O guia de ADEGA para apreciar todas as borbulhas do Champagne, do processo de produção à análise técnica dos melhores rótulos disponíveis no mercado
por Marcelo Copello
"Meu único arrependimento na vida é não ter bebido mais Champagne" |
John Maynard Keynes, economista inglês (1883-1946) |
"Sou abstêmio apenas para cerveja, não sou abstêmio para Champagne!" |
Bernard Shaw, escritor irlandês (1856-1950) |
Perlage: o conjunto de borbulhas do champagne |
Inimaginável um réveillon sem Champagne, inconcebível um pódio de Fórmula 1 sem Champagne, incompreensível um casamento sem Champagne, imperdoável o batismo de um navio sem Champagne. Champagne é alimento básico da alma, ração essencial da felicidade. Peço vênia aos nutrólogos para dizer que: alimentação balanceada é uma taça de Champagne em cada mão!
Após este desabafo, entramos no propósito desta matéria, que é dividir com vocês, queridos leitores, a paixão de ADEGA pela bebida de Dom Pérignon, e por meio do conhecimento e da cultura, melhor apreciá-la com ciência e consciência. A seguir vamos esclarecer alguns pontos que vão ajudar no entendimento destas borbulhas de elite.
Espumantes, "o" Champagne e "a" Champagne
Nem todo espumante pode ser chamado de Champagne. "O" Champagne é o vinho espumante feito exclusivamente na região de Champagne, ou "a" Champagne.
La Champagne
A região de Champagne, ou "La Champagne", localiza-se a 145 quilômetros a nordeste de Paris. É a região vinícola mais ao norte da França (48-49,5ºN de latitude), de clima frio e úmido, com influência marítima e continental ao mesmo tempo. A temperatura média anual é de 19ºC, com cerca de 650mm de chuvas. O solo é predominantemente calcáreo, o que permite boa drenagem. Os vinhedos geralmente são colinares, aproveitando melhor a luz do sol. As altitudes são modestas, e vão de 60 a 360 metros. Atualmente a produção de Champagne aproxima-se das 400 milhões de garrafas ao ano.
Os grands Crus e os Premier Crus
A região recebeu sua denominação de origem, ou Appellation d'Origine Contrôlée (AOC), em 1927, e é dividida em cinco sub-regiões. Dos 200 vilarejos classificados, 17 são denominados Grand Crus (a elite), e 43, Premier Crus (o segundo nível).
Colheita |
Os 17 Grands Crus são: Ambonnay, Avize, Aÿ, Beaumont sur Vesle, Bouzy, Chouilly, Cramant, Louvois, Mailly- Champagne, Le Mesnil sur Oger, Oger, Oiry, Puisieulx, Sillery, Tours-sur-Marne, Verzenay, Verzy.
Champagnes elaborados com uvas de vilarejos classificados como Grand Crus ou Premier Crus ostentam essas denominações em seus rótulos.
As sub-regiões
Montanha de Reims - região mais fria, onde reinam as uvas tintas, principalmente a Pinot Noir, com vários vinhedos Grands Crus e Premier Crus, nove, dos 17 Grands Crus, localizam-se aqui. Os mais famosos são Mailly, Verzenay, Verzy, Ambonnay e Bouzy;
Vale de marne - Solo menos calcário, com predomínio de argila. Predomínio das duas Pinots (Noir e Meunier), com dois vilarejos Grand Crus (Aÿ e Tours-sur- Marne);
Côtes de Blancs - Como o nome diz, predomínio de Chardonnay. Clima ameno, solo calcário. Aqui se situam cinco Grands Crus (Cramant, Avize, Oger, Le Mesnil sur Oger e Chouilly);
Côte de sézanne - Região recente, continuação da Côtes de Blancs, com vinhas plantadas em 1960, predomínio de Chardonnay;
Cote des Bar - no departamento de Aube, tem invernos frios e verões quentes, solos argilosos, predomínio de Pinot Noir, que nessa sub-região alcança mais corpo.
É bom frisar que diferentemente de outras regiões francesas, como Bordeaux, o nome da sub-região na Champagne é menos importante, pois os Champagnes são mais conhecidos pelas marcas das grandes casas, ou maisons. Nomes como Krug, Salon e Chandon contam mais do que o nome da sub-região.
Pinot Noir e Chardonnay |
Uvas
O Champagne é feito sempre a partir de três castas (solo ou misturadas): As tintas Pinot Noir e Pinot Meunier (das quais se faz um vinho branco) e a branca Chardonnay. Geralmente as tintas emprestam à mistura caráter mais austero, mais corpo, aromas de frutas vermelhas, enquanto a Chardonnay dá mais cremosidade e elegância.
Como se formam as bolhas
O Champagne é sempre o produto de duas fermentações. Primeiro elabora-se um "vinho base" que será re-fermentado, ganhando espuma. A fermentação alcoólica é a reação química de transformação dos açúcares da uva em álcool. um dos produtos desta reação química é o gás carbônico. quando esta fermentação é feita em recipientes hermeticamente fechados (no caso, a garrafa de Champagne), este gás dissolve-se no líquido, e só é liberado quando "estouramos" a rolha!
