Jean-Luc Thunevin fez com que os "vinhos de garagem", mesmo sem ter a tradição dos grandes châteaux, se tornassem cult no mundo todo
por Arnaldo Grizzo
Jean-Luc Thunevin, produtor que deu vida aos chamados "Vin de Garage"
A história dos "vinhos de garagem" (Vin de Garage) talvez não tenha começado com Jean-Luc Thunevin, pois antes dele o conceito de vinhos de pequena produção feitos com cuidados extremos e técnicas específicas - que também podem ser chamados de "vinhos de autor" - já existia e era aplicado por alguns produtores mundo afora - e até mesmo alguns de Bordeaux, como o Château Le Pin, cuja produção, realizada em pequeníssima escala, faz com que uma garrafa atinja preços fabulosos.
No entanto, foi o "descolado" Jean-Luc Thunevin quem deu vida ao que hoje se conhece como vinho de garagem. E essa expressão "Vin de Garage" surgiu exatamente porque Thunevin e sua esposa, Murielle Andraud, começaram fazendo seus vinhos em tanques que ficavam na garagem de sua casa em Saint-Émilion no início dos anos 1990. O casal era amigo de Michel Rolland, que lhes deu algumas dicas, e logo a história daqueles "malucos" que faziam vinho na garagem apareceu nas revistas especializadas. Porém, o termo "vinho de garagem" acabaria cunhado pelo maior crítico de vinhos do mundo, Robert Parker, que provou o que Thunevin estava fazendo e, mais do que isso, anos mais tarde lhe deu notas superiores aos tradicionalíssimos Châteaux Margaux e Pétrus.
Tudo ou nada
Thunevin nasceu em Mascara, na Argélia, mas logo foi para a França quando sua família resolveu deixar o país após sua independência em 1962. Antes de se enveredar pelo mundo do vinho, trabalhou com diversas coisas, desde cortador de lenha, passando por DJ em baladas, até um respeitável emprego em um banco, onde ficou até pouco depois dos seus 30 anos. Quando saiu de lá, com a indenização recebida, comprou casa em Saint-Émilion e abriu um restaurante com a esposa, que na época trabalhava como enfermeira num hospital da cidade.
Vivendo cercado de vinhedos e vinhos, mas sem nenhum antecedente na área, ele, ainda assim, abriu uma loja de vinho e começou entrar no mercado de négociant (sua empresa hoje representa e distribui alguns dos principais vinhos de Bordeaux). Em 1989, já encantado com esse universo, comprou 0,6 hectares de uma propriedade em um vale perto de Saint-Émilion, entre os Châteaux Pavie-Macquin e La Clotte, chamado Vallon de Fongaban. Tinha início o Château Valandraud (junção de Val com Andraud, sobrenome de Murielle).
Mesmo sem ter estudado para isso, aos poucos, o casal conseguiu comprar mais terras e juntar 10 hectares em diversas áreas de Saint-Émilion que lhes permitem produzir seis vinhos diferentes sob a "marca" Valandraud (Château Valandraud, Château Valandraud Casher, Virginie de Valandraud, 3 de Valandraud, e os brancos Blanc de Valandraud N° 1 e N° 2).
Le Pin e o "garoto malvado"
A inspiração para Thunevin criar seu próprio vinho teria vindo depois de ele ter degustado um Château Le Pin, um dos vinhos mais cultuados do mundo devido à produção ínfi ma. Assim, a primeira safra do Valandraud se deu em 1991, com pouco mais de mil garrafas produzidas com técnicas inovadoras dentro da garagem de Jean-Luc e Murielle, que contaram com a ajuda de Michel Rolland.
Jean-Luc e Murielle cuidando de um de seus vinhedos
Tão logo começou a provar os vinhos do casal, Robert Parker pareceu se encantar e chamou Thunevin de o "Bad Boy" (o garoto malvado) de Saint-Émilion, pois ele não costumava respeitar as tradições de Bordeaux na hora de produzir seus vinhos. No vinhedo, sob supervisão de Murielle, a poda é adaptada para cada vinha e faz-se colheita em verde para limitar o número de cachos por planta, além de ter um rendimento baixíssimo, entre outras técnicas de extremo cuidado com o cultivo.
Château Valandraud é sinônimo de "vinho de garagem"
Já Jean-Luc Thunevin busca sempre a maturação perfeita das uvas para seus micro-cuvees. Ele também usa algumas técnicas borgonhesas como pigéage (técnica de romper o chapéu formado pela massa sólida que se forma no tanque com a fermentação) e agitação das borras para obter o máximo de concentração. Em entrevista à ADEGA, um dos principais produtores da Borgonha, Dominique Laurent, fez questão de afirmar que, no começo dos anos 90, Thunevin havia lhe telefonado para entender como funcionava a técnica dos vinhos com a borra.
Do nada para o cult
Na primeira safra, em 1991, uma garrafa de Château Valandraud valia 13 euros. Já caro para um vinho sem qualquer tradição, mas razoável pela quantidade de garrafas produzidas (1,5 mil). Em 1995, depois que Parker deu ao vinho notas maiores que ao Margaux e Pétrus, o preço foi às alturas, mesmo com a produção já sendo cerca de 10 vezes maior, entre 15 e 20 mil garrafas. Hoje, uma passa dos 150 euros.
Tamanho sucesso fez com que Thunevin se tornasse uma grande referência e desse início a esse movimento garagista. Assim, ele vem expandindo seus negócios com aquisição de outras propriedades como Château Fleur Cardinale, Château Haut-Mazeris, Château La Dominique, Château de Carles, Marojallia, Domaine Thunevin Calvet e, mais recentemente, Château Bellevue de Tayac (degustado por ADEGA), Le Clos Beau Père e Domaine dês Sabines.
Vinhos de Thunevin ganharam fama após caírem no gosto de Parker, que o apelidou de Bad Boy de Saint-Émilion
A alcunha "Bad Boy" também serviu para que Thunevin se inspirasse e fi zesse um vinho com esse nome em cujo rótulo há uma ovelha negra apoiada sobre uma placa apontado o lugar da garagem. Isso mostra o bom humor de Thunevin, que realmente não faz questão de se importar com as regras da denominação de Saint-Émilion e sabe, como ninguém, criar um frenesi sobre seus vinhos por mais que a legislação francesa ou mesmo os críticos tentem desqualificá-los.
VINHO AVALIADO | ||
Château Bellevue de Tayac 2005 | R$ 396 |
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