Mario Cordero revela os segredos do Barolo Single Vineyard, um do ícones de Piemonte
Arnaldo Grizzo E Luiz Gastão Bolonhez Publicado em 05/04/2019, às 15h00 - Atualizado em 20/04/2019, às 15h50
Relembre entrevista com Mario Cordero do Vietti, um dos mais reputados produtores do Piemonte Piemonte.
Mario Cordero é genro de Alfredo Currado, um dos enólogos que mudou o panorama do vinho do Piemonte no último século. Currado assumiu a enologia e todas as outras atividades da “azienda” Vietti nos anos 1960, quando o sogro, Mario Vietti – filho do fundador da empresa, Carlo – morreu. Sua filosofia nem sempre respeitou o tradicionalismo dos produtores de Barolo e, com um espírito inovador, aberto à experimentação, ele propôs novidades que se seriam copiadas por seus vizinhos.
Ele, por exemplo, foi o primeiro a colocar no mercado um rótulo de Barolo de vinhedo único, contrariando a tradição de pegar as melhores parcelas e vinificá-las juntas. Foi ele também que “ressuscitou” a Arneis, uva branca que estava esquecida e quase desapareceu no Piemonte. Por fim, ele também ajudou a formar a imagem de qualidade da Barbera na região. Currado sempre teve em mente fazer melhor, por isso não se prendeu cegamente às tradições.
Ele passou essa filosofia para os sucessores, entre eles Mario Cordero, que casou com sua filha Emanuela; e também o filho, Luca, que começou a trabalhar na vinícola em 1992. Seu principal vinho, Barolo Riserva Villero, feito somente em anos excepcionais, tem rótulos especiais, desenhados por artistas cujo trabalho é pago com 36 garrafas desse vinho ícone. “Temos interesse em fazer com um artista brasileiro”, adianta Cordero, que conta, a seguir, a essência de sua empresa.
Qual a história da família?
Somos uma família que está na quarta geração, mas a quinta está vindo, pois meu filho já está trabalhando conosco na vinícola, em Castiglione Falletto, uma pequeniníssima vila medieval de 600 habitantes. Desde o final dos anos 1800 produzimos Barolo nesse local. Castiglione Falletto é a única vila da região em que 80% do seu território está na área de Barolo e que todas as vilas ao redor são produtoras de Barolo. E, dentre essas vilas, talvez é a de menor destaque. Temos 45 hectares de vinhedos principalmente lá, mas também espalhados em toda a região de Barolo. Na vinícola, hoje estamos meu cunhado, Luca Currado, e eu, que somos os dois proprietários, e agora a mulher de Luca, que se ocupa da parte logística e comercial. Meu filho se ocupa da parte produtiva junto com meu cunhado.
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Vocês sempre foram inovadores na região. Qual é a filosofia da família?
Nossa filosofia sempre foi muito ligada ao terroir. Com respeito máximo ao nosso vinhedo. Não produzimos vinhos que não sejam de vinhas autóctones, então, fazemos somente brancos de Arneis e Moscato e tintos de Dolcetto, Barbera e Nebbiolo. Com o passar dos anos, sempre nos focamos em remover um pouquinho do que era a dita tradição, que para nós não existe, nunca existiu. É sempre uma evolução. Mas nunca uma revolução. Existiram grandes coisas no passado, mas devemos melhorar continuamente. É isso o que sabemos. Queremos que nossos filhos sempre façam algo melhor. Devem melhorar o que está sendo feito. Respeito muito o que foi feito antes, mas se hoje posso melhorar com a tecnologia, controlar melhor os processos, dando maior qualidade ao produto, por que não usar? É um pouco a ótica sobre a qual trabalhamos. Mas o terroir deve ser reconhecível.
Foi assim que nasceram os Barolo Single Vineyard?
A tradição de Barolo, que nós continuamos, com Barolo Castiglione na linha clássica, era de colocar junto os melhores vinhos de vários lugares. Pois cada um tinha a sua característica dominante: de La Morra espera-se que seja mais elegante; Serralunga e Castiglione, que tenha mais estrutura, Monforte, que tenha outra coisa... Assim, o ideal era pegar os melhores vinhos e fazer um blend. Esse era o ideal do Barolo clássico. Em 1961, porém, meu sogro, Alfredo Currado, foi o primeiro a vinificar e colocar no mercado um Barolo com o nome do vinhedo. Foi o Barolo Rocche e, junto com ele, nasceu o Barbaresco Masseria. Também fomos os primeiros a produzir Arneis puro.
