Paraíso neozelandês

Peter Yealands desvenda as maravilhas dos vinhos "sustentáveis" produzidos em seu "Jardim do Éden"

por Christian Burgos

Quer entender um pouco do que faz a Yealands Estate? Entre no site deles e logo sons de bichos e imagens estupendas da Nova Zelândia surgirão e vão fazer você viajar por um mundo paradisíaco. Pode não parecer, mas é o reflexo da filosofia de uma grande empresa vitivinícola comandada pelo visionário Peter Yealands.

Quando perguntado sobre os negócios em que já atuou, o empresário, debaixo de sua espessa barba branca, é humilde e diz: “Já tive muitos, muitos ao mesmo tempo”. Mesmo sem ter um passado no mundo do vinho, ele se enveredou por esse universo por meio dos negócios, que passaram por tosa de ovelha, empresas de construção e indústria de mexilhões (em que foi pioneiro).

A vitivinicultura, além de um bom negócio, veio ao encontro de sua visão da vida, que se tornou totalmente focada no respeito ao meio ambiente. Assim, sua empresa é sustentável desde o dia em que nasceu e quer ser “carbono zero” em todas as etapas da vinificação até a garrafa chegar à mão do consumidor. Nessa entrevista ele conta algumas das peripécias que o fizeram ingressar nesse mundo.

Vocês estão em um país relativamente pequeno, mas sua operação é grande...
Somos provavelmente o maior vinhedo único da Australasia, e certamente o maior da Nova Zelândia. Nossa propriedade tem 1.150 hectares, dos quais 150 são terrenos vazios, onde, quando precisamos, colocamos as ovelhas para pastar. Esses 1.000 hectares restantes estão divididos em 870 ha de plantações, uma parte de zonas úmidas, e o restante do terreno é onde fica a nossa vinícola. Somos muito grandes e, em tamanho e volume, somos a sexta maior da Nova Zelândia, sendo que estamos indo para nossa quarta safra. Tivemos um crescimento muito rápido, de cerca de 45% por ano, e começamos a partir do zero em 2008. Foi isso que nos fez deixar de ser um produtor de uvas para nos tornarmos um produtor de vinhos. Quando construímos a vinícola, em 2007, demoramos um ano para finalizá-la, a inauguração foi no dia 08/08/2008, e não tínhamos nenhum cliente.

Jim Tannock

Jim Tannock
“Nossa propriedade tem 1.150 hectares, dos quais 150 são terrenos vazios, onde, quando precisamos, colocamos as ovelhas para pastar. Esses 1.000 hectares restantes estão divididos em 870 ha de plantações, uma parte de zonas úmidas, e o restante do terreno é onde fica a nossa vinícola. Somos muito grandes e, em tamanho e volume, somos a sexta maior da Nova Zelândia, sendo que estamos indo para nossa quarta safra”

Começou do zero?
Absolutamente. Antes disso eu estava no que chamamos de “mercado spot”, que cuidava da demanda de companhias que não tinham contratos de frutas suficientes. A recompensa era elevada, mas o risco também era bastante grande. Você sempre recebe mais do que os contratos locais. Felizmente, fui capaz de enxergar um pouco além, o suficiente para construir a vinícola, porque era meu único caminho. Assim que a oferta atingisse a demanda, não teria clientes. Então, consequentemente, decidi produzir vinho, porque uma vez que você coloca algo numa garrafa, você tem algo para vender no futuro. Em 2008, tivemos a recessão. Isso foi um golpe duro. Desenvolver uma marca e começar do nada quando não se tem financiamento, no começo do que seria a pior recessão global de que se tem notícia, foi um grande desafio. Mas passamos por tudo isso. Fui capaz de, de alguma maneira, contratar as melhores pessoas da indústria. Todos os grandes estavam encolhendo e sentindo a dor, e eu consegui atrai-los, e quando você consegue dois ou três... Há um ditado antigo que diz que “pássaros da mesma pena voam juntos”. Se você conseguir uma ou duas boas pessoas, é muito mais fácil conseguir o resto. Foi isso que tornou a operação um sucesso, ter muito bons profissionais. E temos uma das vinícolas mais modernas daqui, está bem no meio dos vinhedos. Em apenas 10 minutos conseguimos levar as uvas para a adega. Nossa filosofia é a excelência e qualidade do vinho, mas também nos focamos em inovação e sustentabilidade. De fato, inovação e sustentabilidade andam juntas. Tentamos nos sobressair nisso e não é só uma coisa nova, é uma atitude que tivemos por algum tempo e que tentei trazer para o negócio do vinho.

