A safra de 2007 do Douro tinha tudo para dar errado, mas, na última hora, tudo mudou e se transformou em um ano excelente para Vinhos do Porto
por Christian Burgos
Uma das coisas maravilhosas no mundo do vinho é participar de degustações verticais, aquelas em que você prova diversas safras do mesmo vinho. Com algum romantismo, mas sem fugir aos fatos, numa degustação vertical, além da evolução do vinho, é possível ver, e sentir no nariz e na boca, os dias ensolarados ou amenos, as noites frias, as chuvas ou secas que caracterizaram cada safra e muito mais. Enfim, é como degustar o tempo. As safras vão manifestando sua personalidade e caráter, ano a ano, taça a taça. Algumas serão boas, outras excelentes, e outras espetaculares e inesquecíveis.
A safra de 2007 no Douro, para o Vinho do Porto, tem tudo para estar enquadrada entre as inesquecíveis. Dominic Symington, cuja família é a maior produtora de Vinhos do Porto do mundo, afirma que não tem dúvida de que 2007 foi um grande ano: "Talvez não sejamos nós, mas com certeza, quando nossos filhos falarem dos grandes anos, entre aquele leque de números, o 2007 vai ter uma estrela". Para se ter ideia, a safra foi considerada Vintage, e todas as casas produtoras declararam seus Vintage e foram aprovadas, algo por si só,completamente acima dos padrões.
Usualmente, uma safra é excepcional porque, no decorrer dos meses, o clima se comporta beirando a perfeição, comparável com outras grandes safras. Entretanto, 2007 foge à regra, como aponta Francisco Olazabal, da prestigiada Quinta do Vale Meão: "Os Vintage costumam ser anos de calor como 2000 e 2003, mas 2007 foi diferente de todos os Vintage, com muito poucos pontos de contato para comparação". A isso reforça Tomás Roquette, da Quinta do Crasto, ao apontar que "um ano clássico do Vinho do Porto normalmente tem um pouco de sobrematuração para ser um ano Vintage". Entretanto, as estações comportaram-se de maneira diferente do usual e tinha tudo para ser uma safra ruim, mas acabou produzindo vinhos excepcionais e, por isso, está sendo batizada de a "Safra Milagrosa".
Um ano atípico 2007 definitivamente não foi um ano normal. Tanto que alguns produtores, como os Symington, tiveram que pegar os cadernos com anotações centenárias para consultar e ver o que iriam fazer. Dominic Symington ressalta: "Tivemos uma pré-primavera - fim de inverno, início de primavera - muito quente. Com crescimento muito precoce, duas semanas, duas semanas e meia antes, o que sempre pode ser um problema, porque correse o risco de uma geada. Estivemos no limite". Chega a primavera e novo susto. No período da floração, houve "chuva e temperatura pouco mais baixa, com floração abaixo da média", como aponta o prestigiado enólogo José Maria Soares Franco, que teve a sorte de, em 2007, produzir a primeira safra de seu novo projeto Duorum, no Douro Superior. Esta diminuição da floração reduziu a produtividade por planta com resultados positivos na qualidade da uva.
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O clima em 2007 não foi tão quente quanto nos outros anos de Vintage recentes, como 2000 e 2003. Em 2007, as condições no Douro foram singulares |
Alguns produtores dizem que em 2007 não houve verão, pura e simplesmente, com temperaturas beirando os 30oC, longe do calor que costumamos presenciar no Douro. Dominic Syminton narra estes capítulos finais. "No Douro, dizemos que o pintor (mudança de cor) chega durante as primeiras semanas de agosto. No Douro Superior, mais a leste, o pintor leva cor à uva entre os últimos dias de junho e os primeiros dias de julho, e esse processo segue durante esse período até chegar no Baixo Corgo. No Vesuvio, em 15 de agosto, tínhamos cachos de uva com bagos meio pintados em 15 de agosto. Começamos a fazer estudos sérios sobre a maturação da uva e, há apenas seis, sete semanas da vindima, estávamos com três semanas de atraso na maturação. Portanto, as coisas nos deixavam bastante preocupados. E agora o que vamos fazer? Francamente era quase uma experiência nova para nós."
"Mas, no fim de agosto, o tempo aqueceu, um pouco, não muito. Normalmente, nesta época do ano a temperatura começa a diminuir, mas ela subiu um pouquinho. E depois, dias de céu limpo, noite fresca, muita luminosidade. A vinha foi se recuperando na base de quase dois dias em um. As uvas se maturaram de uma maneira inesperada", prossegue Dominic Symintgon, que conclui: "Não digo que foi um milagre. Mas foi algo bem perto disso. Não só pela qualidade, que foi absolutamente espantosa, mas porque foi sacada da cartola. Mesmo assim, a vindima foi tardia." A colheita ocorreu com atraso nos produtores e durou mais do que o habitual. Um risco, pois, à medida que chega outubro, mais se aproxima o outono e a chuva.
E o vinho
Percebe-se que este período muito longo e lento de maturação aportou equilíbrio, finesse e elegância ao vinho, numa linha muito clara de acidez e taninos de boa qualidade. Segundo Dominic Symington, "com aquela luminosidade, a fotossíntese acelerou e, portanto, tivemos um equilíbrio fisiológico dentro da uva, os taninos, os ácidos, os fenólicos, os aromas. Tínhamos uma harmonia fora de série. São grandes, grandes vinhos."
Para José Maria Soares Franco, o que a colheita de 2007 tem de extraordinária é intensidade aromática e elegância, sem os aromas marmelados, e ressaltando frutas e florais, com harmonia e equilíbrio. Já Francisco Olazabal explica que os vinhos têm esta elegância, pois a maturação longa e suave beneficia a Touriga Franca, que entra na maior parte dos Vintage e precisa de maturação mais lenta no fim da vindima. "A Tinta Roriz, uma casta bastante difícil, se comporta muito bem nos anos mais frescos, e foram as melhores Tinta Roriz dos últimos 10 anos", disse o produtor.
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Entre os produtores, a maioria acredita que a grande safra de 1970 é o melhor padrão de comparação para os Vintage 2007 |
Muito além do Porto
Além dos Vinhos do Porto, estamos experimentando grandes tintos da safra 2007 como ressalta o habitué das altas pontuações internacionais Tomás Roquette. "Foi um ano Vintage clássico e que, ao mesmo tempo, teve vinhos de mesa muito bons". Este foi o terceiro ano na história da vinícola em que a Quinta do Crasto produziu na mesma safra seus dois ícones, Vinha da Ponte e Maria Tereza.
Como comparar?
A singularidade da safra 2007 é tamanha que os especialistas encontram dificuldade de apontar com que safra passada os Portos de 2007 se pareceriam. Entre os produtores, a maioria acredita que a grande safra de 1970 é o melhor padrão de comparação, no que concorda José Maria Soares Franco ao afirmar: "Não é simples, do meu tempo, talvez 85. Indo mais além, a situaria junto a 1970 e, quem sabe, 66 e 63." Alguma controvérsia existe sobre o potencial de envelhecimento de um Porto elegante como o 2007, mas Francisco Olazabal está com a maioria e ressalta que "o equilíbrio está presente com muitos taninos bons. Os Porto 70, grande safra, acredito que nunca foram brutos".
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