São mais de 500 compostos voláteis em sua composição. Conheça as interações complexas que ditam esse prazer
por Gustavo Molina

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Descrever os sabores e aromas do vinho é uma tarefa prazerosa. Frutas negras maduras, tons tostados, notas cítricas, especiarias etc. Os descritores são inúmeros, mas você sabe como essas sensações se formam?
Primeiramente, para que se crie a sensação de sabor, diversos sentidos devem interagir, como o aroma, paladar, tato e até mesmo audição e visão. Por isso, o famoso ritual "olhos-nariz-boca" é importante para que se tenha a sensação de sabor mais complexa, completa e prazerosa. E é por isso que pedimos muita atenção quando falamos em "degustar o vinho", um termo que deve englobar um grande conjunto de sensações.
Apesar de todas essas variáveis na sensação de sabor do vinho, a combinação mais importante fica por conta da interação entre o gosto e o aroma. O gosto engloba os quatro gostos básicos, mas, no caso dos vinhos: doce, amargo e azedo, de substâncias não voláteis, percebidas em receptores específicos da língua.
Enquanto isso, o olfato é o componente sensorial resultante da interação de componentes voláteis dos vinhos com os receptores olfativos da cavidade nasal. O estímulo a essa sensação pode ser ortonasal (odor entra na região olfativa diretamente ao se inalar o ar contido na taça, acima do vinho) ou retronasal (quando o odor entra na cavidade nasal a partir da cavidade bucal ao se ingerir o vinho).
O vinho é uma bebida de aromas complexos, pois possui mais de 500 compostos voláteis em sua composição que, juntos, são responsáveis pela formação do seu aroma característico. Além da infinita complexidade, a combinação na percepção de cada molécula pode resultar em uma quantidade quase incontável de notas aromáticas.
Para comprovar a importância da interação entre gosto e aroma na sensação de sabor, basta ver que muitas pessoas dizem não sentir gosto quando estão com o nariz entupido. Outro exemplo clássico é a atribuição de descritores de gosto aos aromas: "Esse vinho tem aroma azedo ou doce", apesar de o sistema olfativo não possuir receptores para esses descritores.
Dessa forma, o termo sabor está combinado ou integrado com a percepção de aroma (odor) e gosto, e, em menor grau, a sensações de resposta neural (por exemplo: adstringência dos taninos, efervescência e frescor de outros compostos etc), textura/sensações táteis e aparência global. Toda essa complexidade torna difícil a distinção entre aroma e gosto como dois sentidos fisiológicos distintos, já que ambos são frequentemente percebidos simultaneamente.
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Formação do gosto básico
Os componentes responsáveis pelo gosto básico do vinho, bem como por suas propriedades estimulantes, contribuem diretamente com a qualidade final do produto. Nesse caso, três classes determinam as características majoritárias do gosto dos vinhos: os componentes estimulantes (sendo que dentre os mais importantes está o álcool etílico); os ácidos (cujo conteúdo determina a acidez do vinho); e os açúcares (sendo que o conteúdo de açúcar residual determina se o vinho é mais seco ou mais doce).
Além desses grandes grupos, um fator de grande importância para o gosto e sabor do vinho é a adstringência, que, muitas vezes, é confundida com o amargor. Embora não sejam a mesma coisa, podem estar associados, pois muitos compostos que têm sabor amargo podem conferir uma sensação de adstringência.
Outros componentes colaboram com a percepção do gosto básico, ainda que nem sempre positivos, como o amargor, influenciado por componentes de diversas classes químicas, e o toque salgado, proveniente do teor de sais minerais presentes, principalmente o cloreto de sódio.
Os compostos que contribuem para esses gostos básicos são substâncias não voláteis, solúveis em água ou em misturas água/álcool. A associação de todos esses compostos com os aromas e substâncias voláteis são responsáveis pelo complexo sabor do vinho, que envolve uma série de reações e estruturas químicas diversas.
Algumas ressalvas importantes, uma é o caso especial do álcool etílico, pois, apesar de se tratar de um composto volátil, na quantidade em que é encontrado no vinho também pode colaborar com a sua doçura (juntamente com o glicerol), e os ácidos, como o ácido acético, por exemplo, que são levemente voláteis e, além de contribuírem com a acidez do vinho, podem colaborar com o perfil aromático.
