O inovador grupo Vintae, gerido por Ricardo Arambarri Pérez, elabora vinhos em oito regiões espanholas e até já foi responsável por criar novas denominações de origem
por Arnaldo Grizzo
Vinhedos do projeto Vintae em Navarra |
Quem olha para Ricardo Arambarri Pérez talvez duvide que alguém tão jovem e despojado seja o representante de uma das mais vanguardistas empresas vitivinícolas da Espanha. Mas atenção, pois aquele rosto imberbe e simpático na verdade provavelmente representa um estereótipo da nova cara do que será o vinho espanhol nos próximos anos.
"Gostamos de fazer coisas únicas em diferentes regiões, explorar o melhor de cada zona da Espanha. [...] Somos a Espanha moderna, sempre com projetos novos, sempre surpreendendo"
Esse garoto é o gerente da Vintae, um grupo de empresas que atua em oito denominações de origem diferentes na Espanha. Com um conhecimento tão grande das mais diversas áreas, o grupo é capaz de reconhecer tendências e, mais do que isso, influenciar decisivamente nos rumos da vitivinicultura de cada região e também da Espanha.
Baseado inicialmente em La Rioja, onde José Miguel Arambarri Terrero (pai de Ricardo) e seus ancestrais começaram a vida como agricultores, o grupo Vintae - que teve início em 1999 e compreende 12 empresas atualmente - esteve por trás da criação da indicação geográfica Valles de Sadacia, por exemplo, para recuperar o prestígio dos vinhos brancos de La Rioja, que estavam sendo esquecidos pelos produtores e pelo mercado.
Sempre antenado, o grupo criou o Proyeto Garnachas de España. Compreendendo o potencial da Garnacha no cenário vitivinícola espanhol, criou uma linha de produtos que representam os principais terroirs para a casta e expressam o que ela tem de melhor (geralmente em vinhas velhas), mostrando ao mundo que a Espanha tem muito mais a oferecer do que a tradicionalíssima Tempranillo.
Ao contrário do que estamos acostumados a ver no mundo vitivinícola, Ricardo Arambarri Pérez, apesar de ter nascido cercado por videiras e vinhos, é formado em administração de empresas. Isso, contudo, não diminui sua paixão pelo vinho, apenas reforça sua visão, sempre além, sempre vanguardista, do que a Espanha pode se tornar no cenário internacional.
Como sua família começou no mundo do vinho?
Vinho em La Rioja, você respira. Está no dia- -a-dia da vida de todos. Estudei administração, em Barcelona, nada a ver com vinho. Depois, nos Estados Unidos. Entrei na empresa em 2007. Meu irmão mais velho, José Miguel, foi igual e entrou em 2005. Aprendemos a tradição do vinho em casa. Meu avô era lavrador. Ele tinha muitas vinhas, elaborava vinhos em uma vinícola pequena e os vendia para grande vinícolas ou deixava para consumo próprio. Meus ancestrais sempre foram agricultores, por muitas gerações.
E quando começaram o projeto Vintae?
Somos um produtor atípico, pois somos famílias de La Rioja. O projeto Vintae nasce em 1999 e começa a elaborar vinhos em La Rioja, como uma vinícola tradicional. Permanece fazendo vinho lá, mas, em 2005, pensamos: 'Por que não fazer vinho em Ribera del Duero, Navarra etc?' O que fizemos foi ir a outras zonas que nos pareciam interessantes. Temos 220 hectares nossos, mas tem lugares que não temos vinhedo próprio. Em alguns temos vinícola própria, outros não. Cada projeto muda um pouco. O que fazemos é comprar uva dos agricultores locais e alugar instalações para poder elaborar o vinho. Com isso, podemos investir e estamos em oito regiões.
"Um agricultor que tem paixão por seu trabalho cuida da vinha como um jardim. Os que só veem os números, muitas vezes abandonam a vinha"
Quais?
Em La Rioja e Valles de Sadacia, que é uma denominação pequena, fundada por meu pai, para elaborar vinhos de uvas brancas. Depois, Ribera del Duero, Toro, Navarra, Ribeira del Queiles - muito pequena, ao sul de Navarra, com parte em Aragon -, Calatayud e Priorat. Em suma, somos uma vinícola revolucionária, que gosta de fazer coisas únicas em diferentes regiões, explorar o melhor de cada zona da Espanha. Acima de tudo, somos a Espanha moderna, sempre com projetos novos, sempre surpreendendo, como o projeto que está aí, o Garnachas de Espanha, que é uma variedade com muito interesse, com muita tradição, mas ficou um pouco abandonada. Ele é feito em quatro regiões. La Rioja, que são vinhedos da família de nosso enólogo, Raúl Acha, onde fazemos uma edição limitada, muito pequena. Depois, produzimos na zona de Ribera del Queiles, Calatayud e Priorat. Essa é a essência de Vintae, o dinamismo e sempre estar surpreendendo com o que fazemos.
Qual o critério para escolher os locais onde produzem?
O que fazemos é, antes, passar o tempo necessário vendo as vinhas, conhecendo os agricultores. Tão importante quanto a vinha ser boa é que o agricultor a trabalhe bem. Provamos vinhos de vinhas selecionadas, de outras safras. Fazemos um estudo no lugar que selecionamos. E de um ano para outro vamos aprendendo.
Que tipo de vinhedo buscam?
