preceitos biodinâmicos. O Imortali 2012 é um tinto de Santa Catarina, produzido pela vinícola Santa Augusta na cidade de Videira, que atingiu 90 pontos. Com coloração intensa e aromas cativantes, é uma promessa de um novo território a ser explorado pela viticultura nacional: “Esperamos que outros produtores também se animem para trabalhar assim, pois será mais fácil trocarmos experiências”, diz Jefferson Sancineto Nunes, enólogo-consultor responsável pelo vinho.
Estamos acostumados a buscar a qualidade apenas em vinhos mais caros e no conceito “vin de garage”, mas gozar de abundância de matéria-prima traz a vantagem de permitir a seleção de lotes especiais.
Um bom exemplo disso é o trabalho que vem sendo feito por duas cooperativas, a Aurora (em Bento Gonçalves) e a Garibaldi (na cidade de mesmo nome). A Aurora tem selecionado, há alguns anos, parcelas de seus vinhedos no pequeno município de Pinto Bandeira e de lá traz as uvas para um Chardonnay Single Vineyard que, quando foi lançado no começo de 2012, já impressionou, sendo que a nova safra é ainda mais especial. O vinho obteve 88 pontos na safra de 2011 e 89 pontos na safra de 2012 (R$ 35), lançada neste ano. Chama a atenção, também, o investimento em cantina com a compra de novos equipamentos e tanques. Talvez esse seja um dos motivos para dois espumantes de método Charmat da empresa terem recebido 90 pontos cada.
O mesmo acontece na Garibaldi, cujo espumante de Chardonnay, também feito pelo método Charmat, obteve 90 pontos (por módicos R$ 28,90). Este espumante é um exemplo da qualidade dos Charmat jovens e frescos, dos quais, nesta edição do guia degustamos 89 amostras, entre brancos e rosés Brut.
Mesmo em uma vinícola de história muito recente, como a Villaggio Bassetti, de Santa Catarina, que estreou este ano no guia, houve destaques, como o Sauvignon Blanc Dona Enny 2012, que alcançou 89 pontos. “Esperamos para mandar nossos vinhos para o guia, pois queríamos mostrar em nossas garrafas a consistência que temos buscado com nossos vinhedos, que ADEGA conheceu em 2008. Mas agora achamos que já estamos prontos para sermos avaliados”, afirmou Eduardo Bassetti, um dos proprietários da empresa, ao nos entregar as amostras durante a Expovinis deste ano.
Uma coisa é certa, com 575 avaliados podemos afirmar que o universo do vinho brasileiro abriga rótulos surpreendentes e excelentes opções de compra.
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