Os principais componentes da formação do gosto Acidez
A acidez de um vinho é resultado da presença majoritária de diversos ácidos orgânicos, além de uma pequena quantidade de inorgânicos e de outros compostos que colaboram com essa percepção. Os ácidos podem ser diretamente derivados das uvas, formados no processo de fermentação ou pelos micro-organismos, além dos compostos específicos produzidos por uvas botritizadas.
Dentre os mais importantes se destacam o ácido tartárico, málico e cítrico, provenientes das uvas, e o ácido lático (presente em maiores concentrações nos vinhos que passaram pela fermentação malolática, desejável em muitos vinhos tintos) e succínico, gerados ao longo da fermentação, apesar de diversos outros estarem presentes e serem importantes para a acidez final do vinho.
É interessante ressaltar que as diferentes variedades de uvas apresentam conteúdos de ácidos distintos, sendo responsabilidade do enólogo administrar isso ao longo do processo de fabricação do vinho, para adequar o seu conteúdo ao produto final. Fatores climáticos, durante a maturação e colheita, também podem refletir no nível de maturação da uva que, por sua vez, determinará o seu conteúdo de ácidos e o seu sabor.
Sendo assim, acidez contribui direta ou indiretamente para a qualidade do vinho, pois está relacionada, por exemplo, ao gosto ácido do vinho. Vinhos com acidez insuficiente pode deixá-lo insípido, enquanto em excesso pode dar características de azedo.
A acidez também está relacionada ao pH, que por sua vez pode afetar diversos aspectos químicos e influenciar em reações importantes para a formação do aroma, gosto e qualidade. Por exemplo, um pH relativamente baixo ajuda na proteção do vinho contra a contaminação microbiana e faz com que a utilização de dióxido de enxofre tenha maior efeito. Além disso, ajuda a expressar a coloração vermelha dos vinhos tintos e reduzir a incidência de escurecimento dos compostos fenólicos presentes. O pH é muito importante para a estabilidade do vinho, sendo que uma acidez adequada será um requisito importante para o potencial de envelhecimento.
Acidez insuficiente pode deixar o vinho insípido, enquanto em excesso pode dar características de azedo
| AROMA OU BUQUÊ? Não há consenso nos termos utilizados para falar sobre os cheiros do vinho. Em termos técnicos, seria razoável utilizar "aroma" para descrever o cheiro do vinho que é derivado das uvas, enquanto o "buquê" tende a se referir ao cheiro do vinho formado como parte do seu desenvolvimento durante a fermentação e maturação. |
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Doce
O conteúdo residual de açúcares (sacarídeos), glicose e frutose determina a sensação primária de um vinho entre seco ou doce. Essa informação é responsável por uma das principais divisões nos tipos de vinhos como secos (entre 0,2-0,8 g.L-1 de glicose e 1,2 g.L- 1 de frutose) ou doces (de 30 e 60 g.L-1, respectivamente).
Do ponto de vista prático, a contribuição do álcool etílico e do glicerol à percepção do doce do vinho também deve ser considerada, embora em menor escala. Então, a quantidade e intensidade do gosto doce dependem principalmente da concentração e da estrutura dos açúcares presentes, bem como de outros parâmetros como a temperatura, pH e a interação com outros componentes.
Uma das interações que deve ser destacada fica entre a acidez e o doce, sendo que vinhos mais doces necessitam de uma acidez mais destacada para não se tornarem muito apagados. Contrariamente, vinhos muito ácidos e sem qualquer doçura podem resultar em vinhos descritos como ácidos ou azedos ao extremo, o que não é interessante.
O conteúdo residual de açúcares, glicose e frutose determina a sensação primária de um vinho entre seco ou doce
Amargor e adstringência
Amargor e adstringência Embora a adstringência e o amargor sejam constantemente confundidos, eles apresentam diferenças consideráveis, além de afetarem diferentes áreas da boca e da língua, de maneira distinta.
Apesar de suas diferenças, esses termos sensoriais podem ter semelhanças no que diz respeito aos seus compostos químicos básicos, os polifenóis, que são provenientes das uvas e do carvalho. Dentro desse grande grupo são encontradas duas classes: o grupo flavonoide e os compostos não flavonoides.
