Chilenos da Conha y Toro querem estar no mundo todo, desenvolvendo uma marca internacional
por Christian Burgos
O nome do rótulo surge de uma lenda bastante conhecida: a fim de que seus vinhos parassem de ser roubados, Don Melchor de Concha y Toro, fundador da vinícola, difunde o rumor de que o diabo habitava sua cave, que passa a ser conhecida como “Casillero del Diablo”. Quem visitou a vinícola lembrará os dizeres gravados em um pórtico: “Não há diabo tolo”. Uma prova da presença de espírito de Don Melchor é ver como a sentença muda de sentido se colocamos uma vírgula antes da palavra tolo. No Brasil, outra lenda diz que, por motivos religiosos, um importador não quis distribuir o produto no País.
Sendo assim, Marcio Ramirez – um dos principais enólogos da gigante Concha y Toro – visitou o Brasil após trabalhar no ícone Don Melchor e, junto com Giancarlo Bianchetti – diretor de marcar globais –, apresentou a safra 2007 da vinícola em um almoço exclusivo com ADEGA.
Muito se fala sobre a safra 2007 no Chile e vocês a estão batizando de safra histórica. Por quê?
MR – As condições climáticas foram ideais e proporcionaram uvas de qualidade extraordinárias. Já trabalhamos com rendimento baixo por hectare, que é algo dentro de nosso controle através da poda, mas, neste ano, o rendimento foi ainda mais baixo que o planejado.
Como funciona a determinação de rendimento por hectare? E como isto se reflete no vinho?
MR – Sempre deixamos uma quantidade para os diferentes tipos de uva que compõem Casillero, como 10 mil, 12 mil quilos por hectare. Mas, em 2007, tivemos um baixo rendimento naturalmente, 30% abaixo. Se esperávamos 10, tivemos sete. Isso nos deu uma fruta muito mais concentrada, com mais complexidade de aroma, sabores. E, assim, vinhos mais potentes. Foi resultado de dois fatores climáticos: temperatura e precipitação. Para 2007, tivemos 10% menos de temperatura máxima e as uvas amadureceram de maneira muito mais lenta e longa.
Isso ocorreu em todo o Chile?
MR – Sim. Mas, principalmente, para as variedades tintas e no interior. Os brancos, cuja colheita ocorre em março, tiveram um ano mais normal. E, como tivemos que esperar bastante tempo, tivemos a sorte de quase ausência de precipitações no momento da colheita. Como não houve chuvas, pudemos esperar, pois, se vem chuva, teríamos que ter colhido. Assim, esperamos o momento oportuno, o melhor.
A falta de chuvas chega a ser um problema para vôces?
MR – Não. Podemos controlar a falta de água com irrigação por gotejo. O assunto da água não é tão complexo. Somente quando os anos são muito quentes. Portanto, pudemos produzir uvas tintas de alta qualidade e, por isso, creio que é uma colheita histórica, a melhor que tivemos em nossa história é a de 2007.
Você é o responsável por todos os tintos de Casillero?
MR – Sim, em Casillero, trabalho com Marcelo Papa, em todos os tintos. E Marcelo faz praticamente todos os brancos.
#Q#
Mas previamente trabalhou em Don Melchor.
MR – Até 2000, trabalhei com Henrique (Tirado) em Don Melchor, em Puente Alto, na bodega. Depois, em 2001, mudei para Peumo, a zona dos Carménères.
Seis meses antes de sair a nota de Robert Parker para o Carmin de Peumo, fizemos uma degustação às cegas em ADEGA e o vinho foi muito bem avaliado. Depois que saiu a avaliação de Parker, queríamos experimentá- lo novamente e nunca mais conseguimos.
MR – Nós tampouco... (risos)
Depois, você iniciou experiências na Europa?
MR – Sim. Estive fazendo vinho na França, em Mouton Rothschild, e também no Castello Banfi, em 2002.
O ano que esteve em Castello Banfi, foi um muito ruim?
MR – Havia muito calor, muita uva, muita produção. Muito complicado...
E de lá para Casillero. Qual é a produção da linha Casillero?
MR – Entre as 12 variedades de uvas, são cerca de 3 milhões de caixas.
A Inglaterra consome quantas?
GB – 900 mil.
E o Brasil?
GB – O número um é a Inglaterra. Em segundo, Estados Unidos, com 350 mil. Terceiro, Chile, onde a marca é muito tradicional e segue crescendo. Brasil está em sexto no ranking de 2007, com 70, 80 mil caixas. Casillero tem vendas muito dispersas. Nosso objetivo sempre foi não ter concentração de 70% em um país, e, sim, estar em todos. Isso revela um pouco o que é a construção de uma marca internacional. Que efetivamente se bebe em Angola, Quênia e China. Essa é um pouco da lógica. Os top 10 estão espalhados pelos cinco continentes.