#Q#

Isso faz alguma diferença na relação do consumidor com o vinho?
Para algumas pessoas faz diferença sim. Algumas pessoas não se importam com isso, mas há uma crescente conscientização ambiental e isso é visto no mundo todo. O melhor exemplo para mostrar como estamos cuidando do mundo é pelo fato de que somos “carbono zero”. Há sete ou oito vinícolas da Nova Zelândia que são carbono zero, e poucas na América do Sul, que geralmente têm o certificado CEMARS. CarbonZero vem em primeiro como a certificação mais importante, e abaixo dele está o que chamamos de CEMARS. Para se ter uma ideia, com CarbonZero, temos que medir toda a nossa pegada de carbono e então compensá-la. Na Yealands, não há pegada de carbono para onde as garrafas são levadas e logo vamos apagar nossa pegada do caminho que o vinho faz para chegar até as mãos do consumidor. Como faremos isso eu não sei, mas vai ser muito difícil, pois não sabemos o meio de transporte que será usado na entrega, o que é um desafio a mais. Sendo CarbonZero, somos líderes no mundo. Somos a única vinícola do mundo que é carbono zero desde o primeiro dia. Todas as outras fizeram isso depois de já estarem no negócio há muitos anos.

Você teve relação com vinho antes?
Quando inauguramos a vinícola em 2008, essa foi a primeira vinícola que entrei em toda a minha vida. E quando plantei minha primeira vinha em 1998, nunca tinha tido nenhuma relação com o vinho. Eu era um bebedor de cerveja, um sertanejo, era a última pessoa para ser associado com o vinho. E provavelmente ainda sou para muitas pessoas. Em meu discurso de abertura disse que queria ser a quinta maior vinícola da Nova Zelândia em cinco anos, e vamos atingir esse objetivo. Também disse que queria ter a vinícola e os vinhedos mais sustentáveis do mundo.

Fotos: Jim Tannock


"Para algumas pessoas faz diferença sim (ser sustentável). Algumas pessoas não se importam com isso, mas há uma crescente conscientização ambiental e isso é visto no mundo todo. [...] Somos a única vinícola do mundo que é carbono zero desde o primeiro dia"

Por que escolheu ser sustentável?
Acredito que comecei a pensar mais em sustentabilidade e natureza depois de uma experiência que tive. Não foi uma dessas coisas de nascer de novo, mas uma experiência numa fazenda. Tenho uma fazenda num lugar cheio de água e fiorde, uma fazenda grande, com veados, ovelhas e muita floresta. Quando a pessoa que administrava a fazenda foi embora, fui lá para tomar conta, junto com a minha esposa e, quando nos deparamos com aquilo tudo, começamos realmente a apreciar o meio ambiente. É preciso fazer parte para aquilo funcionar. Não dá para forçar as coisas, é preciso caminhar com a natureza. Só para dar um exemplo, o lugar é bem longe de qualquer “civilização”, o único rastro que, às vezes, podemos ver, é o vapor dos jatos que passam por lá, mais nada, nem mesmo telefone. Não há tevê, não há nada, nem previsão meteorológica ou coisas do gênero, e então você começa a se tornar mais consciente do que está a sua volta. E foi isso que aconteceu conosco. Lá existe um vale onde temos uma árvore nativa, com flores muito bonitas. E quando ela começava a florescer, os pássaros iam até lá para aproveitar o néctar. Falei para minha esposa que as flores iriam desaparecer e que deveríamos colocar um pouco de água com açúcar num pires para eles. Fizemos isso e depois de alguns dias eles já estavam acostumados, e iam para lá para beber a nossa aguinha. Até aí não havia problema, mas então esses pássaros e sua prole passaram a ir para lá sempre, até chegar num ponto em que ficavam perto da árvore esperando a gente chegar com a água com açúcar e, mais tarde, iam bicar nossa janela porque o pires estava vazio. E esses eram pássaros selvagens, é incrível. Foram coisas como essas que me fizeram parar e pensar.

Você criou relações com a natureza...
Sim. Antes disso, nos meus dias “selvagens”, costumava cortar árvores. Costumava fazer estradas, caminhos, sem sequer pensar no meio ambiente, todos faziam nisso. Houve muitas outras coisas, mas esse foi o momento em que mudei, passei a plantar árvores e fazer o que me deixava bem. Vivi lá por sete anos.

Na Nova Zelândia a maioria dos empresários tem áreas de negócios diferentes. Esse é o seu caso também?
Não, acho que herdei isso do meu pai, um conhecedor de toda a filosofia do comércio. Não sei se sou bom nisso, mas amo o desafio de tentar. Para me fazer entrar em algo (não que precise de muito), é só alguém me dizer que não posso fazer isso. Essa é a arma, porque sou teimoso, sou um pouco arrogante e quero provar que o outro está errado. Errei muitas vezes, mas sempre me reergui e continuei em frente. Tive muitos negócios, diversos ao mesmo tempo.

