Inverno menos rigoroso e comidas mais leves são fatores favoráveis à bebida
Christian Burgos Publicado em 27/10/2024, às 19h38 - Atualizado em 28/10/2024, às 09h15
Nos últimos dez anos, o vinho branco oscilou na faixa entre 16% e 18% de participação nas importações de vinhos do Brasil. Nos primeiros seis meses de 2024, contudo, essa participação atingiu um recorde, representando 22% do total de vinhos importados pelo país. Os rosés também cresceram para 9% de participação, com destaque aos espumantes rosés.
Um fator que impulsionou esse crescimento foi a ausência de um inverno rigoroso. Em uma avaliação sazonal, o inverno deste ano não se apresentou como um incentivador do consumo de vinhos em relação a outras bebidas. O mês de junho foi o mais quente dos últimos anos, e julho e agosto também desapontaram as expectativas de temperaturas mais baixas.
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Como resultado, a categoria de vinhos perdeu participação de mercado para a cerveja. Isso ocorreu sobretudo nos vinhos de entrada, onde se concentra boa parte dos consumidores iniciantes. Esses consumidores ainda não estão totalmente convertidos ao vinho e, no calor, não migram exclusivamente dos tintos para os brancos, mas também para cervejas e outras bebidas geladas.
Acredita-se que aí reside uma grande oportunidade, principalmente para o espumante seco de entrada. Dentro dessa perspectiva, os consumidores já convertidos, no calor, migram do vinho tinto para o branco – o que contribui para o crescimento dos brancos, especialmente entre os vinhos de maior valor agregado.
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No entanto, há mais do que a temperatura nesse movimento, que se mostra global e está relacionado sobretudo à cultura alimentar. Essa cultura responde ao clima, mas também à valorização de estilos de vida mais saudáveis e de ingredientes de qualidade.
No contexto da valorização dos insumos, ou ingredientes, na década de 1970, a gastronomia francesa se transformou com a Nouvelle Cuisine. Esse movimento, liderado por Paul Bocuse e Jean Pierre Troisgros, passou a priorizar o frescor e a leveza, com menor uso de gorduras e molhos, e a valorização do sabor natural dos alimentos. Como uma pedra jogada em um lago, esse movimento gerou ondas que influenciaram todo o cenário da alta gastronomia e, a partir daí, a alimentação em geral.
A isso se combina o movimento por estilos de vida mais saudáveis, com refeições mais leves, com menos gordura e açúcar. Tudo isso se intensifica em um movimento gastronômico que favorece os vinhos brancos.
Essa ideia é corroborada pela sommelière e empresária Cecília Aldaz. “Comer o ossobuco, que era muito tradicional e amplamente abordado, inclusive nas escolas de sommeliers, não é mais tão comum. Hoje, as pessoas estão buscando muito mais saladas e grelhados, acompanhados de vinhos mais leves. No restaurante Oro, nós recebemos muitas mulheres, sobretudo no almoço. As pessoas estão se cuidando mais, se alimentam de forma mais leve, menos cremosa, e buscam coisas mais refrescantes para harmonizar".
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Pedro Melo, recentemente produtor de vinhos, também compartilhou a experiência como gestor na Cia Tradicional de Comércio (Bráz, Pirajá e Astor, entre outros). “Nos nossos restaurantes, que chegam a 60 hoje, vimos as vendas de saladas aumentarem de 10% para quase 20%, e a pizza vegana sair de 3% para 10% das vendas. Neste inverno, em resposta à nossa área de planejamento de demanda, que apontava para temperaturas mais altas, trocamos a carta, e o nosso sommelier apostou em 10% a mais de brancos e 5% a mais de espumantes, resultando em um crescimento geral de 30% na categoria de vinhos".
Tudo isso aponta para uma macrotendência que nasce na mesa e nas taças do consumidor, e vem influenciando fortemente toda a cadeia, com produtores europeus planejando ajustar os próprios vinhedos para englobar mais variedades brancas. Responder a essa macrotendência é ter a coragem de apostar mais no vinho branco.