Método de elaboração ou champanhização
Os principais métodos de elaboração de vinhos espumantes em todo o mundo são o Champenoise e o Charmat. Na região de Champagne só é permitido o uso do método Champenoise, no qual a segunda fermentação é feita na própria garrafa. No método Charmat, a segunda fermentação acontece em grandes recipientes de inox. Geralmente, os Champanoise são mais finos e de perlage de melhor qualidade.
Perlage
É o conjunto de borbulhas do espumante. quanto menores e mais abundantes são as bolinhas, o espumante será melhor, mais fino e agradável no palato.
Corte ou Assemblage
É o primeiro passo na elaboração do champagne. É a mistura de diversos "vinhos base" que serão re-fermentados para formar o Champagne. As maisons produzem ou compram uvas de vários vilarejos, e misturam os vinhos produzidos para elaborar seus assemblages, ou cortes, que resultarão no Champagne. um assemblage pode ser uma mistura de dezenas de vinhos (às vezes, mais de 70), de uvas provenientes de vários vilarejos e de safras diferentes.
Desengaçadeira | Remuage | Tanques de fermentação |
Licor de tirage e segunda fermentação, ou Prise de mousse
O vinho base passa então por uma segunda fermentação, também chamada de "tomada de espuma", ou prise de mousse, que o transforma de vinho de mesa em vinho es pumante. Isto acontece dentro da garrafa definitiva, a mesma em que a bebida será co mer cia li zada. O vi nho base é colocado dentro da garrafa com o licor de tirage - formado por açúcar e vi nho, no qual foram cultivadas leveduras treinadas especialmente para produzirem um bom champagne. Estas leveduras constituem um dos segredos dos produtores. A garrafa é então fechada com uma "chapinha" provisória. A prise de mousse dura cerca de três meses. Ao fim deste tempo, pode-se ver, no fundo das garrafas (deitadas), as borras depositadas. A etapa seguinte é o tempo de amadurecimento do Champagne com suas borras.
As borras e o tempo com elas
As borras são as células mortas das leveduras que processaram a segunda fermentação do champagne na garrafa. Estas células, com o tempo, dissolvem-se no líquido em um processo chamado de autólise. Este "tempo com as borras", ou "tempo sur lie", ou "tempo de autólise", é o tempo que o espumante permaneceu com suas borras. Quanto maior o tempo, maior o corpo, a complexidade e a cremosidade. Este tempo dura, normalmente, de seis meses a cinco anos. Ao final desta etapa, o líquido não pode ser simplesmente filtrado, pois, se a garrafa fosse aberta, perderia seu precioso perlage. Este problema é resolvido através do remuage e do dégorgement.
Engarrafamento |
Autólise
É o rompimento das células mortas das leveduras da segunda fermentação. A autólise cria aminoácidos, que são os precursores da complexidade de aromas, corpo e cremosidade do Champagne.
Remuage
É um processo lento e delicado. As borras são leves e turvam o vinho ao menor movimento. As garrafas são colocadas em cavaletes especiais de madeira chamados pupitres, dotados de furos ovais onde as garrafas são introduzidas horizontalmente. O remuer, profissional especializado nesta tarefa, passa periodicamente pelos pupitres fazendo o giro de 90o nas garrafas, e, ao mesmo tempo, colocando-as um pouco mais inclinadas para cima, de modo que as leveduras mortas vão, aos poucos, sendo levadas ao gargalo. Quando as garrafas estiverem bastante inclinadas para cima, as leveduras já estarão quase inteiramente sobre a tampinha. Este processo dura cerca de dois meses, ou cerca de uma semana, se for realizado mecanicamente.
Dégorgement ou Disgorgement
Após a remuage, a garrafa está com os sedimentos no gargalo, que é congelado e expelido por pressão. Esse método é conhecido como Dégorgement ou Disgorgement. A mesma máquina que retira o sedimento congelado acrescenta o Liqueur d'Expédition.
Liqueur d'Expédition, a "dosagem"
Ao final do processo de elaboração do Champagne, o liqueur d'expédition é acrescentado. Ele é uma espécie de xarope que determinará a "dosagem" de doçura do Champagne. É bom lembrar que a sensação final de doçura também depende deoutros fatores, como a acidez do espumante, que poderá compensar maiores teores de açúcar. A classificação do Champagne quanto ao teor de açúcar é:
O Brut Nature pode ser chamado também de "Pas Dosé", "Brut Sauvage", "Brut Zéro", "Dosage Zéro", "Brut Intégral", "Brut Non-Dosé" etc.
#Q#A temperatura ideal para consumir o Champagne NV é entre 5 e 7ºC |
Evolução da doçura
Em seus primórdios, o Champagne era extremamente doce. Os teores de açúcar caíram bastante ao longo do tempo. Até os anos 1920 era comum que a dosagem do Champagne fosse determinada pelo mercado a que destinava. Ao invés do uso de termos como "Brut" ou "Demi-Sec", usava-se: "Goût anglais", "Goût américain" e "Goût français" (respectivamente, "gosto inglês", "gosto americano" e "gosto francês"), em ordem crescente de doçura. Estes valores variaram ao longo da história, mas há registros de que no fim do século XIX, eles seriam: para ingleses - 22 a 66 g/l; americanos - 110 e 165 g/l; franceses - 165 a 200 g/l. Lembrando que um Sauternes contém cerca de 100 gramas de açúcar por litro!
