Entre degustações e visitas, o Piemonte mostra seus grandes vinhos e os homens que os fazem
Silvia Mascella Rosa Publicado em 18/03/2019, às 13h00 - Atualizado em 20/04/2019, às 15h47
Uma colcha verde de retalhos cobre as colinas que envolvem a cidade de Alba na primavera ensolarada do Piemonte. Os vários castelos medievais que dominam a região são o arremate perfeito para essa visão que parece saída de um conto de fadas. Mas a verdade é que, sob esse manto verde de vinhas, dormem gigantes de fora da ficção infantil. Esse é o lar da uva Nebbiolo e por extensão, o lar de alguns dos mais importantes vinhos italianos, como os Barolos e Barbarescos.
O Consórcio de Tutela e a Albeisa, duas associações que unem os produtores de Roero, Barbaresco e Barolo organizam, todos os anos na primavera, um evento para apresentar a nova safra de vinhos que chegará ao mercado. Desta vez, as safras provadas foram Barolo 2008 e Riserva 2006; Barbaresco 2009 e Riserva 2007 além do Roero 2009 e seu Riserva 2008.
Foram provados 226 Barolos, 93 Barbarescos e 30 Roeros. No total, 349 vinhos de 200 produtores
O presidente da Albeisa, associação de produtores que tem como símbolo a garrafa típica dos vinhos de Alba, Enzo Brezza conta que o evento Nebbiolo Prima existe há 24 anos, embora sejam apenas três no formato atual: "O evento mudou, pois queríamos falar com os consumidores por meio da imprensa especializada, que pudesse dar detalhes dos vinhos que estão por vir e apresentar a região e seus produtores". A família de Enzo, que é enólogo, é uma das tradicionais produtoras de Barolos da região, com mais de 16 hectares de vinhas espalhadas pelas colinas de Alba, Barolo, Novello e Monforte d'Alba.
As degustações oficiais da apresentação ocupam cinco dias e, as visitas, três e, pela primeira vez, o Brasil estava representado, pela revista ADEGA.
O grupo, formado por 70 jornalistas e 50 compradores de todas as partes do mundo, tem uma programação intensa e, em 2012, foram provados 226 Barolos, 93 Barbarescos e 30 Roeros, num total de 349 vinhos de 200 produtores, todos eles degustados às cegas.
Uma densa neblina costuma cobrir as colinas durante os meses de setembro e outubro. Desse modo, Nebbiolo vem da palavra italiana "nebbia", que significa névoa
Degustar vinhos "jovens" como Barolos com apenas quatro anos ou Barbarescos com apenas três anos é um desafio para o paladar e a disposição, uma vez que esses vinhos têm nos taninos e na acidez, respectivamente, algumas de suas características mais marcantes. No entanto, mesmo entre vinhos que ainda nem chegaram ao mercado, alguns já se destacam por sua harmonia e profundidade, comprovando a fama de produtores e a capacidade dos terroirs locais de produzirem uvas para grandes vinhos (veja box sobre o comportamento das safras degustadas).
A região do Piemonte tem na província de Cuneo, e na área conhecida como Langhe, as zonas produtoras de Barolo, Barbaresco, Roero e Alba, todas num raio de menos de 20 quilômetros partindo da cidade de Alba. É nessas colinas e encostas suaves que as vinhas dividem espaço com as árvores que produzem a avelã, outro famoso produto da região e é, também, nesses mesmos terrenos já tão prezados pelos gourmands que se esconde a trufa branca, a iguaria mais cara do mundo.
As uvas brancas da região, como Arneis e Cortese, têm bom espaço nas taças locais, mas dividem internacionalmente o interesse com a Moscato, que produz os delicados e efervescentes Moscatos d'Asti. Mas esta é, indubitavelmente, uma região de uvas tintas como a Dolcetto, a Barbera e a Vespolina, além da Nebbiolo.
O professor Carlo Arnulfo, um dos mestres da escola de enologia de Alba, explica que existem cinco diferentes tipos de solo na região e cada um deve ser tratado de maneira diferente: "Temos solos arenosos com depósitos marinhos, solos argilosos e até graníticos, e cada um deles precisa ter o clone correto para que a planta se desenvolva bem". Arnulfo ainda conta que a viticultura da Nebbiolo se modificou muito nas últimas décadas, pois até os anos 1960 os vinhedos eram mal distribuídos, com outras culturas como aveia e favas no meio deles. Nos 20 anos seguintes, a mecanização começou a transformar a região, mas a qualidade ainda era abaixo do que o terroir permitia, e foi apenas nos anos 1980 que a nova vitivinicultura começou a se alastrar pela região, o que incluía - por incrível que pareça - um retorno a algumas práticas de um passado longínquo, dedicadas a maximizar a qualidade potencial de cada variedade.
