Dos colonizadores

A íntima ligação entre os vinhos portugueses e a história do país

Acontecimentos que marcaram a nação lusa estão intimamente ligados a seus rótulos

por Euclides Penedo Borges

Louis-Michel van Loo/Wikipedia
Marquês de Pombal dinamizou a produção vinícola em Portugal e dedicou-se tanto aos vinhos generosos quanto aos de mesa

A narrativa da vinha e do vinho em Portugal remonta a tempos bem antigos, anteriores à Era Cristã, e seus feitos ocupam lugar de destaque na arte e na literatura portuguesa. Não há dúvidas de que foram os romanos (século II A.C.) os primeiros a estabelecer vinhedos na Lusitânia de forma organizada e que a vizinhança da foz do Tejo foi a primeira região lusa a cultivar a videira.

Após as invasões bárbaras e o domínio mouro (710 a 1100 D.C.), período em que o cultivo viu-se muito prejudicado, os vinhedos voltaram a se propagar e passaram a ser protegidos pelos reis de Portugal. Documentação variada e diversas legislações desde a primeira dinastia nacional (D. João I, grão-mestre da Ordem de Avis, 1385) até a Revolução dos Cravos (general Ribeiro de Spínola, 1974) atestam o desenvolvimento das atividades vitivinícolas naquele país.

Por necessidade do culto, as ordens religiosas conservaram nos mosteiros, mesmo em tempos difíceis, a arte do cultivo da uva e da elaboração de vi-nhos contribuindo para a expansão da produção e do consumo e para a melhoria da qualidade.

Exportação
Os vinhos portugueses, no início, eram consumidos no local da origem. Só se tornaram conhecidos fora dos muros quando os Cruzados de Ricardo, Coração de Leão, a caminho da Terra Santa, aportaram em Portugal para reabastecer (Terceira Cruzada, 1190). Assim, a exportação está indissoluvelmente ligada à Grã Bretanha. Ainda que incipientes e irregulares, elas tiveram início por volta de 1380, no reinado de D. Fernando I, quando a esquadra inglesa entrou no Tejo e instalou-se em Lisboa por algum tempo.

As primeiras exportações regulares foram dos vinhos acídulos de Monção - hoje região dos Vinhos Verdes, no Minho - saindo por Viana do Castelo com destino à Inglaterra.

Um fato fundamental teve lugar em 1703 com a assinatura entre Portugal e Inglaterra do Tratado de Methwen: passava a vigorar um regime especial protegido para a entrada de vinhos portugueses na Inglaterra em troca de tecidos ingleses de lã.

O Marquês de Pombal
No fim do século XVIII surge a rolha de cortiça e verifica-se a extraordinária melhoria da qualidade dos vinhos com o envelhecimento em garrafas arrolhadas - o Porto foi o que mais se beneficiou disso. Sebastião José de Carvalho e Melo (1699 - 1782), Conde de Oeiras e Marques de Pombal, tornou-se a pessoa que dinamizou a produção vinícola portuguesa dedicando-se tanto aos vinhos generosos (Porto e Carcavelos) quanto aos vinhos de mesa (Bucelas).

Não se pode esquecer que o cultivo na região do Rio Douro é milenar e já aparece nos escritos de Estrabão, geógrafo grego do século anterior à Era Cristã. Estima-se que o início do comércio do vinho do Porto, de origem duriense, porém centralizado na cidade do Porto, tenha começado em 1680 estimulado pelos comerciantes ingleses, antes, portanto, da ação do Marquês. Mas foi na administração dele que se fundou a Cia. Geral de Agricultura do Alto Douro e que a região foi delimitada de forma pioneira. Os marcos pombalinos, em pedra, atestam até os dias de hoje a ação desse destacado estadista português.

L. Gonçalves/Wikipedia
Após a Batalha de Aljubarrota, em 1385, as terras de Colares foram doadas a Nuno Álvares Pereira.
Hoje, o terreno é um DOC


As pragas
Em 1862, surgiu a filoxera no Douro, quando foi constatada, com surpresa, sua presença danosa na Quinta da Azinheira. No ano de 1871, registra-se um foco filoxérico no distrito de Santa Maria de Penaguião e logo toda a área às margens do Rio Douro é infectada. A invasão teve ritmo tão acelerado que se pode dizer que em 1895 a praga estava generalizada em todo o território português.

Com o combate à filoxera, procedeuse o arranque das videiras em pé franco e sua substituição por videiras enxertadas. Com a importação de videiras americanas foi possível contornar a praga. Com elas, porém, veio o míldio, felizmente mais fácil de combater. Vencida a filoxera, no reinado de D. Carlos I, o rei-artista (1863 - 1908), foram demarcadas adicionalmente diversas regiões produtoras, entre elas o Dão, Colares, Carcavelos e Moscatel de Setúbal. Vamos dar um rápido passeio histórico por elas.

Dão - As áreas entre os rios Dão e Mondego mereceram medidas régias de proteção já em 1545 por D. João III, ligado ao Brasil por ter criado as Capitanias Hereditárias e enviado as missões jesuíticas (Nóbrega, Anchieta, entre outras). O reconhecimento oficial e a delimitação, entretanto, só vêm entre 1907 e 1912, englobando os distritos de Viseu, Guarda e Coimbra. Destaca-se em termos de orografia pelas serras da Estrela - origem de queijos portugueses afamados - e do Buçaco. Estabelecida atualmente em torno da cidade de Viseu, deixou a moda das cooperativas e passou para a fase de investimentos privados centrados na qualidade.

Colares - Inscrições existentes e antiguidades romanas comprovam a posição de destaque de Colares na época do domínio romano. Conquistada pelos mouros em 1147, logo seu nome aparece ligado aos bens da coroa portuguesa. Após a Batalha de Aljubarrota (1385), os terrenos de Colares foram doados ao condestável Nuno Álvares Pereira pelo rei D. João I. Hoje, é uma pequena DOC na costa arenosa a oeste de Lisboa, com tintos da casta Ramisco, que passa por uma fase de renascimento.

Carcavelos - O vinho doce e generoso de Carcavelos, nas proximidades de Lisboa, é conhecido a partir do século XVII, época em que foi fonte de inspiração para Filinto Eliso, o padre-poeta, líder do grupo literário Ribeira das Naus. Consta que em 1752 teria sido enviado para a China como presente do rei D. José à corte de Pequim. O Marquês de Pombal tinha ali, em Oeiras, sua vinícola. Hoje a produção do vinho doce e alcoólico da DOC Carcavelos, ao estilo do Madeira, está bastante limitada, restringindo-se a uma vinícola apenas, a Quinta do Barão.

Moscatel de Setúbal - Os vinhos da península de Setúbal têm tradição histórica que remonta aos romanos. Quando Afonso Henriques conquistou Lisboa em 1147, o comércio de vinhos da região era florescente e merecedor de continuas intervenções régias desde a de D. Dinis em 1310 até D. Maria em 1806. A tradição do Moscatel de Setúbal é secular, mas seu desenvolvimento devese ao viticultor do Azeitão José Maria da Fonseca, mais tarde agraciado por D. Pedro V com o grau de Cavaleiro da Torre e Espada. O vinho de sobremesa servido no casamento do Rei Humberto da Itália foi o Moscatel de Setúbal.

Como se pode ver no breve relato acima, que poderia ser complementado com outras regiões de igual importância, a história do vinho português é parte inseparável da própria história de Portugal.

Marcelo Copello
Península de Setúbal: os vinhos da região têm tradicão histórica

palavras chave

Notícias relacionadas