Reação de Maillard
A interação entre aminoácidos formados na autólise e o açúcar da dosagem é chamada de "reação de Maillard", responsável por muitos aromas que se formarão ao longo do envelhecimento do Champagne em garrafa.
Blanc de Blancs
É o Champagne branco elaborado apenas com uvas brancas, da variedade Chardonnay.
Blanc de Noirs
É o Champagne branco elaborado apenas com uvas tintas, Pinot Noir e Pinot Meunier (pode ser apenas com uma ou com a mistura das duas).
Rosé
O Champagne rosé é uma categoria nobre, muitas vezes alcançando preços maiores do que os brancos. Pode ser feito a partir da mistura de vinho branco com tinto. Champagne é uma das poucas denominações que permite fazer rosé dessa forma.
Ttipos de Champagne
NV, millésimes e Cuvées de Prestige
NV ou sans Année - champagnes compostos por castas de vários anos.
Millésimes ou Vintage - é aquele que teve uma colheita excepcional. um Vintage Champagne deve ter 100% das uvas colhidas naquele ano. E pode ser armazenada por oito a dez anos da data da colheita.
Cuvée de Prestige - são cuvées que não medem despesa. Rótulos de alta categoria, como Dom Pérignon (feito por Möet & Chandon), Cristal (elaborada por Louis Roederer) e Belle Epoque (por Perrier- Jouët). São produzidos em pequenas quantidades e seu preço é determinado pela raridade. uma seleção precisa do vinho base é o fator mais significativo para definir um Prestige Cuvée.
Cuvée - originalmente o termo refere-se ao vinho de um recipiente, ou cuvée. Hoje o termo refere-se a um assemblage específico, ou a um produto (Champagne) que pode ser a mistura de vários recipientes, ou vários cuvées.
Temperatura de serviço
A temperatura ideal para consumir o Champagne é entre 5-7ºC para os NV e 6-8ºC para os Champagnes especiais. Alguns champagnes mais delicados ou envelhecidos podem ganhar se degustados um pouco menos gelados, por exemplo, a 10ºC.
Aromas de Leveduras
Alguns aromas são muito típicos do Champagne, como os aromas de leveduras ou fermentos, que provém da autólise. Muitas vezes, degustadores também se referem a este aromas como casca de pão, pão torrado, torradas, brioches ou até mesmo "incêndio na padaria".
Outros aromas
Aromas de frutas frescas são também muito comuns. Frutas amarelas são mais típicas em Blancs de Blancs, frutas vermelhas, nos Blanc de Noirs e nos rosés, e cítricos, em todos. Aromas de mel, amêndoas, avelãs, nozes são mais comuns em champagnes com alguma idade.
Rótulos
Os rótulo sempre apresentam duas letrinhas pequenas, descrevendo a categoria do produtor. Elas podem ser:
NM: "Négociant Manipulant" - empresas que compram uvas de outros produtores e elaboram seus vinhos. As grandes marcas de Champagne normalmente encontramse nesta categoria;
RM: "Récoltant Manipulant" - empresa que possui vinhedos e controla todo o processo, produzindo com uvas próprias e comercializando seu próprio Champagne;
CM: "Coopérative Manipulant" - cooperativas que fazem vinhos com uvas de produtores membros.
RC: "Récoltant Coopérateur" - membros de uma cooperativa que vendem os Champagnes produzidos por outras cooperativas com seu próprio nome/rótulo.
#Q#MA: "Marque Auxiliaire" - uma marca sem vínculo com o produtor, pertencente a, por exemplo, um supermercado.
SR: "Société de Récoltants" - uma associação de viticultores produzindo em conjunto uma marca de Champagne, mas sem formarem uma cooperativa.
ND: "Négociant Distributeur" - um negociante de vinhos que adquire o Champagne pronto e comercializa com sua marca própria.
Tamanho da garrafa
Champagne é uma bebida tão social que inspira a produção de garrafas grandes, seguindo os nomes abaixo.
Capacidade (em litros) | Equivalente em garrafas | Champagne |
0,187 | 1/4 | Quart |
0,375 | 1/2 | Demi |
0,750, | 1 | Bouteille |
1,5 | 2 | Magnum |
3 | 4 | Jeroboam |
4,5 | 6 | Rehoboam |
6 | 8 | Matusalém |
9 | 12 | Salmanazar |
12 | 16 | Baltazar |
15 | 20 | Nabucodonozor |
24 | 32 | Salomão |
Tempo de Guarda
Aconselha-se beber os Champagnes NV de um a dois anos. Os Champagnes especiais, os Millésimes e os Cuvées de Prestige são capazes de envelhecer por décadas e ganhar grande complexidade (assim como seus apreciadores, saúde!).
Para concluir, preparamos a maior degustação de Champagnes da história de Adega, com 22 rótulos testados. Confira na seção CAVE (à página 72).