Os vinhedos ficaram, aos poucos, maiores, mas melhor adaptados ao relevo da região, formando um padrão de parcelas individuais que não apenas desenha a colcha de retalhos daquelas colinas, como também dá individualidade aos vinhos.
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No dialeto piemontês, a palavra "bricco" significa o topo de uma colina, e é exatamente no "bricco" da colina de Neive, na zona de Barbaresco, que fica a propriedade da família Pasquero-Elia, produtores de Barbaresco desde 1893, embora as terras estejam na família desde 1796. O pai, Secondo Pasquero Elia, de 84 anos, e, os filhos, os enólogos, Giovanni e Silvano, são conhecidos e respeitados no meio por seu trabalho dedicado e ético: "Nós interpretamos o vinho de maneiras ligeiramente diferentes, mas com o objetivo único da qualidade. Eu valorizo o vinho segundo sua capacidade de evolução e estou constantemente procurando defeitos, seja nos vinhedos, seja nas garrafas, pois acredito que a qualidade vem do começo ao fim. Meu irmão valoriza um vinho pela sua complexidade, e meu pai fica satisfeito em ver as coisas melhorarem ano após ano, uma vez que as grandes mudanças foram implantadas por ele, na década de 1960. Mas ele ainda julga com rigor safra a safra", conta Silvano Pasquero Elia, enquanto mostra do mirante da antiga propriedade os limites dos vinhedos da família, que cobrem as colinas dali.
Não muito longe da família Pasquero Elia, na mesma comuna de Neive, fica outra família produtora de importantes Barbarescos, a Albino Rocca.
Numa varanda batida pelo vento de onde se descortinam as suaves colinas de vinhedos da família, o pai Angelo Rocca apresenta não apenas seus vinhos como a geração de filhas que, aos poucos, vai fazendo a sucessão na empresa. A mais jovem, Paola, é a enóloga, enquanto as irmãs Daniela e Mônica se dividem entre funções comerciais e administrativas. Embora sejam uma família tradicional, há um ar de modernidade em toda a operação, desde os diferenciados tanques de aço inoxidável, pequenos e de formato anguloso até a utilização de tampas de rosca para seus vinhos menos complexos, como o Dolcetto e o Chardonnay.
Mas quando chega-se aos Barbarescos que fazem a fama da casa, tudo é muito tradicional, e é nesse terroir que estão alguns dos terrenos conhecidos como "crus" de Barbaresco, as áreas de Ovello e de Ronchi. "Quero fazer vinhos que privilegiem a elegância e não a potência. Não quero fazer vinhos pesados do terroir argiloso de Ronchi, procuro sempre trabalhar com a sutileza, embora reconheça que a área de Ovello dá vinhos mais macios e fáceis de beber", detalha Angelo Rocca.
O vinhateiro ainda explica que nos últimos 20 anos ocorreram mudanças profundas nos estilos de vinhos da região, pois muitos produtores - pensando em vender mais rápido e alcançar novos mercados - começaram a fazer vinhos com muita extração e a usar barricas pequenas de carvalho francês: "Acredito que o excesso do uso de barrica encobre a verdadeira natureza da Nebbiolo, por isso acho que, ao invés de auxiliar, dificulta fazer bons vinhos", diz Rocca. Mas a onda de mudanças acabou se invertendo e há 8/9 anos muitos produtores retomaram o estilo antigo, de vinhos mais leves e delicados que respeitem mais a cepa que reina no Piemonte.
Quando a Itália foi unificada, em 1861, o movimento decisivo que transformou o mapa do país veio do reino Sardo-Piemontês, com a ajuda de tropas francesas que faziam a divisa da região. O Piemonte já era poderoso, livre e grande no século XIX e nada era mais natural que um nobre da região fosse proclamado rei. Esse nobre era Vitor Emanuel II. Como legítimo filho da tradicional Casa de Savoia, nascido em Turim, ele levou para sua corte o vinho de sua região, e assim o Barolo passou a ser conhecido como "vinho de reis e rei dos vinhos".
