Epítome da Viognier

Descubra os segredos da vitivinicultura heroica de Condrieu

Entre vinhedos íngremes e tradições a odisseia da vitivinicultura em Condrieu

Condrieu representa a jornada do Vale do Rhône em sua tradição milenar na cultura do vinho
Condrieu representa a jornada do Vale do Rhône em sua tradição milenar na cultura do vinho

por Arnaldo Grizzo

A cerca de 40 quilômetros ao sul de Lyon, na margem direita do Rhône, ao pé do maciço do Pilat, as vinhas de Viognier se agarram a terraços nas encostas íngremes formadas por granitos decompostos. Este cenário impressionante é o berço da denominação Condrieu.

O clima temperado da parte norte do vale do Rhône, a exposição ao sol e as características únicas dos solos criam as condições ideais para o amadurecimento da Viognier, a única variedade de uva autorizada na região.

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Embora a lenda sugira que a cepa tenha vindo da Dalmácia, evidências arqueológicas e estudos genômicos confirmam sua origem local, derivada de antigas variedades de vinhas selvagens. Diz-se que, em Condrieu, o Viognier "dourado" encontra seu lar natural. 

A história do vinho de Condrieu é antiga. No século I a.C., os celtas Allobroges, que habitavam o vale do norte do Rhône, cultivavam vinhedos ao redor da cidade de Vienne sob o domínio romano. Escritores antigos, como Plutarco, já elogiavam a qualidade desses vinhos. Durante a Idade Média, os vinhedos se expandiram sob a gestão da Igreja, e o Arcebispo de Lyon concedeu a Condrieu o privilégio de colher quantas uvas desejasse. 

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Os Papas de Avignon tinham grande apreço pelos vinhos de Condrieu e, no século XVI, o Capítulo de Lyon costumava oferecê-los a seus convidados mais ilustres. Gradualmente, os produtores locais assumiram o controle dos vinhedos. No século XVII, a reputação de Condrieu já estava firmemente estabelecida em toda a França, sendo mencionada por figuras notáveis como o poeta Nicolas Boileau e matemático Blaise Pascal. O vinho de Condrieu tornou-se sinônimo de qualidade, sendo especialmente popular em Paris.

As crises

Condrieu
Registros de engarrafamento de vinhos em Condrieu surgem na metade do século XIX

No início do século XIX, a vila de Condrieu contava com 142 hectares de vinhedos. Os primeiros registros de engarrafamento datam da metade desse século, quando os vinhos começaram a ser transportados para Saint-Etienne e Lyon, impulsionados pelo desenvolvimento das ferrovias. Nos anos 1870, após um alerta de míldio, a filoxera devastou os vinhedos, e levou 20 anos para replantá-los com videiras enxertadas e restaurar a produção. 

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Até então, Condrieu era conhecido por seus vinhos doces, com uvas frequentemente colhidas por volta do Dia de Todos os Santos. No início do século XX, começaram a surgir vinhos secos. No entanto, a I Guerra Mundial levou ao gradual abandono dos vinhedos, e a força de trabalho foi absorvida pela horticultura, arboricultura e o desenvolvimento da indústria no Vale do Rhône.

Condrieu
Abrangendo os municípios de Condrieu, Vérin e Saint-Michel-sur-Rhône, a AOC Condrieu foi estabelecida em 27 de abril de 1940

Apesar disso, a viticultura resistiu, e a AOC Condrieu foi estabelecida em 27 de abril de 1940, abrangendo os municípios de Condrieu, Vérin e Saint-Michel-sur-Rhône. O Sindicato dos Viticultores foi fundado no mesmo ano, e a tradição de excelência continuou, com Maurice Curnonsky, o "príncipe da gastronomia", referindo-se a Condrieu como um dos melhores vinhos da França. 

Mesmo com a expansão para incluir os municípios de Chavanay, Saint-Pierre-de-Bœuf, Malleval e Limony em 1967, a denominação estava em declínio e à beira da extinção.

Em 1975, um relatório de um estudante chegou a questionar se o Viognier estava condenado. Em 1978, restavam apenas 8 hectares de vinhedos.

