Por que o Sauvignon Blanc de Santa Catarina vem se destacando nos últimos anos? Seria ele o grande ícone do terroir catarinense?
Arnaldo Grizzo Publicado em 01/10/2018, às 11h00 - Atualizado em 20/03/2019, às 14h25
"Defendo que nós, produtores, devemos abrir um processo e buscar a denominação de origem dos vinhos de Sauvignon Blanc da altitude de Santa Catarina para caracterizar bem nossos diferenciais de solo, clima e da qualidade da própria uva e do vinho”. A afirmação de Acari Amorim – sócio-fundador da vinícola Quinta da Neve, em São Joaquim, e ex-presidente da Vinho de Altitude Produtores Associados – já mostra quão relevante tem se tornado a questão do Sauvignon Blanc catarinense.
A vitivinicultura na Serra Catarinense surgiu aos olhos dos consumidores brasileiros há pouco tempo. Foi somente no final dos anos 1990 que alguns produtores passaram a apostar na fria e alta região serrana do entorno de São Joaquim. Com altitudes que variam de 900 a 1.400 metros acima do nível do mar, além de temperaturas excepcionalmente baixas e solo predominantemente basáltico, o potencial de seu terroir ainda está sendo bastante testado por enólogos e viticultores, mas, nos últimos anos, uma casta vem se destacando: a Sauvignon Blanc.
Seus vinhos têm recebido diversos prêmios em concursos no Brasil e no mundo, e também aqui em ADEGA. Nas últimas três edições do Guia ADEGA – Vinhos do Brasil, os melhores Sauvignon Blanc do país foram de Santa Catarina. Entre eles, o Vigneto, da Pericó, e o Donna Enny, da Villaggio Bassetti. “O terroir de altitude de Santa Catarina é novíssimo, e mesmo em tão pouco tempo já foi possível experimentar algumas coisas. Dentre os acertos e erros, a Sauvignon Blanc vem, ano após ano, brindando os produtores com resultados positivos”, afirma o enólogo Anderson De Césaro, responsável pela produção do Donna Enny.
Intermediária
Mas por que a Sauvignon Blanc parece se adaptar tão bem ao terroir de Santa Catarina? “O significado do nome Sauvignon deriva de ‘selvagem’ e, no clima da altitude catarinense, ser selvagem é um condição básica de sobrevivência”, atesta De Césaro. Segundo ele, o segredo da adaptação dessa uva está no seu ciclo intermediário. “O período entre a brotação e a maturação das uvas não é precoce nem tardio, e essa característica tem permitido escapar das geadas extremas de início e final de ciclo”, aponta. O enólogo Jefferson Sancineto Nunes concorda: “Por ser uma variedade de ciclo médio e que brota mais tarde, portanto com menor risco de perdas por geada (consegue escapar da maioria das geadas do início da primavera e que frequentemente gera sérios problemas para uvas como Chardonnay e Pinot Noir), ela se adaptou bem ao terroir de altitude catarinense”.
De Césaro complementa as características da Sauvignon Blanc que fazem com que ela suporte o clima catarinense: “O ápice do broto da variedade é bem algodonoso – envolto em uma espécie de lanosidade –, e a casca da uva é espessa e resistente. Essas características ajudam muito a planta a suportar o frio. Também é um varietal que tolera o vento, que sopra forte na região”.
Quatro estações em um dia
Os enólogos são unânimes em afirmar que o bom desempenho da Sauvignon Blanc em Santa Catarina está em sua equação com as características climáticas locais. Quando as outras castas tendem a sofrer um pouco diante da climatologia do estado, ela, por sua vez, não apenas suporta as intempéries, como se beneficia delas.
“Do ponto de vista climático, a viticultura de altitude de Santa Catarina é uma loucura”, diz De Césaro, lembrando que há grande altitude ao mesmo tempo que se está próximo ao oceano. “Se não bastasse isso, você está em uma latitude em que a corrente marítima quente (Corrente do Brasil) vinda do norte se encontra com a corrente marítima fria (Corrente das Falklands) vinda do sul e isso permite viver as quatro estações do ano em um único dia, várias vezes no mesmo dia”, afirma.
Jefferson Nunes dá ainda mais detalhes: “No verão, a amplitude térmica na maioria das áreas onde estão os vinhedos de Sauvignon Blanc oscila entre 15 e 21oC (o que é muito maior que os 10 e 12oC das principais regiões produtoras do mundo), observa-se que a degradação dos ácidos que fazem parte da composição das uvas (como málico, cítrico e tartárico) ocorre de forma gradual e muito lenta. Na prática, é como se durante o dia nós colocássemos as plantas de Sauvignon Blanc dentro de uma estufa, com uma temperatura e, principalmente, insolação excepcionalmente altas, portanto com uma taxa de fotossíntese elevada, e, à noite, colocássemos essas mesmas plantas dentro de um refrigerador!” Segundo ele, essa peculiaridade do terroir catarinense faz com que se consiga colher a Sauvignon Blanc no pico máximo da maturação aromática e com uma quantidade muito boa de açúcar.