Sempre procuramos vinhedos velhos. Mas buscamos gente que cuide do vinhedo, agricultores com paixão. Pois um agricultor que tem paixão por seu trabalho cuida da vinha como um jardim. Os que só veem os números, muitas vezes abandonam a vinha, não a trabalham tão bem.
De onde surgiu Valles de Sadacia?
A história começa em 1999, pois em La Rioja o vinho branco estava caindo. E La Rioja é a região mais tradicional da Espanha. Passados 25 anos, o vinho branco veio caindo constantemente. Então meu pai analisou a situação e pensou que o problema era que as variedades que se elaboravam lá não eram castas de que o mercado gostava. As cepas tradicionais lá são Viura, Malvasia e Garnacha Blanca. Se essas variedades não têm êxito, vamos experimentar com variedades que tenham, castas de que o consumidor goste. Como Viura é um variedade neutra, que geralmente tem pouca fruta, vamos buscar uma variedade que seja muito frutada, no polo oposto. Apostamos na Moscatel de Grano Menudo (Muscat à Petit Grains). Plantamos as primeiras vinhas em 1999. Em um dado momento, como essa variedade não estava aprovada dentro do conselho regulador de La Rioja, deram-nos a oportunidade de criar uma nova denominação de origem. Meu pai é o presidente dela, meu irmão o vice. Iniciamos com Moscatel e, em 2005 e 2006, plantamos sete variedades novas: Verdejo e Albarinho espanholas; Chardonnay, Sauvignon Blanc e Viognier, francesas; Gewürztraminer e Riesling da Alemanha. Agora são oito cepas permitidas no total.
Para onde vai a vitivinicultura da Espanha hoje?
O que tenho muito claro é, primeiramente, que a Espanha vai ser referência quanto aos vinhos de melhor valor da Europa - que não me escutem os franceses e italianos. Ou seja, vinhos de uma grande qualidade a um bom preço. Um fator muito importante atualmente é que está vindo uma nova geração de viticultores e enólogos que buscam surpreender, fazer coisas originais, até no design de rótulos. E acreditamos que estamos nesse movimento. Em relação aos vinhos acho que estamos abandonando o excesso de barrica. Antes buscava-se muita barrica, muita tanicidade, vinhos muito duros. Agora acho que estamos buscando a elegância, a mineralidade, tirar a essência do solo, a fruta, a integração entre a barrica e a fruta, vinhos mais bebíveis, mais fáceis de desfrutar. O futuro da vitivinicultura e da enologia vai por aí, na direção de buscar qualidade da vinha, menos sobrematuração, e, dentro da vinícola, macerações mais curtas, em vez de tanta extração. Vai-se buscar um melhor equilíbrio, vinhos mais sedosos e envelhecimentos mais curtos em barrica, de no máximo 15, 16 meses, e também menos tostados altos. Isso é o que vai ser a essência da Espanha nos próximos 20 anos.
A Espanha foi um dos players de vinho que mais cresceu no Brasil nos últimos anos...
Acredito, assim como Robert Parker já disse, que os próximos 20 anos serão os 20 anos dourados do vinho espanhol. Acredito nisso por várias razões. A primeira porque temos uma qualidade excepcional em vinhedos. Depois, temos tido muita formação, o que antes não havia. Há profissionais muito capacitados e uma nova geração que está saindo ao exterior. E devido ao valor dos nossos vinhos em relação à qualidade, teremos 20 anos dourados adiante.
A Tempranillo deve ser o carro-chefe do vinho espanhol?
A Espanha está cheia de Tempranillo em diferentes regiões, diferentes estilos. Não conseguimos fazer a uva famosa. Pois na Espanha sempre se buscou fazer famosas as regiões: Rioja, Ribera... Temos uma coisa muito positiva: a Espanha, junto com França e Itália, tem uma grandíssima diversidade de variedades, ainda que a Tempranillo seja a mais conhecida, a mais extensa - e que seria para o consumidor que está começando. Para o consumidor expert, há um mar de opções, a Garnacha, Mazuelo, Graciano, Bobal - que agora está muito na moda. Cada vez aparecem novas variedades interessantes. Acho que temos que apostar na Tempranillo, mas não esquecer de que há mais.
"Acredito, assim como Robert Parker já disse, que os próximos 20 anos serão os 20 anos dourados do vinho espanhol"
Vinhedos da Bodega Monastir, em Navarra, uma das oito regiões espanholas em que o grupo Vintae produz vinhos |
Quais as outras apostas?
Garnacha e Moscatel são as duas, além da Tempranillo, em que apostamos agora. No futuro, veremos, pois estamos vendo Prieto Picudo se dar bem no noroeste da Espanha. A Albarinho creio que é uma variedade que seguirá crescendo, não só na Galícia, mas em outras regiões. De maneira geral, a Bobal está tendo um crescimento muito grande. Mas não me atreveria a dizer qual vai ser a variedade do futuro. Na Espanha, há potencial para que haja muitas tendências. O que tenho claro é uma aposta em médio prazo em regiões como o noroeste da Espanha, toda a zona atlântica, desde de Ribera del Duero para cima, Leon, Galícia, incluindo Astúrias, no sentido do mar Cantábrico. Com a mudança climática, zonas que antes eram impensáveis, ou mais difíceis de chegar a boas maturações, agora estão tendo resultados fantásticos. Creio que o aquecimento global terá um papel fundamental no mundo do vinho nos próximos anos.
VINHOS AVALIADOS 90 pontos
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