por Redação
No mundo do vinho, o reconhecimento pode vir tanto de críticos e especialistas, quanto do próprio consumidor. Se há sinergia entre críticos e consumidores, um clássico está montado
Diz-se que um grande vinho já nasce grande. Seria mesmo? Atualmente, é relativamente corriqueiro ver o lançamento de um rótulo que desde o começo é promovido como sendo um grande vinho, mesmo que ninguém (ao menos nenhum consumidor) tenha sequer degustado antes. E por que isso acontece? Por vários fatores, entre eles o “empréstimo” de um prestígio anterior por parte do produtor, do enólogo ou do local onde o vinho é produzido e também devido ao marketing, obviamente.
Questionado sobre o que são vinhos clássicos, François Perrin, do mítico Château de Beaucastel, fez a seguinte observação: “Acho que existem dois tipos de vinhos no mundo, os vinhos da civilização e os vinhos do prazer. Os primeiros estão enraizados no trabalho de homens e gerações que criaram o que chamamos de terroir (solo, mais uva, mais clima, mais homem). Estes vinhos devem evoluir, mas esta evolução deve estar em adequação com suas tipicidades e suas origens, são o que eu chamo de vinhos de solo histórico. Suas adaptações seguem a cronologia das gerações e o trabalho dos homens que as lapidam. Os vinhos de prazer devem se adaptar ao mercado”.
A visão de Perrin resume muito do que se considera um clássico – principalmente aqueles com potencial para se tornarem grandes ícones do mundo do vinho –, falando do terroir e da passagem do tempo. Mas não devemos nos esquecer que um rótulo clássico não necessariamente é inalcançável. Se por um lado podemos ter um Château Latour como sendo um grande clássico, podemos dizer que um Casillero del Diablo também é. Cada um a seu modo. Se o primeiro faz parte dos ícones históricos de Bordeaux, com preços elevados, o segundo é um dos rótulos populares consagrados não só no Chile, mas no mundo todo, com preços acessíveis. Qual seria o mais clássico?
Antes de tentar responder a isso, o melhor seria tentar entender como um vinho pode se tornar um clássico. Vamos então listar algumas características que podem fazer com que uma bebida se torne um rótulo consagrado. Confira.
A sábia baronesa Philippine de Rothschild, herdeira do Château Mouton-Rothschild, já dizia: “Fazer vinho é fácil, só os 200 primeiros anos é que são difíceis”. Essa frase, dita em tom de brincadeira, pode parecer presunçosa, mas na verdade reflete bem os desafios do mundo do vinho. Um vinho nascido hoje precisa vencer o tempo para se provar. Os rótulos clássicos costumam ser fruto de um trabalho de gerações, que passam safras e mais safras buscando fazer dele o melhor possível dentro de seus objetivos. Além desse trabalho “infinito”, o tempo também vai dar a resposta “comercial”. Por mais marketing que envolva o surgimento de um vinho hoje, se ele não se provar ao longo do tempo, se os consumidores não “comprarem a ideia”, ele não se torna uma referência.
“Acho que existem dois tipos de vinhos no mundo, os vinhos da civilização e os vinhos do prazer. Os primeiros estão enraizados no trabalho de homens e gerações que criaram o que chamamos de terroir”, afirma François Perrin
A consistência obviamente está ligada ao tempo. Um clássico precisa, com o tempo, mostrar que tem um estilo confiável. E aqui é onde se criam os clássicos independentemente da faixa de preço. Não importa se um vinho é caro ou barato, é a sua consistência que vai ajudá-lo a se transformar em um clássico. Ano após ano, ele deve entregar um determinado nível de qualidade para que o consumidor adquira confiança ao comprá- -lo. Ou seja, não importa se o consumidor paga caro ou barato por um vinho, se o rótulo não se mostrar consistente, não importa o preço, ele não vai continuar comprando. Mas e os vinhos de terroir, que “mudam” de acordo com a safra? Aqui vale voltar à fala de François Perrin no início do artigo, mas, resumindo, mesmo quando as variações de safra são naturais, deve-se ter um fio condutor que possa ser reconhecido.
Um clássico é um clássico porque perdura. A obra de Shakespeare, por exemplo, é imortal. Assim como uma obra de arte, um vinho deve resistir. Resistir às tentações de mudanças, resistir aos modismos, resistir à passagem do tempo com constância de propósito. Só assim um rótulo vai perdurar. Um clássico é capaz de transpor modismos passageiros e se manter íntegro por anos e anos a fio, sem ser abalado. Assim que as modas passam, ele continua lá, sempre revisitado, como um livro clássico que nunca deixa de ser relançado de tempos em tempos, alcançando milhares de edições. Ou seja, para criar um verdadeiro clássico, os produtores devem evitar as “distrações” e “desvios” que certamente surgirão.
“Fazer vinho é fácil, só os 200 primeiros anos é que são difíceis”, já dizia a baronesa Philippine de Rothschild
A essência de um vinho pode ser seu terroir – aquele local específico, trabalhado de forma singular, que gera um produto único. Aí você pode pensar que somente vinhedos super reconhecidos podem gerar um clássico, como um Romanée-Conti, por exemplo. No entanto, apesar de o local certamente ajudar muito a criar a aura de vinho clássico, a questão da essência pode estar na matéria-prima de modo geral, como a variedade selecionada, por exemplo. Há clássicos cujas uvas provêm de diferentes locais dependendo da safra. Isso também nos leva a concluir que a essência pode estar na vinificação, nos métodos escolhidos pelos produtores para criar um vinho. Assim, um clássico não necessariamente precisa ser o “melhor”, mas, como já dissemos antes, o mais consistente.
Além do terroir, da variedade, do sistema de produção etc., um clássico surge da determinação de um produtor. Aqui junta-se a constância de propósito, os meios, mas também deve-se levar em conta a estética. A estética considerada não apenas como aparência, mas como filosofia, no que define o que é belo – dentro do contexto de uma bebida, obviamente. Se formos para Hegel, um belo vinho seria aquele que apresenta a verdade do espírito, do princípio divino, ou da ideia. Ou seja, vai além do que a natureza oferece e é capaz de despertar um sentimento de sublimidade. E assim cabe ao produtor a determinação de encontrar e ser capaz de manter esse conceito de beleza.
Não importa se um vinho é caro ou barato, é a sua consistência que vai ajudá-lo a se transformar em um clássico
Aqui voltamos a falar, de certa forma, também de estética. Um clássico indubitavelmente será reconhecido. No mundo do vinho, o reconhecimento pode vir tanto de críticos e especialistas, quanto do próprio consumidor. Em um sistema muitas vezes dominado por notas, uma sequência de altas pontuações de diversos críticos pode fazer com que um rótulo se torne um clássico de uma hora para outra. Mas, obviamente não basta apenas o reconhecimento pela crítica especializada, é preciso que isso seja assimilado pelo consumidor. Se há sinergia entre críticos e consumidores, um clássico está montado.
Esse não é um fenômeno atual. O marketing correto pode ser capaz de criar clássicos instantâneos – desde de que, obviamente, os produtos entreguem o que se promete. Hoje, um lançamento estrondoso, um posicionamento de marca em locais estratégicos, uma ação agressiva em pontos de venda etc., geram um chamariz instantâneo para alguns vinhos que, se bem trabalhados, manterão um status capaz de transformá-los em clássicos duradouros. Deve-se unir a tudo isso um design bem feito da garrafa e do rótulo. Não há, por exemplo, quem não reconheça uma garrafa transparente do lendário Champagne Cristal, por exemplo. A identidade visual também conta muito em um clássico para que ele seja reconhecido como tal.
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