Na província de Cuneo, e na área conhecida como Langhe, ficam as zonas produtoras de Barolo, Barbaresco, Roero e Alba, todas num raio de menos de 20 quilômetros partindo da cidade de Alba
Mas o Barolo não seria rei se não fosse a uva Nebbiolo, a rainha dos sopés desses montes. Conhecida como a casta tinta mais antiga da região, muitos ampelógrafos a consideram nascida nas colinas do Piemonte, entre as cidades de Milão e Turim. O primeiro registro oficial dela é de 1268 e daí em diante ela se espalhou pelas terras que ficam encobertas de neblina durante os meses de setembro e outubro, fato esse que parece dar o nome à uva: Nebbiolo vindo da palavra italiana "nebbia" que significa névoa.
Mais uma vez, como parece comum na região, o romantismo da névoa abre espaço para a realidade do cultivo: a Nebbiolo é uma uva de maturação tardia e cultivo delicado, que chega ao auge justamente quando a neblina da mudança de estação começa a cobrir os campos. Ela é naturalmente rica em taninos e pobre em coloração. "Essa é uma variedade pretensiosa, que necessita de muita atenção. Para se ter uma ideia, até os 15 anos, a vinha de Nebbiolo é considerada uma planta jovem e isso complica as coisas, pois, dependendo da sub-região, a planta não produzirá melhor quando tiver mais de 30 anos, como pode ser verdade para outras castas. É por isso que dizemos por aqui que os bons vinhateiros conhecem praticamente planta por planta, sabendo o momento exato de colher e o momento em que é preciso replantar um vinhedo", revela Carlo Arnulfo.
Guido Damilano parece ser um desses vinhateiros, embora nada em seu estilo italiano moderno dê a dica de que sua vida é passada entre os parreirais. Caminhando no topo da colina do vinhedo Cannubi, conhecido como um dos vinhedos que produz uvas para os mais macios e delicados Barolos, Guido fala de história da família Damilano - que começa em 1890 no negócio do vinho -, de técnica para se produzir grandes vinhos, mas, ao mesmo tempo, vai colocando os galhos jovens do vinhedo primaveril sob os arames que devem protegê-los e conduzi-los: "São como adolescentes nessa fase", conta ele com brilho nos olhos e atenção de enólogo. "Precisam de atenção e cuidado para que cheguem à maturidade o mais forte possível", completa.
Os vinhedos da empresa estão espalhados nas colinas mais nobres, como La Morra, Novello e na própria Barolo, entre outras, e a sede dela fica na estrada que liga as cidades de Alba e Barolo. Como os três primos e herdeiros (Paolo, Mario e Guido) têm um pé na história familiar e outro no mundo moderno, a cantina e as lojas da empresa primam por uma estética que está antenada com o novo século: "Fizemos investimentos altos para modernizar toda a empresa, para termos espaço para as grandes barricas que utilizamos e para otimizar toda a produção. A única coisa que precisa ser tradicional é a qualidade do vinho e a atenção aos vinhedos", finaliza Guido Damilano.
SAFRA 2006 - BAROLO RISERVA
Foi marcada por um inverno longo e frio com pouca chuva e períodos alternados de temperaturas abaixo e acima do normal. Isso teve impacto direto nas vinhas, que tiveram períodos de rápido crescimento vegetativo, alternados com um desaceleramento do processo. As chuvas que caíram em meados de setembro foram uma recompensa para os produtores mais meticulosos, que tiveram o cuidado de manter seu vinhedo bem limpo e equilibrado. Para quem teve essa paciência, as uvas vieram com qualidade muito alta. No final da fermentação, os vinhos se mostraram com aromas complexos e ricos, acidez suculenta e níveis de álcool satisfatórios, tudo isso alinhado com a sequência das grandes safras recentes.
SAFRA 2007 BARBARESCO RISERVA
A safra de 2007 pode ser considerada anômala, com um inverno particularmente fraco e um verão que também não foi muito quente, com pouca chuva. A colheita foi adiantada e teve uma quebra de 10 a 15% em quantidade em relação à média. A qualidade, no entanto, foi alta, sem problemas de sanidade graças à falta de chuva. E a colheita nas regiões de Langhe e Roero foi excelente. Os vinho exibem bom álcool, acidez balanceada e aromas bastante intensos.
SAFRA 2008 BAROLO E ROERO RISERVA
A safra 2008 foi padrão para a região, embora tenham ocorrido chuvas abundantes na primavera, mesmo durante o crescimento das vinhas. Setembro e outubro, no entanto, foram estáveis e isso significa bons níveis de maturação no momento da colheita da Nebbiolo. O equilíbrio entre ácidos e açúcares esteve particularmente bom, com os níveis de açúcar distintamente altos. Os vinhos com base na uva Nebbiolo serão, portanto, notáveis.