Resultado na taça
“O resultado na taça é mineralidade, complexidade aromática, sutileza e elegância”, enumera De Césaro. “Eles apresentam uma intensidade e persistência aromáticas muito maior, com notas frutadas e vegetais bem presentes, e frequentemente um toque de mineralidade. Eles têm uma acidez presente e equilibrada, uma intensidade aromática elevada e uma expressão aromática que oscila entre maracujá, grapefruit, melão, abacaxi, cítrico e aromas vegetais, que lembram aspargo, folha de tomate, arruda”, detalha Nunes.
No entanto, apesar das linhas gerais, há uma interessante diversidade de estilos dependendo do pensamento do produtor em relação a como o Sauvignon Blanc deve se portar. “Nossa decisão é sempre colher a uva um pouco antes, não tão madura, pois queremos marcar os aromas e sabores minerais. Se deixar a uva mais madura, o vinho terá aroma e sabor acentuados de maracujá e outros cítricos. Tem gente que adora esse aroma e esse sabor. Porém, é consenso na Quinta da Neve colher a uva um pouco antes e marcar os aromas e sabores minerais”, aponta Acari Amorim.
“Uma degustação em Florianópolis, só com Sauvignon Blanc de Santa Catarina, foi um sucesso. No geral, estavam todos ótimos e o mais interessante e intrigante, cada um com sua característica”, garante Everson Suzin, sócio-diretor da vinícola que leva seu sobrenome.
Segundo De Césaro, por ser tudo muito novo, há ainda muito a ser descoberto com essa casta. “Na vinícola, trabalhamos consistentemente com um vinho sem passagem por madeira e permanência sobre as borras finas, e outro com passagem por barrica francesa. De forma experimental, elaboramos também um fermentado pelas leveduras selvagens e com longa maceração nas cascas; testamos um processo de desidratação natural das uvas em uma espécie de ‘Amarone’ em branco; e agora meu colega está desenvolvendo um espumante. Certamente outros produtores também estão experimentando outras técnicas e todos ainda teremos muito trabalho e boas surpresas pela frente com essa uva”, garante.
Já um dos diferenciais do trabalho de Nunes nos locais onde presta consultoria, é o emprego de preceitos biodinâmicos, por exemplo. Entre diversas técnicas que emprega, ele aponta que “a colheita é sempre feita no período em que a lua está na fase ascendente e preferencialmente na frente da constelação de libra, ou então gêmeos e aquário, que são constelações que trazem o elemento luz e, portanto, as uvas colhidas nesse período apresentam o máximo do potencial aromático”. Ele revela ainda que a maturação das uvas é monitorada e a colheita feita quando a acidez está dentro de uma faixa específica do ácido cítrico, málico e tartárico. “Se o objetivo é mais fruta, colhemos com uma acidez ligeiramente mais baixa e, se for um pouco mais de notas vegetais, a acidez é ligeiramente mais alta”, pondera.
Em busca de referências?
Seria possível comparar o Sauvignon Blanc catarinense com alguma região de referência no mundo? “Em virtude da mineralidade e da complexidade dos aromas, lembra mais os Sauvignon Blanc produzidos na região de Sancerre”, acredita Nunes. Para se ter uma ideia, há quatro anos, ADEGA entrevistou Pascal Jolivet, um dos reis do Sauvignon Blanc no Vale do Loire, especialmente em Sancerre, que afirmou: “Já provei alguns Sauvignon Blanc de Santa Catarina e honestamente fiquei surpreso, não esperava encontrar um vinho tão bom”.
Já De Césaro acredita que as melhores afinidades estão na região do Collio Goriziano, uma denominação italiana na divisa com a Eslovênia, que produz Sauvignon Blanc de interessantes notas minerais. Amorim, por sua vez, compara com a Nova Zelândia, segundo ele, a principal referência em Sauvignon Blanc no mundo hoje. “Alguns falam da Nova Zelândia, devido à ponta vegetal, à grama cortada, mas não concordo muito. Sempre quando falo de nossos vinhos, sou bem claro. Não temos intenção que ele seja parecido com A ou B. Penso que nosso ponto forte é a tipicidade que o nosso clima nos permite ter”, garante Suzin.
Ao que tudo indica, o futuro da Sauvignon Blanc catarinense é extremamente promissor e repleto de alternativas. “Acredito muito na Sauvignon Blanc de São Joaquim e também trabalhei para que fosse a variedade com maior área plantada na Villaggio Bassetti”, afirma De Césaro. “Das uvas brancas, certamente é a que já tem e que terá maior destaque no estado, porque os vinhos elaborados com a Sauvignon Blanc da altitude catarinense se diferenciam sensorialmente dos elaborados com a mesma uva no Rio Grande do Sul, e apresentam uma complexidade e intensidade aromática muito características”, aponta Nunes. “Até me arrisco a dizer que essa pode ser a nossa variedade emblemática num futuro não muito distante”, finaliza Suzin.