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Conheça terroir, a história e os melhores vinhos de Navarra

História, Vinhos e Terroir Navarro é uma das regiões mais fascinantes da Espanha

Imagem Conheça terroir, a história e os melhores vinhos de Navarra

por José Renato Camilotti

Com uma trajetória que remonta à Idade do Bronze, Navarra se destaca não apenas por sua rica herança cultural, mas também por sua forte tradição vitivinícola. Desde os tempos do Império Romano até a influência francesa na Idade Média, a região consolidou-se como um importante polo de produção de vinhos, especialmente tintos e rosados de qualidade.

Com um terroir diversificado, influenciado pelo clima continental e marítimo, Navarra abriga uma das denominações de origem mais antigas da Espanha, combinando inovação e tradição na elaboração de seus vinhos.

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Idade do Bronze

Com registros arqueológicos de vida em comunidade ainda presentes e tão antigos quanto a idade do bronze (desde 1700 antes de Cristo), Navarra manteve certa autonomia cultural mesmo sob o domínio do Império Romano; as características topográficas acidentadas da região, somada à facilidade para a agricultura em terras mais ao sul, mantiveram o desinteresse relativo dos romanos por Navarra, fazendo com que os “Vascones”, hoje chamados de Bascos, pudessem preservar sua diversidade cultural e tradições, como a curiosa língua euskara, ainda hoje falada em certas regiões da Espanha.

A ideia de resistência e manutenção cultural seguiu-se nas lutas contra visigodos, francos e mouros, povos os quais jamais subjugaram totalmente os habitantes de Navarra e com a Idade Média vieram os vinhedos plantados em monastérios, que proviam vinho tanto para as cerimônias religiosas, quanto para os peregrinos que atravessavam a região rumo à Galícia, no “caminho de Santiago de Compostela”.

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Os registros contam que o Reino de Navarra durou de 824 ao ano 1234, quando a morte do Rei Sancho VII determina o fim da dinastia. Durante esse período, rotas comerciais se estabeleceram, o comércio floresceu e a plantação de vinhas contou com grande expansão por toda a região.

Após o fim da dinastia navarra, a região caiu sob domínio franco e, sob o reino de Teobaldo I, veio a influência da viticultura e vinificação francesas, destacando-se o plantio de Chardonnay e Pinot Noir. No século XIV, Navarra havia se tornado um importante centro produtor e exportador de vinhos e a viticultura era principal atividade agrícola.

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A catástrofe da filoxera na Europa em meados do século XIX representou, inicialmente, uma incrível demanda pelos vinhos de Navarra e houve grande fluxo migratório de enólogos franceses para a região; com a chegada de novas práticas, tecnologias e técnicas, a região prosperou por mais de uma década até chegada da praga – Navarra perderia cerca de 95% de todos os seus vinhedos e aproximadamente 80% de suas uvas. A região somente retomaria o curso da viticultura no século seguinte, com o plantio da Garnacha.

Atualmente, após a Constituição Monárquica de 1978, Navarra é uma das 17 Comunidades Autônomas da Espanha; seu nome oficial é “Comunidad Foral de Navarra”.

O Terroir de Navarra

Navarro vinhos
Navarra apresenta diferentes condições climáticas e, apesar de o clima ser predominantemente continental, há notável influência marítima em algumas áreas

Navarra fica na parte norte do território espanhol, margeada ao sul pela região de Aragão, que também desenha toda a fronteira no lado leste; ao norte a grande fronteira natural com a França é a cadeia montanhosa dos Pirineus, além de uma pequena porção de terra limítrofe com o País Basco; e a oeste temos a famosa vizinha La Rioja.