Como você administrava todas essas informações?
Todas as informações estavam juntas na minha mente e esse é um dos motivos pelo qual ela não está muito boa ultimamente. Tive um computador por apenas três anos, então tudo ficava na minha cabeça e isso era um pesadelo para os meus contadores. Precisava lembrar se uma pessoa já havia pagado ou não. Quando estive na indústria de mexilhões, também fiz negócios desenvolvendo todas as empresas associadas a isso. Produzíamos o transporte usado para levar os mexilhões, as malhas de algodão que os abrigavam, os sistemas de ancoragem, tudo. Instalamos eles e também fornecíamos para outras pessoas. Era uma operação de base muito ampla, acabou se tornando um negócio muito grande e tive muita sorte, pois vendi quando estava no auge, em 1992, e levei minha família para umas boas férias.



#Q#

O negócio está lhe fazendo viajar bastante...
Sim, e deveria viajar mais do que viajo. Geralmente percorro o mundo uma vez por ano, mas acredito que deveria fazer isso com mais frequência. Mas não sou uma pessoa extrovertida, sou mais caseiro. Percebi que um dos meus deveres é sair e vender a marca. Uma vez fora de casa, não é tão ruim quanto imaginava, mas amo minha esposa e amo estar com ela.

Por que vocês têm ovelhas anãs nos vinhedos?
Por causa da grama e das ervas daninhas. Ao todo, os vinhedos têm 400 km de grama, e precisamos cortar toda essa grama de 10 a 12 vezes por ano. Tendo ovelhas –ainda não colocamos elas diretamente nos vinhedos porque ainda estamos fazendo as contagens –, vamos eliminar a necessidade de aparar a grama e de pulverizar as ervas daninhas. Isso também elimina a necessidade de tirar os brotos da haste, porque as ovelhas irão comê-los (por serem pequenas, elas não alcançam as uvas) e esperamos que, depois de um tempo, sejamos capazes de gerar rendimentos também a partir da lã e da carne das ovelhas. Então elas são bastante sustentáveis. As ovelhas também usam os gramados para depositar seus excrementos, que servem como fertilizantes naturais. Há menos “peso” no vinhedo. Quando você usa um trator ao longo do solo o tempo todo, ele fi ca muito compacto. As ovelhas dão alguma compactação à terra, mas não chega perto do que os tratores fazem. Com elas, os vinhedos estão sempre muito bem ordenados. Quando você apara a grama, precisa esperar até ela crescer novamente para então cortá-la. Ou seja, as ovelhas são um método muito prático e lógico para gerir seus campos. Porém, elas não foram nossa primeira opção. Não costumamos falar sobre a primeira solução, porque ela é um pouco louca.


“Desenvolver uma marca e começar do nada quando não se tem financiamento, no começo do que seria a pior recessão global de que se tem notícia, foi um grande desafio”

Qual era a primeira opção?
O primeiro de todos os objetivos, o carbono que precisamos compensar, vem da queima de combustíveis, e os combustíveis são usados principalmente nos tratores dos vinhedos. O que fazemos com mais frequência é aparar a grama, então é daí que vêm tanta queima de combustível e o maior custo do carbono. Então, pensei em formas de eliminar isso e quis ter gansos e outras aves domésticas. Depois tive a ideia de usar porcos da Guiné, porque eles reproduzem muito rápido e comem, comem 24 horas por dia.


Jim Tannock

Eles se multiplicam rápido?
Sim, então peguei uma pequena cerca elétrica, coloquei ao redor dos vinhedos e pus os porcos lá, para testar. Aquilo funcionou muito bem. Poderíamos continuar com as cercas e levar as coisas normalmente, como sempre fazíamos. O problema foi que temos muitas aves predadoras, como gaviões e falcões. Eles sabiam que os porcos estavam sempre lá, e então iam até as plantações para pegá-los e levavam-nos em suas garras. Não era muito agradável ter um visitante na vinícola vendo um gavião voar com um porco da Guiné nas garras, fazendo um barulhão. Quando eles viam acontecer, perguntavam o que era aquilo, e eu percebi que não era uma coisa boa de se ver. Então, demos os porcos para uma escola e depois tive a ideia das ovelhas.

VINHOS AVALIADOS
Crossroads Malborough Riesling 2008
Yealands Way Riesling 2009


R$ 38

90 pontos
88 pontos


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