Como surgiu o interesse pela Arneis?
Era um vinhedo antigo, quase totalmente desaparecido, com pouquíssimas plantas esparsas remanescendo em meio a vinhedos de Nebbiolo na zona de Roero. Não existia um vinhedo de Arneis. Em 1967, a primeira vinícola a produzir Arneis 100% fomos nós. Agora, Arneis tem uma DOCG. Ou seja, fizemos uma redescoberta, pois era uma vinha da qual se tinha notícia em 1400, 1600, que foi dizimada pela filoxera, depois pelas guerras. Arneis em dialeto significa uma coisa difícil, se diz para as crianças: “Sei un belo arneis”, que significa que é uma coisa viva, mas difícil de manejar. É difícil de cultivar, pois tem baixa produção. No começo, para produzir algumas garrafas, foi preciso recorrer ao padre da vila, que durante a missa disse que havia um senhor que procurava essa uva e que estava disposto a comprar. Quem tinha, devia levar no domingo seguinte. Apareceram cerca de 40 agricultores que tinham um cestinho, com quantidades minúsculas. Assim começou a história da Arneis.
Antigamente, era mais fácil ver Barolo Riserva no mercado ou é apenas uma impressão? Vocês, por exemplo, possuem apenas um, o Villero.
O Riserva, especialmente no passado, era um pouco aquele vinho que permanecia na cantina, mas que não era vendido. Agora, Riserva tem um envelhecimento maior. Na época, a vontade era colocar à venda e não envelhecer. Nosso conceito de Riserva, porém adotamos há vários anos, depois de experimentação com o vinho, que deveria ganhar certas características. É uma escolha nossa e não determinada porque não se vendia o vinho. Determinamos que aquele vinhedo dava um grandíssimo resultado com mais tempo de envelhecimento e então decidimos colocar como Riserva. Pela legislação, são cinco anos. Mas nós fazemos sete. O Riserva Villero é produzido somente nas safras excepcionais para aquele vinhedo. Geralmente, no máximo três por década.
Quando não tem qualidade suficiente, as uvas vão para qual vinho?
Castiglione. O que não é usado em Castiglione, mas que também é Barolo, é usado para Perbacco, que é Nebbiolo. É um vinho preparatório, para começar a entender a Nebbiolo. Pois, chegar subitamente ao Barolo ou ao Barbaresco é como fazer um doutorado sem passar pelo secundário. É preciso ter um mínimo de experiência. Essa é um pouco a ideia de Perbacco.
"O Riserva, especialmente no passado, era um pouco aquele vinho que permanecia na cantina, mas que não era vendido"
Por que há vinhos Barolo tão diferentes entre produtores?
Uma palavra, que não é italiana, mas francesa, é terroir. Acho que ela já foi um pouco abusada, mas compreende tudo e não existe em outra língua. Terroir é vinhedo, solo, microclima, estilo de cultivo e também a cantina. Estou convencido que se tivéssemos um vinhedo comum, com a mesma uva dividida por duas vinícolas, o resultado seria diferente, pois, nesse ponto, entra a filosofia de produção vinícola, o estilo. Isso faz a diferença, caso contrário, seria tudo igual, bom ou ruim. Nosso Villero, por exemplo, é feito com um sistema antiquíssimo, o “cappello sommerso”, e aí começam as diferenças.
Vocês também produzem grandes Barbera d’Alba e Barbera d’Asti. Qual a diferença entre eles?
Respondo com muito prazer. Barbera d’Alba geralmente tem um approach muito imediato, uma elegância que se exprime logo e exige pouco envelhecimento. A Barbera d’Asti geralmente nasce com a acidez um pouco elevada. Ela precisa de um pouco mais de tempo de maturação. Normalmente, a Asti está em territórios em que é ela é a vinha principal, onde está nas melhores posições. Na zona d’Alba, por sua vez, a principal vinha é Nebbiolo. Só loucos como nós arrancam um vinhedo de Nebbiolo e colocam Barbera. Mas por quê fizemos isso em 1988? Porque já havia um vinhedo de Barbera, com o qual fazemos Vigna Vecchia, que é um néctar, somente 3 mil garrafas. Sacrificamos um vinhedo de Nebbiolo de Barolo que era ótimo, mas não de primeira categoria e ele se tornou o nosso principal vinhedo de Barbera. Certamente fomos os fundadores da imagem do Barbera.