Desde 1200, quando perdeu parte de seus territórios ocidentais para o então Reino de Castela, Navarra está encravada territorialmente, sem acesso ao litoral. Esse “aprisionamento”, somado à localização mais ao norte da Espanha, resulta em diferentes condições climáticas e, apesar de o clima ser predominantemente continental, há notável influência marítima em algumas áreas, fazendo com que a região seja tradicionalmente dividida em três distintas áreas:

  • Montaña (extremo norte): as temperaturas são normalmente mais baixas e as chuvas caem com maior intensidade, influências diretas dos Pirineus e das regiões litorâneas mais ao norte;
  • Zona Media (centro da região): tem continentalidade muito similar à Montaña, com a distinção de menos chuvas, deixando o microclima mais seco, e finalmente;
  • Ribera (parte sul de Navarra): tem a característica continental muito marcada, com verões muito quentes e invernos muito frios, a pluviometria é a menor da região. Duas importantes influências são a do vento “Cierzo”, que sopra frio e seco nas vinhas – ajudando no controle das doenças e arrefecendo as altas temperaturas no verão – além da existência de muitos rios afluentes do Rio Ebro, importantes fontes de água.  

Navarra está inteiramente situada na bacia do Ebro, fazendo com que compostos argilosos, arenosos e de marga (argilo-calcários) estejam presentes por todo o solo da região, com destacada porção de calcário para a região mais próxima a La Rioja e argila nas proximidades do vale do Ebro.

Vinhas e Vinhos

Vinhas Navarra

Os vinhedos de Navarra situam-se, por imposição topográfica, na metade sul das terras de região e são plantados em colinas e encostas (300 a 550m), e também em áreas mais planas do Vale do Rio Ebro. Mais de 90% são de variedades tintas e apesar de a Tempranillo (34%) e a Garnacha (23%) serem as mais plantadas, as “variedades internacionais” tem grande relevância, com Cabernet Sauvignon e Merlot representando juntas cerca de 30% de toda a área cultivada. A coexistência dessa diversidade entre variedades autóctones e internacionais são um símbolo de Navarra.

Apesar dos 90% das plantações de uvas tintas, os vinhos tintos representam “apenas” 60% da produção. A diferença de 30% tem nome e sobrenome: os Rosados de Navarra. O estilo tem relevância histórica e representaram a uma certa altura (meados do século XX), uma revolução estilística.

Utilizando-se do método da prensagem direta, em oposição à dominante técnica da sangria, o resultado foi um vinho mais próximo ao estilo da Provence, com mais delicadeza, aromas mais sutis e acidez mais destacada, diferentes dos rosados profundos, mais pesados, com frutas em compota, muito populares até então. Hoje os Rosados de Navarra são, ao lado dos tintos de excelente qualidade, importantes bandeiras da região.

A Garnacha é a uva dos Rosados. O método da sangria (“saignée”, em francês e “sangrado” em espanhol) é impositivo na DO Navarra. As regras da DO exigem que a extração do suco das uvas seja feita por gravidade e o rendimento máximo permitido é de 40 litros a cada 100 kg de uvas.

Essas exigências fazem com que o processo de extração das uvas possa durar muitas horas, com obtenção de maior carga de componentes aromáticos e estruturais das cascas (notadamente as antocianinas e os taninos). O resultado são vinhos com coloração mais profunda, mais encorpados e intensamente aromáticos.

A Garnacha, tal como nos Rosados, é a expressão máxima da identidade varietal dos vinhos tintos de Navarra. É principalmente com ela que os tintos têm alcançado destaque pela qualidade e potencial de guarda. Entretanto, os blends sempre foram também uma significativa marca de Navarra. Tempranillo, Cabernet Sauvignon e Merlot formam a trindade dominante dos cortes de Navarra. Os tintos em geral, vêm conquistando cada vez mais espaço por sua destacada qualidade, cuidadosa produção e identidade própria.

Mesmo com a busca por sua autenticidade regional, a variedade de estilos de tintos produzidos na DO ainda é grande; há desde os frescos e jovens, sem qualquer passagem por madeira, até os tintos com belo potencial de guarda e grande tempo de estágio em madeira. Vale dizer que as regras de envelhecimento da DO Navarra seguem a legislação nacional espanhola:

  • Crianza (tintos: 24 meses de envelhecimento/6 meses em barricas de carvalho; brancos e roses: 18 meses de envelhecimento/6 meses em barricas de carvalho).
  • Reserva (tintos: 36 meses de envelhecimento/12 meses em barricas de carvalho; brancos e roses: 24 meses de envelhecimento/6 meses em barricas de carvalho).
  • Gran Reserva (tintos: 60 meses de envelhecimento/18 meses em barricas de carvalho; e brancos e rosés: 48 meses de envelhecimento/6 meses em barricas de carvalho).

