“As uvas são médiuns da mensagem da sua terra, que gravou em sua carne os estigmas da rocha, o perfume de suas vinhas em flor e as forças do cosmos”
André De Fraia Publicado em 14/04/2021, às 07h30
Quando pensamos no vinho mais caro do mundo é o mítico Romanée-Conti, do domaine de mesmo nome que primeiro vem à cabeça. Mas se você der uma olhada na lista dos 50 mais caros do planeta, certamente vai notar um nome recorrente e que hoje lidera a lista: Domaine Leroy.
Atualmente, no top 50 do site Wine-Searcher (que mapeia preços de varejistas do mundo todo) há nada menos que 16 vinhos de Leroy. Isso mesmo! Quase todos com valor acima de US$ 3 mil por garrafa.
O mais caro, seu Musigny, apelação de origem da cidade borgonhesa de Chambolle-Musigny, beira os US$ 25 mil.
E, se considerarmos que a família Leroy é dona de metade do Domaine de la Romanée-Conti (ou DRC), somam-se aí mais quatro rótulos no top 50, contabilizando 20 dos 50 vinhos mais caros do planeta. Nada mal, não?
A vinícola é comandada desde 1955 por Lalou Bize-Leroy, neta do fundador François Leroy.
E desde 1988, Lalou decidiu deixar a agricultura biológica e passar tudo para a cultura biodinâmica.
Dessa forma, além dos preparos e observação dos astros, Leroy não planta clones. Quando uma vinha morre, ela é substituída por uma seleção massal do próprio vinhedo, uma técnica que envolve a seleção das melhores plantas e uma recombinação delas, considerada como um método de melhoramento mais natural que a clonagem.
A devoção de Lalou ao terroir é tamanha que ela afirma ser capaz de reconhecer a origem das uvas só de prová-las.
Afinal, diz ela, o termo “maker” (“produtor”, em português) não se enquadra na Borgonha, uma vez que não é possível “produzir o vinho”.
“Nós somos guardiões. Nós olhamos, observamos, tomamos algumas decisões, mas são as uvas que vêm primeiro – elas nos guiam. Nosso trabalho é olhar, observar e tentar entender. Esse é nosso trabalho, nosso papel. Sim, nós tomamos decisões, mas realmente não fazemos nada”, garante.
Sua relação com o lugar é tão visceral e sua forma de produzir (ela provavelmente prefere “originar”) vinhos é da forma mais natural possível.
Graças à sua determinação em refletir o lugar, há cerca de 30 funcionários em tempo integral cuidando dos vinhedos entre maio e setembro, época mais crítica do ciclo da uva. Suas fermentações, obviamente, ocorrem somente com leveduras indígenas – ou seja, não há a inoculação de leveduras – e, quando há safras complicadas, os rendimentos são drasticamente reduzidos em prol da qualidade do vinho.
Aos 89 anos, Lalou continua atuante e ferrenha defensora da biodinâmica e do terroir da Borgonha. Em entrevista recente ao site Les Echos, ela resumiu: “Richebourg, Saint-Vivant, Musigny, Chambertin, Corton-Charlemagne não falam da mesma forma. É nossa missão fazer com que as suas vozes sejam ouvidas. As uvas são médiuns da mensagem da sua terra, que gravou em sua carne os estigmas da rocha, o perfume de suas vinhas em flor e as forças do cosmos. Vinificar é tentar compreender esta transmutação da planta em líquido vivo, a alquimia, uma tremenda lição de vida”.
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