Vocês são muito criteriosos. Já deixaram de produzir devido a uma safra ruim?
Em 2002, foi uma safra ruim. Não produzimos sequer Perbacco. O andamento climático foi negativo, excluindo Serralunga. Lá temos o vinhedo Lazzarito e as uvas estavam boas. Mas, no fim, decidimos não sair com nenhum Barolo ou Barbaresco, e nem mesmo Nebbiolo. Foi economicamente muito pesado, mas foi uma escolha que, em nível de mercado, fomos premiados, pois poderia dizer aos importadores para comprar, mas revender seria difícil.
Antes provávamos Barolo antigos ainda com muitos taninos. Hoje provamos alguns com cinco anos já bastante redondos. O que fez com que houvesse essa mudança? A tecnologia?
Uma série de fatores. Falando de Vietti, um dos meus objetivos quando entrei na vinícola, junto com Luca, foi produzir um Barolo que, quando chegar no mercado não deve estar pronto, mas, pelo menos, bebível. Isso é muito importante, pois quando comecei, no início dos anos 1980, sempre ouvia essa frase: “Barolo é difícil, é preciso esperar muito tempo, não se pode beber, deve abri-lo três horas antes, deve fazer toda uma cerimônia”. Esse vinho vinha em um pedestal e ninguém tinha coragem de abrir uma garrafa. Hoje chegamos a dizer que o Barolo é um vinho para esperar que esteja maduro, mas quando se bebe maduro, ele já está demasiadamente maduro. Ou seja, era tudo um discurso, belíssimo, pois criou um mito, mas, no final, o vinho não era bebido. O Barolo, por mais custoso que seja, é um vinho que precisa ser bebido. Com meu cunhado, o objetivo é ter um vinho elegante, bebível quando sai ao mercado, que talvez exprima muito a fruta – mesmo que não seja o perfume dos Barolo de 15 anos, mas ainda assim um vinho complexo e completo. E com a confiança de que esse vinho será ainda melhor depois de 15 anos. É isso o que procuramos fazer. Queremos ter um vinho com capacidade de atrair o consumidor quando jovem, mas que os emocione depois de tantos anos. Durante os anos 1990, houve uma exacerbação da brevidade da fermentação por alguns produtores considerados inovadores. Uma fermentação mais breve trazia mais fruta e intensidade, um Barolo intenso e aprazível, mas que depois de 10 anos não tinha estrutura.
Barbaresco Masseria 2006
Vietti, Piemonte, Itália. Temos tido a oportunidade de acompanhar todas as safras do Piemonte desde esse início de milênio. A região foi afortunada com espetaculares safras. Até hoje (incluindo 2007), os destaques são 2001 e 2006, que são oustsanting. 2004 e 2007 foram grandíssimas. Esta delícia de Barbaresco é uma marca da casa, que explorou precisamente o que uma safra como 2006 pôde oferecer. Aromaticamente, é delicioso, com destaque para uma madeira milimetricamente integrada à fruta madura, aos toques florais, às especiarias, às ervas (um fino toque de sálvia). Tudo isso involucrado com uma presença mineral sensacional. Gustativamente, é fino, amplo, rico e apetitoso. Fico imaginando este Barbaresco ao lado de um spaghetti com lascas de tartufo bianco acompanhado por um filetto di manzo alla griglia. Sensacional e do mesmo nível do inesquecível Masseria 2007. Consumo 2013/2028. LGB
Barolo Castiglione 2008
Vietti, Piemonte, Itália. Não há dúvida que a casa Vietti é uma das que mais vem se destacando na produção de grandes tintos à base da casta Nebbiolo. O Castiglione é seu Barolo tradicional. Um blend de Nebbiolo de 11 vinhedos. Este 2008 está muito próximo do elegante 2006. Este vinho é uma aula para quem quer conhecer um Barolo. Sua marca aromática é um conjunto de fruta vermelha madura, toques especiados, tons herbáceos leves e muito bem delineados, e rosas, com tudo isso proporcionando um buquê fresco. Boca vibrante, com um misto de sobriedade e alegria. Retrogosto marcante e muito saboroso. Vai melhorar muito em garrafa, apesar de já estar apreciável. Consumo 2012/2022. LGB
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