Sem muito destaque na região, os vinhos brancos representam cerca de 10% da produção, com a Chardonnay sendo a uva branca mais plantada (cerca de 5% da área cultivada).

A verdade é que a DO Navarra reflete a diversidade cultural da região em seus vinhos, em uma composição de estilos e de uvas autóctones e internacionais. As uvas tintas autorizadas pela DO são Tempranillo, Garnacha, Graciano, Mazuelo (Cariñena), Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir e Syrah. As brancas são Garnacha Blanca, Viura (Macabeo), Malvasia Riojana, Moscatel de Grano Menudo, Chardonnay e Sauvignon Blanc.  

Subzonas

Navarra
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Navarra é uma das mais antigas denominações de origem da Espanha (1933) e é única DO existente na região autônoma de Navarra. Vale dizer, a “Região Autônoma de Navarra” é a divisão política, a “DO Navarra” é delimitação legal da zona de produção, cobrindo praticamente toda a área de vinhas (cerca de 11,000 hectares). Além disso, dentro da DO Navarra há ainda uma divisão em cinco subzonas que refletem a melhor expressão da diversidade de terroirs ali existentes.

  • Baja Montaña – Na porção nordeste da DO, região fronteiriça com Aragão, vinhedos plantados nos sopés dos Pirineus em solos arenosos, argilosos, calcários e de cascalho, além de marga. Nessa subregião prosperam a Tempranillo e a Garnacha, com destaque para os rosados de cor profunda.
  • Ribera Alta – as principais uvas tintas aqui são Tempranillo e Graciano. Chardonnay e Moscatel de Grano Menudo são as brancas que prosperam. É uma região mais seca e com alta continentalidade. Os vinhos são plantados em altos terraços de variados tipos de solos (argila, calcário e areia são parte da composição).
  • Ribera Baja – a região faz fronteira com Rioja, mais especificamente a subregião de Rioja Oriental, ocupando a parte sul de Navarra. É a mais quente das cinco subregiões da DO Navarra. Os mesmos variados solos de Ribera Alta recebem Tempranillo e Garnacha (tintas) e Viura e Moscatel de Grano Menudo (brancas).
  • Tierra Estella – na parte oeste de Navarra, a região também faz fronteira com Rioja. Possui os vinhedos mais altos das cinco subregiões. A branca Chardonnay, juntamente com Tempranillo e Cabernet Sauvignon são plantadas com sucessos nos solos de cascalho e compostos por areia, argila, calcário e marga.
  • Valdizarbe – marcada por receber influência marítima, é a mais húmida das cinco subzonas de Navarra. Aqui são plantadas diversas variedades de uvas, para diversos estilos de vinhos, com destaque para Tempranillo, Garnacha, Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay e Malvasia Riojana. Solos aluviais se juntam à diversidade de argila e marga.

Vinos de Pago

Navarra

A revelação dos vinhos de Navarra como expressão de qualidade deve-se em grande parte aos Vinos de Pago. Criada em 2003 pela legislação nacional espanhola, a categoria significa em linhas gerais, um vinho de vinhedo, ou um vinho produzido inteiramente na propriedade do produtor, com viticultura e vinificação inteiramente sob seu controle. As regras estabelecem as uvas autorizadas para cada Pago, os métodos específicos de viticultura, vinificação e até mesmo regras especiais de envelhecimento.

Atualmente há 24 Vinos de Pago reconhecidos oficialmente pela legislação espanhola e três deles são em Navarra: Pago de Arinzano, Pago de Otazu e Pago de Irache.