SAFRA 2009 BARBARESCO E ROERO
2009 foi caracterizado por um crescimento irregular e por um inverno muito chuvoso. Com relação aos níveis de maturação, ele pode ser colocado entre os anos de 2003 e 2007, com açúcares abundantes e ácidos que reforçaram o processo de amadurecimento: na colheita, o ácido málico foi mais baixo que a média em todos os lugares, mostrando a completa maturação do fruto. Do ponto de vista enológico isso se traduz num excelente potencial para os vinhos, que poderá fazer da safra 2009 uma das melhores dos últimos tempos.
A cidadela de Barolo fica ao sul de Alba, por um caminho tortuoso que leva até o Castelo e o centro da comuna, com as casas históricas de muitos produtores, hospedarias e enotecas prontas para dividir com o visitante os encantos da região. Mas uma visita ao Castelo (hoje um local público que abriga um museu e vários espaços para eventos) é também um mergulho na história e um local de onde se avistam as colinas adjacentes, que fazem a fama dos Barolos como um todo: Serralunga d'Alba, Castiglione Faletto, La Morra, Monforte d'Alba, entre outros nomes que - em variados rótulos - são sinônimo de qualidade e tradição.
Um ponto de vista ainda mais privilegiado é o da varanda da vinícola de Gian Piero Marrone, em La Morra, de onde podem ser avistados 11 castelos. Junto de suas três filhas e da esposa, Gian Piero segue os caminhos do pai e do avô, fundador da empresa, para fazer uma grande linha de vinhos, que inclui obviamente um Barolo (embora seu branco da uva Favorita seja deliciosamente frutado e refrescante e o Langhe Rosso Sancarlo seja uma combinação muito feliz das tradicionais uvas Nebbiolo, Barbera e Dolcetto). "Por aqui pensamos os vinhos de maneira um pouco diferente. Apreciamos não apenas a intensidade e longevidade dos tintos como o Barolo, mas também gostamos de brancos frescos, de vinhos fortificados e de vinhos de sobremesa, por isso trabalhamos em todas as gamas", conta. Isso significa um cuidado maior na cantina e a escolha criteriosa das uvas, como é o caso do Barolo Pichemej, que em dialeto significa "minha escolha", uma vez que o vinho vem de apenas uma grande barrica, onde amadurece lentamente na madeira eslava sem tostagem, curvada com o uso de água quente. É um vinho estruturado e fino, que infelizmente não é vendido no Brasil.
Alguns acreditam que as barricas francesas jovens podem dar qualidades diferentes aos vinhos. Outros creem que nada substitui a tradição dos "botte"
Ao contrário de outras regiões produtoras, tanto na Itália quanto em outros países, o vinhateiro piemontês não é, em geral, de ostentar riquezas e nem mesmo de colocar pessoas que não sejam íntimas ao negócio para falarem dele. O piemontês gosta de ser conhecido como "contadino", como camponês, e essa palavra impregna o ar de quem visita a região, mesmo que seja em vinícolas de renome como a de Armando Parusso ou de Marziano Abbona.
A modernidade das cantinas (e muitas delas são), o valor da terra que cultivam e até mesmo o preço das garrafas que fazem parecem não contar muito para esses homens e mulheres que - mesmo que não aceitem - são muito mais do que os simples camponeses que gostam de pensar que são. Seus vinhos têm expressão única: "O vinho é a terra, mas é também a expressão da filosofia de quem o faz", admite Armando Parusso, cujos Barolos vindos de vinhedos como da zona de Bussia (que dá origem a vinhos mais macios e longevos) têm no equilíbrio e na elegância suas raízes mais fortes. Mas Parusso (e sua esposa, Tiziana) acreditam que a fama de que os Barolos são vinhos para serem bebidos velhos é balela: "Fazemos vinhos que podem, sim, envelhecer, essa é uma característica da uva Nebbiolo neste terroir, mas isso não quer dizer que esses vinhos devam ser como um belo e confortável sapato que a gente compra para guardar", brinca.
O sorriso expansivo de Chiara Abbona, a jovem enóloga da vinícola Marziano Abbona é, claramente, herdado de seu pai, Marziano, um vinhateiro tradicional, que abdicou dos estudos formais para tomar conta da propriedade da família, quando seu pai (Celso) morreu. A história que soa triste contrasta com a elegante cantina da família, na comuna de Dogliani, alguns quilômetros ao sul da cidadela de Barolo.