Renascimento

Contudo, na década de 1980, os vinhedos de Condrieu renasceram graças à determinação de um pequeno grupo de viticultores. A produção de vinho se tornou mais profissional, novos produtores surgiram, as encostas abandonadas foram replantadas, e as “chayées/chaillées” (terraços estreitos) foram reconstruídas. 

Em 1986, diante de um crescente número de pedidos de plantio e com o objetivo de melhorar a qualidade dos vinhos, os produtores de Condrieu, sob a liderança de Georges Vernay, realizaram uma revisão final da área da denominação, em acordo com o INAO.

Todos os vinhedos situados acima de 300 metros de altitude foram excluídos, reduzindo a área da AOC em um terço e mantendo apenas as encostas mais bem expostas. Após essa revisão, a denominação passou a cobrir 262 hectares nos municípios de Condrieu, Vérin, Saint-Michel-sur-Rhône, Chavanay, Malleval, Saint-Pierre-de-Bœuf e Limony. Atualmente, Condrieu conta com cerca de 90 produtores.

Terroir

Condrieu

A denominação Condrieu está situada na junção do Maciço Central com o Vale do Rhône. Depósitos aluviais do rio Rhône formaram terraços planos que cortam as íngremes encostas, moldadas ao longo de mais de 400 milhões de anos.

Ao longo do tempo, esse subsolo passou por várias transformações, tornando-se ideal para o cultivo da uva Viognier. O solo é ácido, com grande capacidade de acumular e reter calor, predominando granitos e rochas metamórficas da família dos gnaisses, com alguns depósitos de loess. As fissuras ricas em argila incentivam as raízes das videiras a se aprofundarem. O substrato, embora não muito espesso, é sustentado pelos terraços, o que permite a formação de um solo mais rico em matéria orgânica.

Além dessas características geológicas, a região conta com um clima típico e uma diversidade de encostas voltadas para o sul e sudeste. As vinhas enfrentam invernos amenos, verões quentes e uma precipitação relativamente regular (700-800 mm por ano). Elas são protegidas do vento frio do norte, mas expostas ao vento quente do sul, que frequentemente seco, acelera o amadurecimento das uvas e protege as videiras de doenças.

Viticultura heroica

Condrieu
Nas encostas a inclinação é frequentemente superior a 50%

Cultivar vinhos finos em Condrieu é uma tarefa árdua em encostas íngremes e solos delicados. Nas encostas, a inclinação é tão acentuada (frequentemente superior a 50%) que apenas a viticultura em terraços estreitos é viável.

Desde a antiguidade, terraços foram construídos para permitir que as videiras se fixem à rocha-mãe. Esses terraços estreitos, conhecidos como "chaillées" ou "chayées", são sustentados por "cheys" (muros de pedra seca), que minimizam a erosão, retêm o solo nas encostas e aumentam a exposição ao sol, criando um microclima a partir do calor armazenado.

A manutenção desses terraços é constante e extenuante, exigindo um trabalho intensivo e artesanal. As estacas que sustentam as vinhas, plantadas em alta densidade (8.000 a 10.000 por hectare), também demandam cuidado contínuo. Com poucas possibilidades de mecanização, todo o processo permanece essencialmente manual e tradicional, com enxada e arado puxado por guincho, sem o uso de tratores, resultando em rendimentos baixos e altos custos de produção.

Estilo

Há uma disputa entre os que afirmam que os vinhos Condrieu devem ser apreciados jovens ou então com um pouco de idade na garrafa. Os produtores dizem que as grandes safras têm um potencial de envelhecimento de até 20 anos. Mas muitos consideram que Condrieu deve ser apreciado de forma simples e direta e não muito resfriado, com uma temperatura entre 11-13 °C. 

Notas florais de violetas, aromas de frutas maduras (manga, pêssegos brancos, damascos), toques de almíscar, mel, gengibre e tabaco quando no auge costumam aparecer em uma ampla gama de aromas e sabores, em vinhos que possuem frescor, equilíbrio e finesse. São vinhos que combinam muito bem com foie gras, lagosta, aspargos, croquetes, aves, rã, peixes de rio, queijos de cabra etc.

Confira abaixo os melhores vinhos de Condrieu avaliados pela Revista ADEGA ⬇ 

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