No caso específico das uvas Vitis Viníferas, os principais compostos fenólicos encontrados são os ácidos fenólicos e seus conjugados (não flavonoides), flavan-3-ols (e polímeros de taninos condensados), antocianinas, flavanols e flavonoides.
Amargor
Diversos compostos são importantes quando temos a sensação de amargor. No caso dos vinhos brancos, os principais responsáveis por conferir certo amargor são pequenas quantidades de catequinas e leucocianidinas. Nessa classe, compostos como os chamados flavononols, a flavonona naringinina (presentes em variedades como a Riesling, por exemplo) apresentam um amargor leve, mas, nas concentrações finais em que são encontradas, não chegam a afetar os vinhos. Entretanto, um composto com maior recorrência é o tirosol, que, presente em uma concentração entre 20-30 mg.L-1, pode conferir ao vinho, branco ou tinto, uma sensação de amargor muito pronunciada.
Nos tintos, novamente a classe de flavan-3-ols e seus derivados podem ser responsáveis pelo amargor. Mas, realmente, não é uma tarefa simples distinguir entre o amargor e a adstringência, pois é importante destacar que, em muitos casos, alguns polímeros tendem a conferir mais adstringência do que amargor quando em solução, aumentando a dificuldade de distinção do paladar e a capacidade de detecção. E o contrário também é válido como, por exemplo, a combinação entre as antocianinas e os taninos que, no caso dos vinhos jovens, proporciona mais amargor do que adstringência, pois suas estruturas ainda estão passando por mudanças.
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Adstringência
A adstringência é uma característica essencial dos vinhos tintos e confere um certo "corpo", sensorialmente descrito como a sensação de boca seca, dura ou áspera. Nos tintos, a adstringência é proveniente principalmente da presença dos compostos fenólicos flavonoides, constituintes naturais das uvas. Durante a produção, se houver a extração excessiva desses compostos, o vinho resultante poderá ser muito adstringente e áspero, precisando de um longo tempo de maturação para perder um pouco dessas características e tornar-se mais aveludado.
A adstringência não é detectada pelas papilas gustativas e muito menos pelo epitélio olfativo, mas é a sensação seca e áspera percebida na boca. Esse mecanismo ainda é pouco compreendido e bastante estudado. A primeira hipótese surgiu em 1973, quando os autores sugeriram que os compostos adstringentes agiam nas proteínas presentes na saliva, se complexavam e resultavam na perda da capacidade dessas proteínas de lubrificarem a boca, causando uma sensação seca.
E se pensarmos nas interações entre os diferentes compostos, nesse caso temos outra, pois a combinação entre acidez e adstringência nos vinhos também ocorre, sendo que a sensação de adstringência aumenta conforme a acidez do vinho diminui.
Outros compostos
Além desses e tantos outros compostos, alguns que também são essenciais para o sabor do vinho não poderiam deixar de ser lembrados:
Álcool etílico: pode ser considerado o componente mais importante do vinho, conhecido por suas propriedades sensoriais e estimulantes (e, em excesso, intoxicantes);
Dióxido de carbono: a dispersão desse composto na solução forma as bolhas, que provocam uma sensação importante para o paladar: o formigamento e a efervescência sentidos na mucosa da boca;
Dióxido de enxofre: adicionado para prevenir a oxidação do vinho, esse composto tem um efeito particular no sabor do vinho, contribuindo principalmente com compostos voláteis;
Oxigênio: o contato com o ar, e consequentemente com o oxigênio, pode ser responsável por diversas mudanças químicas sensoriais nos vinhos, positivas e negativas. Quando pensamos nos seus efeitos benéficos ao sabor (aroma e gosto), devemos lembrar de que o contato com o vinho tinto deve ser pequeno e periódico, com baixas quantidades de oxigênio durante a maturação, enquanto para os vinhos brancos até mesmo esse contato pode ser prejudicial.
Como se percebe, o sabor de um vinho depende da complexa interação de diversos compostos, seguindo diferentes reações químicas e influenciado por uma infinidade de variáveis. E é por isso que o vinho é tão subjetivo quanto o prazer que ele proporciona.
A adstringência não é detectada pelas papilas gustativas ou pelo epitélio olfativo, mas é a sensação seca e áspera percebida na boca