Qual o potencial do mercado brasileiro?
GB – O Brasil é um continente. Tem potencial para 200 mil caixas.
A linha Casillero é muito ampla e ficamos curiosos que vocês tenham iniciado com um vinho de grande sucesso mundial pela relação preço/qualidade, e depois, com tantas outras marcas premium no portfólio da Concha y Toro, lançaram Reserva Privada. Por quê?
GB – A razão é que Casillero tem um tamanho e uma magnitude que nos leva a querer seguir crescendo por essa marca. Porque temos os vinhedos, a equipe enológica e as bodegas para fazê-lo. Não podemos pôr limites. Casillero produz 3 milhões de caixas e por si só poderia ser uma das três maiores vinícolas do Chile. Por que vou limitar uma marca que está sendo bem-sucedida, que teve boa recepção do consumidor, cujas pesquisas na Inglaterra dizem querer um vinho reserva de Casillero, algo mais acima? As pesquisas pediram um vinho reserva e um espumante, que também é algo que estamos trabalhando. Independentemente das razões internas sobre como Concha y Toro distribui suas uvas e vinhedos, não podemos mandar no mercado. Se os consumidores querem um passo adiante, precisamos fazer um trabalho enológico para satisfazer essa necessidade.
Há duas interpretações distintas nisso. É muito mais difícil posicionar para cima do que para baixo. Então, não é um comportamento mercadológico convencional. Reserva Privada está sendo bem-sucedido no mundo todo ou só na Inglaterra?
GB – É um pouco prematuro avaliá-lo. Tem ido bem, porém está chegando ao mercado há apenas um ano e meio.
Qual é a produção
GB – 50 mil caixas.
E vocês ainda têm a oportunidade de ter a equipe de Casillero competindo com as outras duas equipes (Alma Viva e Don Melchor). Aqui no Brasil, Don Melchor luta com Alma Viva pelo coração dos brasileiros e creio que Papa não ficaria fora desta briga...
GB – (risos)
Qual é a diferença de trabalhar em Don Melchor e Casillero?
MR – Em Don Melchor, há mais tempo talvez para ir amadurecendo as coisas, vinhedos muito mais exclusivos para trabalhar, mais tranqüilidade. Em Casillero, temos que trabalhar com muito cuidado, mas não podemos perder muito tempo. O ritmo é muito mais rápido. Proporciona também uma coisa muito atrativa, que temos uma diversidade de vinhedos que podemos explorar, e isso é muito atraente.
Isso é, de fato, uma vantagem, poder escolher o melhor terroir no ano para fazer as assemblages...
MR – É um pouco o que fazemos com o Cabernet Sauvignon. O único que não tem vale específico. O volume é tão grande que temos que ir descobrindo vales diferentes para fazer uma grande assemblage.
O primeiro Casillero del Diablo foi a safra 1953. A primeira garrafa comercializada dessa safra chegou em 1963, dez anos depois. Hoje o vinho está pronto em um ou dois anos. O que mudou tanto nos vinhedos e na tecnologia? Eram vinhos feitos para evoluir por mais tempo, ou era uma questão natural?
MR – Creio que, nesse tempo, não conhecíamos tanto os vinhos como agora. Hoje se conhece melhor as barricas. Em 1987, quando começamos a fazer o primeiro Don Melchor, foi que começamos a usar barricas. Antes, somente usávamos as cubas. Não conhecíamos todas as técnicas de plantio. Hoje, há muito mais conhecimento do terroir. Há maior e melhor capacidade de manipulação.
Qual o Casillero mais antigo que você já degustou?
MR – Um de 1986.
O que mudou em sabores?
MR – Acredito que era um Cabernet mais clássico, no sentido que tinha sobretudo uvas de Maipo. Sentimos expressão de fruta, mais cassis, mais suavidade ou elegância. Mas lhe falta potência e expressão. É um vinho muito equilibrado, mas o que faltava era um pouco mais de expressão de fruta, que as pessoas gostam. Gostam de sentir o aroma e reconhecê-lo, dizer “boa cereja”.
Usualmente, o mercado pede um vinho diferente a cada ano. Quase como um objetivo, que é para poder ter diferentes safras, o conceito de terroir ao extremo. Por outro lado, há alguns produtos como champagne, no geral, e outras categorias, como uísque, que,devido à grande comercialização, buscam ser mais homogêneos ano a ano. Vocês têm uma grande produção, têm a possibilidade de compor blends. Qual é a intenção? Ter um vinho homogêneo ou explorar ao máximo a possibilidade de ter colheitas distintas?