Pago de Arinzano – apesar de produção datar do século XI, quando Sancho Fortuñones de Arinzano já fazia vinhos em sua propriedade, foi apenas em 1988 que o vinhedo foi redescoberto, após anos de abandono. O status de Vino de Pago veio em 2007, sendo o primeiro a receber a honraria em Navarra. São 133 hectares de vinhas plantadas com Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay em vinhedos com altura média de 500m. Tintos são 64% dos vinhos produzidos e os brancos contam com 36%. Não há rosados. Solos argilosos, calcários e arenosos, precipitação de 680mm e clima continental, mas com influências marítimas, produzem vinhos com uma variedade de frutas vermelhas e pretas maduras, cheios de aromas secundários e terciários, combinando potência e elegância em estrutura bem arquitetada.

Pago de Otazu – Conferido em 2009, esse Pago sofre influências marítimas ao mesmo tempo do Atlântico e do Mediterrâneo; é o pago mais ao norte dos três. Há um microclima que tempera continentalidade com o clima marítimo, fazendo com que os invernos e primaveras sejam muito chuvosos. No vinhedo, isso resulta em cerca de duas semanas de “atraso” nas colheitas em comparação com o restante da região. São cerca de 110 hectares divididos em parcelas singulares que variam de 1 a 5 hectares, todos com tratamento específico e colheira manual. Os solos são mais argilosos nas encostas, com mais profusão de cascalho nas áreas mais próximas ao Rio Arga, que banha a parte ocidental e norte do Pago. As uvas são as mesmas autorizadas para o Pago de Arinzano. Os tintos têm marcada fruta vermelha, com nitidez e elegância em longo final.

Pago de Irache – A produção é dedicada inteiramente aos tintos feitos de Tempranillo, Cabernet Sauvignon, Merlot, Graciano, Garnacha e Mazuela, mas a fórmula conta com a liderança destacada da Tempranillo, com a Merlot e a Cabernet Sauvignon como coadjuvantes. O Pago foi concedido em 2009, mas a Bodegas Irache, provê vinhos aos “peregrinos” desde o século 12. O Caminho de Santiago passa ao sul e oeste da propriedade e a Bodega mantém sua vocação de cuidar dos fiéis mantendo uma fonte de vinhos gratuita destinada a matar a sede dos que hoje percorrem “El Camino”. A propriedade possui o total de 150 hectares, mas apenas 15 deles são autorizados a produzir Vino de Pago e o restante produz DO Navarra. Aqui sente-se muita influência do “Cierzo”, que traz frescor no verão, secando as vinhas. O clima continental também conta com influências marítimas e essa combinação com o solo argiloso, calcário e de giz confere aos vinhos um caráter de ameixas e cerejas maduras, especiarias, baunilha e a sempre presente sutileza tostada do carvalho. Taninos sedosos e acidez refrescante compõem uma estrutura muito equilibrada.

Excelência além dos Pagos

Não é raro encontrar em produtores de destacada e inquestionável qualidade vinhos que superam, por vezes, os próprios Pagos. Esses produtores são determinados na busca pela qualidade, inovando, criando, fazendo releituras de tradições e técnicas, tudo a serviço do resgate e da construção da identidade da DO Navarra, principalmente pela elaboração de monovarietais, com destaque para a Garnacha, a Graciano e a própria Tempranillo. Bodegas J. Chivite, Domaines Lupier e Viña Zorzal são expoentes dessa qualidade e da excelência na elaboração dos vinhos de Navarra.

História, diversidade e inovação estão no DNA de Navarra. Sua localização e sua topografia provêm diferentes microclimas e terroirs variados, que proporcionam diferentes leituras das variedades plantadas e uma riqueza de estilos que causa encantamento para iniciantes e iniciados. Seja através de seus rosados icônicos, tintos robustos que se destacam cada vez mais pela autenticidade e qualidade, ou mesmo pelos brancos frescos, Navarra continua a pavimentar seu caminho como um lugar de potência ainda não esgotada, como uma região que intriga e ao mesmo tempo apaixona, tanto pela história que escreveu, mas ainda mais pelas letras que ainda estão por ser escritas.

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