De Frankfurt à Paris: uma viagem enogastronômica com vinhos brancos impecáveis
Euclides Penedo Borges Publicado em 22/03/2019, às 17h00
Engana-se quem pensa que é preciso ser rico para fazer uma viagem enoturística maravilhosa, percorrendo vinhedos e centros artísticos alemães e franceses. O que este artigo sugere e detalha é um roteiro voltado para regiões de uvas e vinhos brancos, rico em curiosidades e surpresas.
Formando no mapa uma grande curva, tendo Frankfurt e Paris nas extremidades, nossa excursão iniciase na cidade alemã, inclui a Francônia e o Palatinado na Alemanha, a Alsácia, Chablis e Sancerre na França, encerrando-se na capital do amor. Provaremos vinhos brancos menos estruturados e menos renomados do que os montrachets e meursalts, mas impecáveis em sua proposta e de melhor relação custo/benefício.
Saindo de Frankfurt, a primeira parada é Würzburg, centro da arte barroca alemã, local do famoso vinhedo Stein (em português, pedra). Ali, onde o Rio Main flui em zigue-zague, traçando um “W” bêbado, está a Francônia (Franken) respirando história, arte e vinhos. Iphofen e Castell estão entre os terroirs de destaque. Torres, muralhas, igrejas e fortalezas fazem a festa para o turista. Não faltam aspargos na primavera, nem salsichas grelhadas ou peixinhos fritos de água doce. E as festas do vinho, entre maio e novembro, contam-se em dezenas. Seus vinhos de Silvaner, Riesling ou Kerner, na garrafa bojuda Bocksbeutel, são mais secos do que os demais da Alemanha, adequados, portanto, para a mesa. Apresentam frescor e vivacidade tão marcantes que foram descritos como “profundos e puros como o som de um sino”. Goethe, consumidor e apreciador dos vinhos locais, batizou a Francônia de terra abençoada: “gesegnete Land Franken”.
Seguindo de Würzburg para o sudoeste e atravessando o Rio Reno perto de Heidelberg, chegamos ao Palatinado (Pfalz) na margem esquerda, a segunda maior região vinícola da Alemanha. Ali, a mania das festas de vinho não é menor. Se você gosta de coisas do tipo “o maior do mundo”, essa região é um prato cheio. Bad Dürkheim, por exemplo, orgulha-se de ter o maior barril do mundo. Dentro dele funciona um restaurante e no seu entorno realiza-se a maior festa de vinho do mundo: o Wurstmarkt (o mercado da salsicha). Foi entre os vinicultores do Pfalz que nasceu a ideia, hoje global, das estradas do vinho (Weinstrasse) ligando vinícolas, restaurantes e outras atrações, em uma área delimitada. Na estrada do vinho, cidadezinhas como Forst e Deidesheim fornecem o que há de melhor entre os Rieslings, Scheurebes e Müller-Thurgau do Pfalz. É ver para crer.
Veja também:
+ Os vinhos brancos da Alsácia
+ Vinhos brancos podem envelhecer com classe?
+ Bâtonnage: técnica importante na produção de brancos
Acompanhando o Reno para o sul, cruzamos a fronteira com a França para atingir a Alsácia, em território francês. Deparamo-nos aqui com o melhor das culturas francesa e alemã. Do ponto de vista gastronômico, talvez você já tenha ouvido falar do restaurante de fama internacional que leva o nome do rio regional, o “Auberge de l‘Ill”. Apesar dos nomes alemães – Riquewihr, Guebwiller –, a população e o sentimento regional é francês. Os vinhos brancos alsacianos não têm equivalentes no resto da Europa. São secos ou doces superlativos, mais alcoólicos, encorpados e aromáticos do que seus congêneres. Com cem quilômetros de extensão, e não mais que cinco de largura, a Alsácia, com seu centro em Colmar, aproveita-se de um dos climas mais secos da França para elaborar diversos tipos de vinho. Um Riesling mineral e encorpado, um Gewürztraminer exuberante, no qual rosa se junta com especiarias, um Moscatel citrino almiscarado. Deveriam ser fáceis de entender pela tradição peculiar de indicar o nome da uva no rótulo. No entanto, a demanda é estável, com aficionados fiéis que não saem, além de consumidores potenciais que não entram. É para se conferir in loco.
Saímos de Colmar em direção a Auxerre, via Dijon. Em Auxerre, já na Borgonha, com sua imponente catedral gótica, estamos a apenas dez quilômetros de Chablis e de seus sete Grands Crus. Não é somente terra de vinhos. Mistura beleza paisagística com tradições culturais e históricas. Aqui impera a Chardonnay, praticamente sozinha. Para entender a classificação dos vinhos é necessário esclarecer que em Chablis a palavrinha cru indica uma parcela de terra cadastrada, que pode pertencer a um ou vários proprietários. Os vinhos de Chablis, todos brancos da Chardonnay, distinguem-se pela vivacidade, fineza e bom corpo. Os mais simples, dos quais não se distingue um cru específico, são Petit Chablis ou Chablis tout court. Os superiores são catalogados como Chablis Premier Cru ou Chablis Grand Cru, este dividido em apenas sete terroirs das colinas em torno da cidade.
Após percorrer os crus de Chablis, retomamos o caminho para Paris, passando pelo Rio Loire em sua parte central, conhecida como Loire Superior. Faltam apenas cem quilômetros até o ponto final. Nesse lugar vamos nos encantar com os Pouilly Fumé na margem direita (na cidade de Pouilly-sur-Loire), e com os Sancerre na margem esquerda, na própria cidade de Sancerre. Em ambos, o predomínio da Sauvignon Blanc, com seus aromas frutados, cítricos, de melão e maracujá, minerais, e aquele aroma peculiar do botão de groselha conhecido como pipi-de-chat, fresco bastante para escoltar a acidez dos queijos de cabra ou da gota de limão na ostra crua.
De Sancerre a Paris, não levaremos mais do que duas horas. Chegamos assim à vizinhança da capital francesa saciados e de alma lavada, prontos para uns momentos na Cidade Luz, ou para voltar para casa de bem com a vida.