MR – O que queremos, ano a ano, é manter a qualidade. Esse é um objetivo que traçamos. Não temos volumes determinados. Se necessário, baixamos o volume para manter a qualidade. Sabemos que é muito difícil que todo ano se faça vinhos iguais, então sentimos a liberdade de trabalhar da melhor maneira a cada ano. Percebemos isso com 2007, que sabemos que podíamos produzir muita fruta com elegância em comparação a 2006, um ano um pouco mais frio, e, assim, mais suave e vegetal. Tratamos de tirar o máximo a cada ano. 2005 foi mais quente, tinha muita potência, mas a uva podia ser um pouco mais firme. 2007 também não foi tão quente, mas foi muito mais redondo, expressivo. Não queremos que o vinho seja igual a cada ano.
Como chilenos, vocês não são demasiadamente impulsionados pelo mercado a produzir vinhos varietais de Carménère?
MR – Um pouco... Carménère, como a cepa do Chile, é uma variedade em que podemos fazer a diferença. Desde 1999, aprendemos muito sobre como trabalhar com ela.
GB – Houve um erro de posicionamento no Chile. As pessoas disseram: “Temos um diferencial: ninguém mais tem Carménère. Então, vamos produzir muito Carménère”. E começaram a fazer vinhos com uvas verdes e dizíamos que o Carménère era isto. Com o tempo, nos demos conta de que não é assim, depende como é manejado. Então, aprendemos a manejar a uva e produzir vinhos de qualidade.
Não acha que estão fazendo o mesmo com o Pinot Noir agora? Recebemos e-mails do Chile dizendo: “Se conhece alguém que venda uva Pinot Noir, entre em contato, temos mercado...”
GB – Acho que sim. Hoje há uma demanda e creio que é difícil ser especialista em Pinot Noir, pois é uma variedade complexa. Acredito que há diversidade excessiva de qualidade, assim como existiu há alguns anos com Carménère. Dessa forma, uma pessoa experimentava diversos Carménères do Chile e formava uma imagem confusa sobre esta uva.
Como você compara o potencial das uvas Carménère, Cabernet e Syrah no Chile?
MR – Cabernet Sauvignon se dá muito bem na zona de Maipo, e o Syrah em Rapel. Por exemplo, na maioria dos planos em Rapel, o Cabernet não se dá bem, mas, sim, o Carménère. Porque Cabernet é uma planta muito robusta que necessita de solo pobre para ser equilibrado. O Carménère, ao contrário, é muito frágil, que se plantarmos em solo muito pobre, não produz nada, e por isso foi abandonada na França. No Chile, Rapel tem um solo muito fértil, com muito clima, mais quente, no sentido de que a primavera e o outono têm quase a mesma linha de temperatura.
Esta é a razão da erradicação do Carménère na França?
MR – Exatamente, pela pobreza do solo e o clima. Às vezes, o Carménère não amadurece. No Chile, é a última variedade a ser colhida, em maio. Por isso, também não é em todos os lados do Chile que se planta.
Em sua opinião, Rapel é o terroir perfeito para Carménère? MR – Para mim, é um dos melhores terroir.
Quando terminaram de colher esse Carménère que degustamos?
MR – Colhemos até 20 de maio. É a área mais complexa, onde se passa mais stress, porque a chuva vem, e tudo isso. Por isso, achamos que o Carménère é uma variedade muito atraente.
GB – E eu (a acho mais atraente) mais pelo lado comercial, que é uma uva muito atraente para o consumidor. Tanto para não conhecedores, como conhecedores. É bastante transversal, não como Pinot Noir que é mais complexa. O melhor exemplo é que lançamos Carménère nos Estados Unidos, Casillero del Diablo 2003, e, hoje em dia, é a segunda variedade após o Cabernet Sauvignon. Vendeu-se sozinha, não tivemos trabalho para empurrá-la. E veja que as pessoas não a conheciam e nem mesmo conseguiam pronunciar direito seu nome.
É um vinho que vai melhor nos Estados Unidos que na Inglaterra?
GB – Sim, embora a Inglaterra o receba muito bem.
A questão dos anos pares e ímpares de safra no Chile é um mito?
MR – Sim. Não creio que isso seja um mito surgido pela oscilação de safras. Ocorre que, se um ano produz menos, o outro dá um pouco mais de uva. Reconheço que os anos ímpares sempre dão menos que os anos pares. Acredito que 2008 rompe um pouco esse molde, sobretudo com o Cabernet e Syrah. Mas, no geral, vínhamos experimentando colheitas 2001, 2003, 2005 e 2007 muito boas.
E como vocês enxergam o consumidor de vinho?
GB – Sabemos que o consumidor de vinhos é um consumidor que sempre quer mais. E por isso temos que seguir inovando.