Com uma coleção de prêmios e recém-aclamado pela Champèrard, o francês David Biraud fala sobre o ofício de sommelier e aponta tendências na indústria mundial
por David Biraud
A carreira do francês David Biraud é uma coleção de êxitos. Em 2002, com apenas 29 anos, ele tornou-se o melhor sommelier do país ao vencer um concurso interno, quatro anos após ter sido considerado o sommelier mais promissor da França. Responsável pela adega do Les Ambassadeurs, no luxuoso Hotel Crillon, ele foi, recentemente, laureado com mais um título, Wine Steward de 2007, outorgado pelo prestigiado guia francês Champèrard, publicado anualmente. A sua carreira começou na cozinha. Foi por meio de harmonizações com seus pratos que ele descobriu a sensibilidade para o vinho e especializou-se nas tradicionais regiões de Bordeaux e Borgonha. Em fase de preparação para o concurso de Melhor Sommelier da Europa, Biraud falou com exclusividade à ADEGA.
#R#Como foi seu primeiro contato com vinho?
Quando eu tinha 15 anos, provei um Muscadet com meus pais. Nunca tinha tomado vinho antes. Foi uma verdadeira revelação gustativa. Apesar de não estar habituado à acidez e ao amargor do vinho, adorei a experiência. Foi um bom sinal.
Como seu interesse pela bebida evoluiu?
Minha paixão pelo vinho se desenvolveu na escola hoteleira de Talence, onde pude descobrir os châteaux bordaleses. Eram organizadas, semanalmente, duas ou três visitas com degustações. Isso me possibilitou compreender melhor as técnicas de trabalho e aumentou meu interesse pelo vinho. Lá, tive um excelente professor, Monsieur Garcia, que transmitiu sua paixão pela bebida aos jovens estudantes. Depois do curso, meu gosto evoluiu em diversas degustações, nas quais descobri novos sabores.
Quais são seus conselhos para alguém que pretende seguir a carreira de sommelier?
Em primeiro lugar é fundamental entender muito bem o produto e ter sensibilidade para identificar suas características mais marcantes. Depois, recomendo investir a vida profissional em um bom restaurante.
Por que em um restaurante?
Porque lá, ao ajudar o cliente a escolher os vinhos mais apropriados para acompanhar os pratos, assume-se o papel de conselheiro, de alguém que pretende incitar nos outros a paixão pela bebida. E isso requer diplomacia, tato e um pouco de psicologia, desenvolvidos no dia-a-dia.
Como responde aos que devolvem um vinho alegando que está defeituoso, quando, na realidade, não está?
Depende se o vinho foi uma sugestão minha ou uma escolha do cliente. No primeiro caso, proponho outro rótulo. Se o cliente pediu o vinho, eu converso com ele para entender o porquê daquela escolha. Com base nessas informações, sugiro outro vinho adequado a seus anseios.
Alguns clientes preferem escolher o próprio vinho, mesmo sem entender nada de teoria da harmonização. E, em certos casos, julgam inoportuna a atitude do sommelier de interferir em sua escolha. Como você lida com essas situações?
Se alguém quiser um tinto com muito corpo para acompanhar um prato leve de peixe, não vou impedi-lo. Mas se tenho a impressão de que o cliente está perdido e não sabe o que beber, sugiro um vinho que harmonize com o prato escolhido. E posso garantir que ele terá uma experiência sensorial surpreendente.
Já aconselhou vinhos a alguma celebridade?
Eu sugeri vinhos ao cantor Henri Salvador (conhecido no Brasil pela música "Reconvexo"). Ele é um cliente do Les Ambassadeurs. E aprecia bastante os vinhos tintos da Borgonha.
Quais foram dois pedidos inesquecíveis?
Há pouco tempo um cliente veio festejar o aniversário de sua esposa e pediu um "Cos d´Estournel 1959", ano de nascimento de sua companheira. Um outro evento inesquecível se passou no dia 31 de dezembro. Uma família espanhola harmonizou cada prato com um grande rótulo. No total, desembolsaram 5000 euros somente nos vinhos.
Muitos connaisseurs julgam um ultraje essa pergunta. Mas não posso deixar de fazê-la. Você tem uma lista pessoal dos dez melhores vinhos degustados?
Sem dúvida alguma. São os seguintes: "Romanée-Conti 1999", "Yquem 1893", "Cheval Blanc 1947", "Châteauneuf du Pape", "Bonneau 1991", "Charmes Chambertin 1972", "Riesling Clos Sainte Hune 1976", "Montrachet 1995 Domaine de la Romanée- Conti", "Vega Sicilia 1990".
Como enxerga a divisão de estilos entre Velho e Novo Mundo?
Na minha opinião, não existe uma divisão. Há, na verdade, duas escolas: a européia e a do Novo Mundo. A diferença entre elas pode ser situada, sobretudo, nos vinhedos. A Europa tem uma melhor delimitação de terroir e o Novo Mundo ainda está em plena pesquisa qualitativa. No Les Ambassadeurs, temos apenas três rótulos do Novo Mundo: "Cheval des Andes 2002", da Argentina, "Noon Shiraz", da Austrália e "Harlan State 1994", dos Estados Unidos.
Apenas três rótulos do Novo Mundo?
Em muitos sentidos sou um porta-voz do vinho francês, e por trabalhar em um hotel prestigiado de Paris, sinto-me responsável por familiarizar os clientes com a variedade dos vinhos franceses. Mas não nego que outros países estão produzindo excelentes vinhos. Provo rótulos do mundo todo.
Em sua opinião, qual é o país mais promissor?
O Chile é o produtor do futuro. Lá, o vinho tem qualidade porque o terroir é livre de doenças e parasitas. Isso é o resultado da geografia do país: fronteiras terrestres pouco acessíveis, com oceano e cordilheira. Outro fator importante: os chilenos têm uma vontade verdadeira de progredir na vitivinicultura. Eles fazem as escolhas corretas e isso reflete na qualidade dos vinhos.