Embarque conosco em uma visita a projeto Otronia, na Patagônia profunda no extremo sul da Argentina
Christian Burgos Publicado em 29/11/2023, às 15h00
Viajar a Chubut não é uma típica viagem de enoturismo, é mais como desbravar um novo território. Caminho curto é um voo de São Paulo a Buenos Aires, outro de Buenos Aires a Comodoro Rivadavia seguido de mais 2 horas de caminhonete 4 x 4, sendo uma hora em estrada de brita para um atalho.
A paisagem entre a cidade de Comodoro Rivadavia e Sarmiento revela a amplitude das planícies da Patagônia profunda, onde o alcance da vista está determinado pela curvatura terrestre.
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Chubut nasceu dos latifúndios de italianos e ingleses que decidiram lá se estabelecer, mas hoje é definida pela indústria do petróleo. Justamente por isso é ali que está o berço econômico da família mais rica da Argentina, a Bulgheroni. Depois de haver iniciado e expandido suas propriedades vitivinícolas da Argentina, para o Uruguai e de lá para Itália, Napa Valley e França, Alberto Bulgheroni teve a ousadia de retornar e elaborar o vinho mais austral do mundo.
É um ato ousado, mas não impensado, afinal, em Sarmiento, a presença da água nutre a fruticultura e horticultura. Neste ambiente, a própria Agroland (empresa de Alberto Bulgheroni) tem uma ampla plantação de cerejas que é exportada de avião sobretudo para metrópoles da Ásia.
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Ali, no paralelo 45’33 Sul, nasceu Otronia, possível pela água do Lago Musters. Estamos acostumados a ter a água e o clima como os desafios para a produção de vinhos na Argentina, mas em Otronia, estes, na verdade, são o frio e o vento.
O vento que comumente ultrapassa os 80 quilômetros por hora é o que pudemos vivenciar. A solução parte de algo que vemos em outros lugares do mundo levadas ao extremo, mais de meio milhão de árvores de plátanos foram plantadas formando barreiras para quebrar o vento.
Aliado a isso, as fileiras de videiras são protegidas por telas antigranizo, mas não dos dois lados na sua aplicação tradicional, e sim apenas no lado de onde sopra o vento. Além disso, a cada 11 fileiras temos uma barreira alta de telas (com cerca de 3 metros de altura) também funcionando como quebra vento.
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Tudo nesse lugar é definido pelo vento e pelo lago, que recebeu seu nome em homenagem ao desbravador inglês George Chaworth Musters, que em 1871 publicou um diário de viagem chamado “Vida entre os patagones” após conviver meses com tribos da etnia Mapuche. Francisco Pascasio Moreno, que batizou o lago, não sabia que este já tinha seu nome dado pelos nativos: “Otrón”.
Visitando o lago, sentimos a força do vento que cria ondas como em um mar, que se quebram pelas praias de areia escura ao seu redor. Amenizado o vento, é das águas do Musters que surgiu a arma para tentar atenuar a perda de safras para a o frio. As geadas acontecem cerca de sete vezes por ano e uma brigada de combate está em alerta durante seu período mais intenso.
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As estações de medição de temperatura e o conhecimento dos locais mais propensos determinam a colocação de vigias que, durante a noite, acompanham a temperatura e soam um alerta quando um nível crítico é alcançado. Daí cabe ao gestor agrícola decidir se deve ou não ativar os aspersores utilizando a água acumulada em reservatórios para congelar os vinhedos.
Isso mesmo, é como usar o fogo para combater fogo. Uma enorme quantidade de água é aspergida sobre as vinhas, congelando frutos e folhas. Contraintuitivamente, o gelo que se forma cria uma barreira térmica que impede que a seiva e os frutos alcancem a temperatura de congelamento enquanto no exterior a temperatura está bem abaixo de zero por toda a noite.
Com o nascer do dia, a temperatura começa a subir e aí entra o momento mais crítico. É necessário continuar regando para que o degelo se dê controladamente, caso contrário folhas e frutos se queimam e tudo é perdido. Esse processo já demorou dias e por isso é necessária uma decisão estratégica do gestor agrícola. Toda esta água, além de irrigar o vinhedo de forma maciça, ainda pode representar o fim da água dos reservatórios – que é necessária durante o ano.
Soluções tradicionais como acender fogo entre as fileiras é inviável, pois a intensidade do vento impede a formação do colchão de ar protetor. Aliás, curiosamente não existe influência atlântica porque a cordilheira mais baixa possibilita uma pressão vinda do Pacífico.
Este mesmo vento, que dia e noite sopra do oeste, é um aliado para a agricultura ecológica praticada em Otronia, pois não é necessário controle biológico para enfermidades no vinhedo por falta de umidade. A presença da água nos faz esquecer que se trata de uma estepe desértica, com menos precipitação do que Mendoza (menos de 200 ml de chuva ao ano).
O vento ainda exerce pressão engrossando a pele das uvas e controlando o peso dos cachos, equilibrando a produtividade. Aliás, também por causa do vento, as videiras parecem mais jovens do que são, com troncos bastante mais finos do que o esperado.
Em Otronia, estão plantados 50 hectares de vinhedos orgânicos com as variedades Chardonnay, Pinot Noir, Pinot Gris, Gewürztraminer, Torrontés, Riesling, Merlot e Malbec. As calicatas revelam, em geral, um solo lacustre com pedras arredondadas, mas os blocos são bastante distintos.
Em todo lugar há muita influência arenosa, um solo eólico formado pelo arrasto de material pelo vento. Nas ladeiras, o solo tem formação rochosa com fragmentos de diferentes tamanhos e formatos cobertos por carbonato de cálcio. O peso da argila na composição varia bastante e define a textura e peso de boca do vinho de cada parcela. Esta combinação de clima e solo está favorecendo a ampliação do cultivo de Chardonnay e Pinot Noir nas encostas do morro que separa os vinhedos do lago Musters.
Um passeio imperdível para compreender como é única a formação deste pedaço da terra é o Bosque Petrificado Sarmiento, não muito distante dali, com suas árvores petrificadas há 65 milhões de anos, com uma trilha de cerca de 2,5 quilômetros em que se pode encontrar até fósseis de dinossauros.
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