"Trabalhamos muito por aqui", concordam pai e filha sorridentes enquanto servem a grande linha de vinhos que produzem, que inclui três Barolos de expressões tão distintas quanto os terroirs de onde vêm. Mas nesse momento Marziano pega uma garrafa de um Viognier feito com uvas dos vinhedos que ladeiam a cantina e serve uma generosa quantidade do fresco e perfumado vinho, revelando que acredita na tradição da região, mas que aprecia também um bom branco no verão acompanhado de avelãs tostadas.
A cidadela de Barolo fica ao sul de Alba, por um caminho tortuoso que leva até o Castelo e o centro da comuna, com as casas históricas de muitos produtores, hospedarias e enotecas
Sua filha, fluente em três idiomas, conta que algumas das vinhas da uva Dolcetto têm 70 anos e, por conta disso, produzem o vinho Papá Celso, que homenageia o avô, que deu início ao cultivo das uvas. Ela também explica que a Nebbiolo cultivada pela família não recebe fertilizantes nem fungicidas, apenas sulfato de cobre: "Nossos terroirs são muito sãos e, se tivermos um bom cuidado com os vinhedos, praticamente não precisamos de tratamentos, e isso faz muita diferença no produto final", conta Chiara, reforçando que não lhes interessa ser 'biodinâmicos ou orgânicos" se isso for apenas para mostrar no rótulo.
As diferentes zonas que formam a região de Barolo parecem atrair vinhateiros de todos os estilos. Alguns acreditam que a madeira de barricas francesas jovens pode dar qualidades diferentes aos vinhos, e outros que creem que nada substitui a tradição das grandes barricas de carvalho eslavo (botte), onde o vinho não recebe influência da madeira além da lenta e gradual micro-oxigenação. Mas o mais interessante é que jovens ou tradicionais, a maior parte desses enólogos trabalha a uva Nebbiolo para os Barolos e Barbarescos com um cuidado de filho para com a mãe (italiana, claro).
Enzo Boglietti é um desses jovens enólogos que, junto de seu irmão Gianni, começou a fazer seus Barolos na década de 1990, com uvas vindas de pequenas parcelas de suas famílias na zona de La Morra. Um passeio com ele na comuna de Castiglione Faletto e uma visita à sua cantina com a degustação dos vinhos ainda descansando nas barricas grandes e pequenas é como o epílogo de uma longa história. Em sua vinícola, os equipamentos modernos, brilhantes e necessários para quem produz uma linha de 17 vinhos contrastam com o olhar atento a cada mudança que acontece nas uvas que são fermentadas apenas com as leveduras indígenas (aquelas que estão em cada grão e não leveduras selecionadas e adicionadas ao mosto). A fermentação malolática vai acontecer em pequenas barricas, onde vinhos como os Barolos e os Barbera ficam por quase um ano. Depois disso, esses vinhos são transferidos para as botte, as grandes e tradicionais barricas neutras, onde permanecerão por um mínimo de dois anos para os Barolos DOCG e de cinco anos para os Riserva. "O vinho não fica pronto quando a legislação diz que ele está pronto. Cada safra é única e cada enólogo trabalha a uva de uma maneira própria, por isso, ao provarmos os vinhos, vemos tanta diversidade. E isso é bom para todos, desde que os vinhos sejam honestos com o terroir de onde provêm", afirma Enzo Boglietti.
Essa longa história, que começa em vinhedos históricos e termina em nossas taças, tem como protagonista a uva Nebbiolo e os homens e mulheres que se dedicam ao seu cultivo e transformação ao longo dos séculos. No entanto, essa história pode, para nossa felicidade como consumidores, culminar na abertura de uma safra muito, muito antiga de um Barolo ou Barbaresco, que em nossos paladares ainda brinca como uma criança feliz e arteira nos campos de seu Piemonte original, elegante e impassível com o passar dos anos, como as grandes obras da literatura.
Barbaresco Sori' Paitin 2008 - AD 92 pts
Barbaresco Vigneto Brich Ronchi Riserva 2004 - AD 92 pts
Barolo Bussia 2001 - AD 94 pts
Barolo Fossati DOCG 2007 - AD 91 pts
Dolcetto di Dogliani Superiore Papà Celso 2008 - AD 90 pts
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